Celulares em aulas e reuniões

Um dos efeitos nocivos da extrema conectividade que temos hoje é o excesso de informação usado como estratégia para a desinformação.

Imagem: cseabra/midjourney

Todo mundo tem um celular no bolso ou na bolsa. Com a pandemia, as relações digitais – por texto, áudio ou vídeo – se expandiram, seja em conversas em pequenos grupos, em reuniões empresariais ou partidárias, em cursos à distância. Quando as pessoas não usam celular, utilizam computador (ou ambos).

Quando os Jetsons se comunicavam à distância com outras pessoas, ou em Jornada nas Estrelas, quando um Spock no planeta lá embaixo conversava numa boa com um Kirk na espaçonave em órbita, ninguém pensava nos inúmeros impactos que estas tecnologias de comunicação teriam sobre a sociedade, a psicologia, a economia e até mesmo nas relações amorosas, familiares e políticas.

As inúmeras possibilidades oferecidas, a superação de distâncias, a praticidade da comunicação, trazem também grandes desafios para palestrantes, professores e outros gestores cognitivos. A dinâmica de reuniões em associações de moradores, sindicatos e partidos também é muito afetada pela conectividade individual de todos os membros do grupo – promovendo a dispersão dos presentes no mesmo espaço físico, mas alcançando os ausentes e os entrosando no espaço virtual.

Se numa plateia presencial você nota umas conversas paralelas, pode fazer imediatas adequações à sua exposição – criando um momento mais interativo, falando mais baixo ou mais alto, percebendo de imediato as reações do seu público –, em uma videoconferência, webinário, reunião virtual, é mais difícil ter essa percepção. Muitos desligam a câmera, você não sabe se foram ao banheiro ou se estão a comer um lanche ou falando com outra pessoa.

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As reuniões tendem a ser mais caóticas do que as presenciais, pequenas observações feitas ao microfone interrompem mais do que quando feitas presencialmente. O uso concomitante de aplicativos de mensagens instantâneas ocorre em escala muito maior do que nos eventos presenciais, dispersando a atenção e diluindo a concentração dos participantes.

Obviamente, o virtual é a solução quando as pessoas estão longe umas das outras, seja no imenso território nacional ou nas distâncias de intenso trânsito das grandes metrópoles, permitindo inclusive utilizar horários com mais flexibilidade – e possibilitando gravar para que ausentes interessados possam posteriormente acompanhar o que foi apresentado ou discutido.

A dinâmica de uma reunião presencial é muito mais efetiva, as pessoas se encontrando fisicamente as interações são mais ricas e múltiplas. E o aprofundamento nas discussões dos conteúdos acaba sendo paradoxalmente mais significativo.

Outro efeito nocivo da extrema conectividade que temos hoje é o excesso de informação usado como estratégia para a desinformação. Seguindo a orientação “inundar a opinião pública de merda” de Steve Bannon (flood the zone with shit), vários próceres neofascistas da atualidade montaram seus “gabinetes do ódio” para seguir à risca essa receita. A criação de um cinismo generalizado sobre a verdade e a coisa pública corrói os alicerces da democracia. E a estratégia funciona.

Mesmo as informações reais, relevantes, significativas, propiciam uma quantidade estonteante de narrativas e contranarrativas. O ritmo do ciclo de notícias é demais para qualquer um processar. Isso leva a que ter poucas e simples ideias é um alívio para boa parte das pessoas. Uma visão tosca e simplória da realidade é meio caminho andado para os movimentos de extrema-direita, de braços dados com “vendilhões do templo” irmanados em objetivos similares.

Assim como uns poucos milhares de carros numa cidade são uma solução, agilizando transportes individuais, algumas centenas de milhares de veículos são um dos maiores problemas do trânsito, gerando muitas horas paradas em grandes congestionamentos.

Para fugir dessa pletora de informações e caos cognitivo, escapar dessas armadilhas dos algoritmos (cada vez mais otimizados por inteligência artificial), é preciso reaprender a ler e discutir um texto junto com colegas, ao vivo; é preciso reaprender a tomar notas por escrito, a fazer pauta do que se vai discutir, a anotar os principais pontos, a fazer um resumo das eventuais conclusões.

Tendo o leme dessa nau em mãos a navegação será muito mais precisa. E se tudo isso for digitalizado, distribuído nas suas redes, o potencial de articulação poderá ganhar escala e terçar armas com as pirocas de mamadeira e outros que tais.

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