Caixa e Banco do Brasil vão às compras

Existe um ditado popular chinês que diz mais ou menos assim: a crise pode ser um grande momento para construir possibilidades e alternativas. Com sua cultura milenar, os chineses têm muito a ensinar à humanidade, principalmente sobre o valor de uma nação

Porém, o que dizer daqueles que afirmaram nos últimos trinta anos que o liberalismo amplo, geral e irrestrito, era o único caminho e fonte para a prosperidade mundial? O que dizer dos Estados Unidos e da Inglaterra ou de Margareth Teacher e Ronald Reagan, idealizadores do neoliberalismo contemporâneo? O que dizer dos milhares de editoriais da imprensa mundial e brasileira que vociferam a escrever as virtudes do Deus mercado?


 


 


Falando em Deus, imagino a possibilidade de um ser humano, homem ou mulher, ter vivido a experiência santificada da encarnação nestes últimos sessenta dias. O seja, o sujeito morreu e voltou para continuar sua missão mundana. Quando retoma a consciência, corre desesperado para a primeira banca, compra um jornal e lê: Henry Paulson, secretário do Tesouro americano, injeta um trilhão e meio de dólares na compra de bancos e instituições financeiras em seu país. Logo pensa: estou morto! Abre a segunda página do jornal e fixa os olhos nas letrinhas: o primeiro ministro britânico, Gordon Brown, estatiza os quatro importantes bancos da Inglaterra. O pobre pagão volta à página anterior, lê um parágrafo, belisca o braço e dá um grito: nos Estados Unidos da América não existia um único banco público, então o governo, de forma unilateral, utilizou recursos do FED, o Banco Central Americano, para realizar as aquisições e acalmar temporariamente o mercado. Logo pensou: como pôde o Bush destruir a autonomia do FED, ícone do liberalismo mundial?  Os olhos fixam o horizonte por alguns minutos e o morto-vivo, em silêncio profundo, pensou: a compra de bancos nos EUA ocorreu depois que o governo americano gastou três trilhões de dólares na aquisição de papéis podres no mercado financeiro. A decisão de realizar essas operações ocorreu depois que o governo britânico desembolsou um trilhão para comprar bancos na Inglaterra e acalmar temporariamente o mercado europeu. A volta desse pobre sujeito, lá do paraíso, que não é o fiscal, deixou-o completamente desorientado.


 


 


 


Nesse momento o nosso herói reflete: como pôde o neoliberalismo, o pensamento único manter-se firme depois de anos de luta política e ideológica promovida pela sociedade planetária? Como num passe de mágica, o mundo vê ruir, em apenas quinze dias, justamente pelas mãos do mercado e dos países onde tudo começou, todos os princípios consolidados no consenso de Washington. Todavia, não importa, neste momento, discutir quem são os culpados, como surgiu a ruptura do neoliberalismo, o porquê da crise, onde estão os responsáveis pela débâcle, etc. O que importa neste momento é aproveitar a situação e repensar um projeto global, de mudanças profundas, que conduza o Brasil e a humanidade para uma outra ordem política, econômica e social. Uma nova ordem que inclua os milhões de deserdados e humilhados em todos os continentes.


 


 


 


Os brasileiros acompanham a crise que atropela as principais economias do mundo e percebe as suas implicações na economia real, cada dia mais próximas e evidentes. A possibilidade de o país sair imune é improvável, mesmo tendo melhores condições econômicas para enfrentar a situação. O crescimento econômico, a redução da dívida interna em dólares, as exportações, o aumento das reservas externas, a diversificação de parceiros comerciais e o fortalecimento do Mercosul são fatores econômicos importantes que determinam este potencial. Um outro elemento importante neste momento é o crescimento mediano da economia nacional, projetada para 5,5 % do PIB neste ano.


 


 


 


No entanto, o governo brasileiro não pode ficar passivo esperando a crise chegar. Algumas medidas já foram tomadas, mas a que mais reboliço causou entre os mercadores da crise foi a possibilidade de estatização de bancos, seguradoras, entidades abertas de previdência e de capitalização, através do Banco do Brasil e Caixa Econômica Federal. A medida chegou em boa hora e mexeu sobremaneira com o pensamento monolítico dos fantasmas e viúvas do neoliberalismo. Esses tentam de forma desesperada reafirmar que a crise no Brasil deriva da falta de liberdade do mercado. Para enfrentar a situação, propõem esses defuntos da crise mais liberdade ao fluxo de capitais, autonomia plena do Banco Central, reforma tributária, trabalhista, maior arrocho fiscal, política monetária restritiva, redução na participação do Estado na economia, ou seja, muito mais neoliberalismo. Todas essas medidas estão na contramão do que faz as principais economias do mundo.


 


 


 


Neste sentido, a Medida Provisória 448, que autoriza a compra de instituições financeiras, vai ao encontro do que é realizado na Europa e nos EUA. Entretanto, comprar ativos de bancos em dificuldades operacionais não é a única medida possível neste momento. As incorporações aos bancos oficiais vão fortalecer, com certeza, a participação do Estado no setor financeiro, estratégico para a construção de um novo ciclo econômico. Ainda em relação à Medida Provisória, é importante destacar a possibilidade de injeção de recursos no sistema público e privado da construção civil, setor fundamental para manter a economia aquecida e possibilitar que milhões de brasileiros tenham acesso à moradia.


 


 


 


Mas as ações não podem ficar restritas à medida provisória. É preciso criar no governo a convicção que o momento é propício para iniciarmos uma nova fase de desenvolvimento, utilizando a crise do neoliberalismo para abrir um novo ciclo desenvolvimentista. Neste cenário, será preciso enfrentar com determinação as teses tardias do falido neoliberalismo e encaminhar um conjunto de medidas extremamente necessárias para debelar a crise e abrir este novo ciclo virtuoso. Dentre as medidas necessárias estão: fim da autonomia do Banco Central, controle do fluxo de capitais, mudança profunda na política macroeconômica (fiscal, cambial e monetária), investimento maciço do Estado em setores estratégicos da economia, uma contundente ação anticíclica, reforma tributária progressiva e melhora nas condições do salário e emprego.


 


 


 


Sim, Caixa Econômica e Banco do Brasil, vamos às compras, mas conscientes de que restringir as ações do governo a essas medidas é não compreender o momento propício para avançar na construção de um novo ciclo histórico com desenvolvimento e valorização do trabalho.

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