Caminho das Índias

A Índia foi o cenário escolhido pela Rede Globo para sua novela das oito. Como sempre, os preconceitos são abundantes, o que é habitual em se tratando de uma produção da família Marinho. Castas, crenças, costumes e outros ingredientes fazem os te

Mas há algo marcante neste país asiático que se opõe à propalada imagem de uma Índia medieval: os maciços investimentos em ciência e tecnologia.


 


 


Em recente artigo publicado no jornal argentino La Nación (25/02), a editora de Ciência e Saúde, Nora Bär, oportunamente vem nos lembrar que a Índia não é mais um sinônimo de miséria, mas uma potência em C&T (ciência e tecnologia) com milhares de competentes cientistas titulados todos os anos nas mais diversas áreas do saber, trabalhando na fronteira do conhecimento, onde se destaca as tecnologias de comunicação e informação.


 


 


Nora cita Mohamed Hassan, diretor executivo da Academia de Ciências do Terceiro Mundo (TWAS, da sigla em inglês), que destaca o fato de a Índia ser um dos exemplos que bem ilustra o aporte em bem-estar que a ciência e a tecnologia oferecem aos países em desenvolvimento e detalha alguns notáveis avanços. Na Índia há empresas tecnológicas que empregam dezenas de milhares de pessoas (Infosys, criada em 1981 com 250 dólares, é uma das mais conhecidas e conta com mais de 90 mil empregados com faturamento de mais de quatro bilhões de dólares anuais). Segundo o Banco Mundial, o setor de informática criou 400 mil empregos só em 2002.


 


 


Outro entusiasta desta nova Índia que vai sendo construída sob os sólidos pilares da Ciência é o diretor do Conselho Científico e de Investigação Industrial da Índia (CSIR), R. A. Mashelkar, que em 2005, em artigo intitulado “O Elefante da Ciência”, destacou o fato de o país ter um capital humano de três milhões de cientistas e tecnólogos e a mais elevada “produtividade” científica do planeta (medida em artigos científicos e citações anuais em função do PIB per capita), ultrapassando, com folga os EUA e a China. “A vantagem da Índia não é, apenas, o custo – é o custo associado à competência de alto nível, tendo em conta o enorme reservatório de talento que é”, reforça Mashelkar.


 


 


Há também grandes indícios que a Índia pode se tornar o maior centro de conhecimento do mundo até 2020, quando terá a maior classe média do planeta (mais de 600 milhões) e uma população extremamente jovem. Tudo isso impulsionado pela constituição do “triângulo estratégico do Sul”, composto por Índia, Brasil e África do Sul, com a China complementando esta aliança científica como uma potência do “Norte”.


 


 


Na introdução de um suplemento editado pela revista Nature, em comemoração aos 25 anos da organização fundada pelo prêmio Nobel paquistanês Abdus Salam para promover a pesquisa em países emergentes, Hassan detalha alguns notáveis avanços destes países. Nos últimos vinte e cinco anos, por exemplo, a China consolidou-se como uma liderança tecnológica mundial. Seus cientistas, que participaram do Projeto Genoma Humano e decodificaram a estrutura genética do vírus SARS, agora publicam mais trabalhos em nanotecnologia em revistas internacionais referenciadas que nenhum outro país do mundo, exceto os Estados Unidos. O número total de artigos científicos assinado por pelo menos um autor chinês cresceu de 828, em 1990, para mais de 80.000 em 2007.


 


 


Já o Brasil, como é citado por Nora Bär, em três décadas multiplicou por dez o número de doutores titulados, e diferentemente dos sete mil que afirma em seu artigo, na verdade nosso país já ultrapassou a casa dos dez mil doutores formados anualmente e nos últimos quinze anos triplicou sua produção científica.


 


 


Como conseqüência desta aposta – que por sinal é oposta ao receituário neoliberal que apregoa a falsa idéia de que é mais barato comprar tecnologias forâneas do que investir em um projeto científico e tecnológico nacional e soberano – os países que investem em C&T vêm alcançando resultados impressionantes.


 


 


Em um mundo em que as nações são cada vez mais divididas entre aquelas que produzem ciência de ponta, e aquelas que no máximo conseguem copiar alguma tecnologia (na maior parte obsoleta), acaba-se por acentuar a pobreza e as desigualdades sociais nestes países que vão se tornando ainda mais vulneráveis aos ditames das maiores economias.


 


 


No âmbito do Mercosul e da América Latina presenciamos contradições e assimetrias alarmantes que devem ser combatidas para o êxito de uma efetiva integração. Após a avalanche neoliberal que varreu o continente, temos uma pós-graduação consolidada em dois países, praticamente. México e Brasil respondem por menos de trezentas mil matrículas, entre mestrado e doutorado, o que corresponde a 6,3% e a 2,8%, do total de estudantes matriculados no Ensino Superior destes países, respectivamente. E esta quantidade passa a ficar mais crítica quando levamos em consideração outro grave flagelo que é o assédio dos países centrais que patrocinam um verdadeiro êxodo de cientistas e pesquisadores mais qualificados que invariavelmente migram para centros de pesquisa e universidades mais equipadas e consolidadas. É a chamada “fuga de cérebros”, cuja formação os povos de nossos países tanto investiram.


 


 


A Índia também enfrenta este problema da evasão de recursos humanos qualificados para outros centros. Durante décadas muitos optaram por abandonar o país em busca de alternativas. Entretanto esta rota começa a ser alterada frente ao desenvolvimento industrial e a determinação política do governo indiano de atrair de volta seus pesquisadores.


 


 


Em excelente matéria publicada na revista Ciência e Cultura da SBPC de junho de 2006, de autoria de Cauê Nunes, foi divulgado estudo do Banco Mundial que mostra que, em 2000, quase um milhão de indianos com ensino superior trabalhavam em mais de 30 países da Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE). O principal destino era os Estados Unidos que entre outubro de 1999 e fevereiro de 2000 registrou a entrada de 34 mil indianos. Porém, nos últimos anos essa situação está se invertendo. Nesta mesma reportagem, o economista Márcio Pochmann chama atenção ao fato de que desde 1980 a Índia vem combinando política educacional e tecnológica, o que permitiu ao país uma inserção qualificada na economia. “Só é possível inverter esse êxodo com medidas conjuntas, que criem condições materiais para que os pesquisadores retornem e possam desenvolver suas pesquisas, e a Índia está trabalhando nisso”, ressaltou. Segundo Pochmann, o aumento da produção de bens de alto valor agregado foi fundamental para a economia indiana florescer, uma vez que “produtos com maior conteúdo tecnológico demandam trabalhadores qualificados”.


 


 


Por tudo isto, ao ligarmos a televisão no horário da novela global, é bom lembrarmos que auspicioso mesmo são os investimentos feitos em C&T por esse grandioso país que vem incomodando muita gente pela sua ascensão econômica. O verdadeiro “Caminho das Índias” é aquele que marcha solidamente pelas veredas científicas, transitando pelas fronteiras do conhecimento.

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