Capitalismo Walking Dead: juros negativos revelam a crise no pântano

No horizonte do capitalismo de transfiguração neoliberal – assentado no estágio imperialista dos nossos dias – vê-se perigoso aprofundamento da desaceleração com nova recessão (na estagnação!) sendo muito provável. Sim, num capitalismo já “respirando por aparelhos”, espécie de morto-vivo. E a espalhar miasmas terríveis por toda a parte

Há visível perplexidade e impotência diante do prosseguimento da grande crise global, com falência de medidas as mais “heterodoxas” já realizadas em todas as histórias das depressões – respostas sem qualquer sucesso para retirar do pântano a economia capitalista. Fenômenos novos que vem acompanhado de uma hipocrisia suicida diante do colapso e dum cinismo intelectual sem precedentes.

Taxa de juros negativos 

Esta é a nova “macroeconomia” da fantasmagórica da economia mundial que se generaliza e se impõe aos bancos centrais para tirar a economia capitalista mundial de desta “Longa Depressão” (Michael Roberts). [1] Isso porque falhou a política de “juros zero”. Assim como falhou a generalização anterior da política “Quantitave Easing” (Inglaterra, EUA, Japão e União Europeia), tendo fracassado ainda a impressão de moeda. Vários bancos centrais pequenos já haviam adotado a NIRP (Negative Interest Rate) como Suíça e Suécia, mas a semana passada o Banco de Japão passou a adotá-la efetivamente.

No caso do poderoso Banco do Japão, os rendimentos dos bônus do Tesouro de dez anos passaram ao negativo, o que significa que os bancos e outros investidores de grandes empresas corporativos preferem pagar ao banco central japonês e ao governo para manter os bônus para a próxima década, ao invés de gastar ou investir dinheiro efetivamente.

Com uma taxa de juros negativos os bancos comerciais (que geralmente emprestam a longo prazo) passam a pagar ao banco central para manter suas reservas nele, imaginando-se que os bancos estariam mais dispostos ao crédito e outras operações. Mas a deflação que atinge a maioria das economias centrais (especialmente na zona do euro) serve como um bloqueio ao investimento, direcionando-se assim lucros ao entesouramento ou a especulação.

Para se ter ideia, o volume de transações com títulos de governos (soberanos) com taxa de juros negativos atingiu cerca de US$ 6 trilhões. Martin Wolf (Financial Times), sempre representando os régios interesses da city londrina etc., passou e defender o (cinicamente) chamado “dinheiro de helicóptero”. Isto é: transferir crédito diretamente nas contas bancárias dos correntistas, ou um tipo de quantitative easing “para o povo”, com vem denominando a ala esquerda do trabalhismo britânico. [2]

Na base da argumentação de Wolf, a economia mundial “está esfriando, tanto estrutural quanto ciclicamente”, ainda que as taxas de juros negativas “já passaram do terreno do impensável para a realidade”. E remete ao último outlook da OCDE (Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico) onde se lê a recomendação para a “expansão fiscal”, em direção oposta à “austeridade” por ela recomendada a ferro e fogo. É que, igualmente para a OCDE, em desaceleração persistente, a produção mundial “não será mais elevada que em 2015, que já foi o ritmo mais lento dos últimos cinco anos”.

Entretanto, pode-se concluir que, até o momento, na prática as taxas de juros negativas não têm conseguido impulsionar o crédito nem a demanda agregada (quantidade de bens e serviços que o conjunto dos consumidores deseja e se dispõe adquirir num tempo determinado e por um preço) que se esperava. De fato, o problema decorre ao extraordinário nível de endividamento no capitalismo desenvolvido nos últimos 20 anos, ao que se seguiu um processo deflacionário que está longe de terminar.

Noutro ângulo, sequer a redução das taxas interbancárias (spread) feita recentemente pelo BCE (Banco Central Europeu) conseguiu alterar as operações do varejo. O que demonstra ser a redução ao negativo das taxas de juros bem mais uma manobra de continuidade da “guerra cambial” (guerra de capitais): neste caso o euro se posiciona mais favoravelmente do que o dólar. De todo modo, em dezembro de 2015, a taxa de depósitos bancários (que remunera as reservas que os bancos comerciais depositam no Banco Central) foi de -0,2% para -0,3% ao ano

“Austeridade”: a desmoralização anunciada

Noutro problema fundamental, conforme ainda importante análise da Unctad (Agência das Nações Unidas para o Comércio e Desenvolvimento), a economia mundial estaria passando por uma “terceira etapa da grande crise financeira iniciada em 2008”, [3] agora atingindo os emergentes. A saída, afirma enfaticamente Alfredo Calcgano, chefe do setor de macroeconomia e políticas de desenvolvimento, passa por mobilização mais acelerada de países ricos para recuperar a demanda global, inclusive por parte dos que têm déficit.

Em direção semelhante a da OCDE, para a Unctad “um incremento do gasto público em bens e serviços de 4,4% do PIB durante cinco anos, até 2020 (ou seja, gasto extra de 0,87% ao ano), comparado com o cenário atual, resultaria num crescimento acumulado adicional de 2,5 pontos percentuais globalmente (0,5 p.p. anual). Acompanhado de política fiscal progressiva, esse cenário é considerado pela entidade consistente com uma redução do déficit fiscal. “A confiança no mercado financeiro volta com o crescimento e não com austeridade”, diz Calcgano. E que, para enfrentar a crise, “Todo mundo fez política expansionista, com bons resultados, e conseguiu controlar [o pior da crise]”, declarou. [4]

Notemos ademais que, para Roberto Azevêdo, diretor-geral da OMC (Organização Mundial do Comércio), na medida em que vários bancos centrais adentraram no território de taxas negativas de juros, títulos dos governos tem obtido rendimento perto de zero, “e a economia mundial não reage. Isso é muito preocupante”

O que foi explicitamente reiterado por Mario Draghi, presidente atual do BCE, em comunicado no dia 1 de março de 2016: “Neste ambiente, as dinâmicas de inflação da zona do euro continuam mais fracas do que o esperado", diz a carta. Mario Draghi afirma ter “uma variedade de instrumentos à sua disposição” e que “não há limites para quão longe estamos dispostos a usar os nossos instrumentos, dentro do nosso mandado, para atingir o nosso objetivo”.

Enquanto a reunião do G-20 em Xangai praticamente desconheceu os “alertas” do FMI frente a situação da economia mundial. “Essa evolução dos acontecimentos aponta para maiores riscos de uma recuperação fora dos trilhos, num momento em que a economia mundial está extremamente vulnerável a choques adversos”, alertou o FMI. Para quem “a economia mundial precisa de ações multilaterais ousadas para estimular o crescimento e conter o risco”. [5]

No comunicado do G-20, diz-se que “a recuperação global continua, mas segue desigual e aquém da nossa ambição”. Um resumo do ridículo explícito, apesar das promessas de “usar todas as ferramentas” (monetária, fiscal etc.) para a “retomada do crescimento” – o que já virou lero-lero. (“G-20 vê recuperação da economia global aquém da esperada”, O Estado de S. Paulo, 25/02/2016).

Uma nota sobre a Venezuela

A Venezuela prossegue em grandes dificuldades econômicas, especialmente atingida pela derrubada do preço do petróleo (cerca de 70% do seu PIB). O país reduziu recentemente a importação de alimentos e de remédios frente ao impacto da continuidade do pagamento da sua dívida externa (no 26 de fevereiro vencia US$ 1,5 bilhão em títulos de dívida, tendo o governo anunciado que faria o pagamento). A estimativas para o PIB deste ano revelam um forte crescimento negativo, evidentemente a se confirmar. Além, o país vem consumindo suas reservas internacionais que, em queda, estariam em torno de (apenas) US$ 14,56 bilhões em fins de fevereiro.

Duas observações

1) Pelo exposto, ademais de repetições dos alertas do FMI acerca dos novos fatores de risco da economia global, há uma clara viragem na conduta de recomendação da OCDE e da Unctad (ONU), no sentido de aplicação imediata de políticas de ampla flexibilização fiscal e aumento do gasto público, mesmo diante de dívidas públicas gigantescas acumuladas nos principais países do capitalismo central. O que evidentemente desmoraliza o receituário do “ajuste fiscal” radical imposto especialmente pela “troika” (BCE/Comissão UE/FMI). E em certo sentido antecipam recados à periferia subdesenvolvida às voltas com violenta queda do produto, das receitas fiscais e exportação de commodities.

2) Mas a questão que parece ser a essencial é a de que a “financeirização” neoliberal continua sua “fuga para frente”, cuja hegemonia do grande capital no comando de organismos multilaterais – tomando medidas ou não tomando -, e enfrentando novas e flagrantes contradições (agudas e crônicas), ainda assim sem respostas progressistas e soberanas satisfatórias até onde a vista alcança. Prosseguirá portanto a destruição de forças produtivas com drástica regressão social.

NOTAS

[1] Ver o importante artigo de Roberts em:
http://www.sinpermiso.info/textos/podemos-evitar-la-recesion-mundial-que-se-aproxima

[2] Ver: http://www.valor.com.br/opiniao/4451536/dinheiro-jogado-de-helicopteros

[3] Na nossa opinião são quatro as fases que compõem essa grande crise, até agora: a) das hipotecas “subprime” (agosto de 2007); b) a falência do Lehman Brothers (setembro de 2008); c) a chamada de “crise das dívidas soberanas”, desde 2010 e que se agrava; d) a fase atual, que arrasta a periferia capitalista e atinge, de outro modo, a estratégia de desenvolvimento vitoriosa da China.

[4] Ver: http://www.valor.com.br/internacional/4439760/unctad-defende-mais-gasto-publico-para-enfrentar-crise

[5] ver: http://www.valor.com.br/internacional/4453434/fmi-fala-em-momento-critico-e-pede-medidas-energicas-do-g-20

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