Chico Buarque a Roma

Em Bambino a Roma, Chico Buarque mistura memória, ficção e crítica social com leveza e ironia, reafirmando sua grandeza literária mesmo às portas dos 81 anos.

Chico Buarque | Foto: reprodução/Instagram

O mais recente romance de Chico Buarque, Bambino a Roma, revela – como poucos autores têm a capacidade de reunir – lembranças reais e cria uma obra de ficção, tanto que ficção é um complemento do título, pelo jeito para não gerar especulações – com narrativa delicada e doce mesmo nestes tempos sombrios em que vivemos.

Como um verdadeiro mestre das palavras, Chico conta as suas peripécias em Roma, na Itália dos anos 1950, onde morou por dois anos porque seu pai, o historiador Sérgio Buarque de Holanda, lecionou na Universidade de Roma.

Chico que se recupera de uma cirurgia no cérebro, perto de completar 81 anos (seu aniversário é no próximo dia 19), mostra como a literatura transmite conhecimentos – e isso não é privilégio seu – e viaja pela história para falar sobre acontecimentos que marcariam a vida do planeta como a morte de Josef Stalin, em 1953.

E como o pensamento não é linear ele ressalta a importância do suicídio de Getúlio Vargas, em 1954 para evitar um golpe de Estado, que teria êxito dez anos depois e afetaria a vida do país por 21 anos. E descreve como esses fatos mexeram com a vida de sua família e do país.

Com muita clareza ele diz que seus pais, como boa parte da intelectualidade não morria de amores por Getúlio, principalmente por ter estabelecido uma ditadura em 1937, mas que a empregada doméstica chorava por sua morte. Porque grande parte da classe trabalhadora amava o velho. Afinal vários direitos trabalhistas surgiram em seu governo após muita luta da própria classe trabalhadora.

Com um humor singular, inteligente e delicado, Chico nos leva a uma viagem fantástica pela história do país, as nossas mazelas e a nossa formação étnica, social e cultural. Muito presente em suas obras, ele mistura as questões individuais e sociais porque a vida é muito complexa.

Deixa patente no transcorrer das fantasias de Francisco, a vida familiar, e dos amigos de infância. E, depois, a vida adulta na luta para sobreviver de sua arte sem sucumbir à ditadura e ao sucesso prometido pelo capitalismo. Só que esse sucesso cobra um preço muito alto dos artistas. O preço de vender sua alma ao diabo do dinheiro fácil.

O sétimo romance de Chico (ele é autor também de seis peças teatrais, um livro de contos, um infantil e uma novela) conversa com algumas de suas obras, principalmente O Irmão Alemão, que também parte de acontecimentos da vida de sua família e Leite Derramado, uma obra prima ácida com a burguesia e seu racismo e ódio de classe, assim como a ironia de Essa Gente.

Começa com a infância dele em Roma e chega a sua maturidade em seu alter ego: o narrador do romance em diversas fases da vida.

A sua independência em relação a seu pai, transformando-se num dos principais nomes da música popular brasileira e posteriormente na nossa literatura.

Em toda a sua obra, Chico mostra a importância da história para entender como chegamos aonde chegamos e porque somos assim, nós somos o que somos devido à maneira singular como lidamos com tudo o que aflige as nossas vidas. Foi a resistência à opressão em muitas épocas que levou o Brasil a ser a nação que é e a singularidade de seu povo. Mesmo que atualmente estejamos dominados pelo ódio fascista.

Para destacar toda a delicadeza deste romance, Chico termina narrando o encontro com seu amigo de infância ficcional que não resistiu aos dilemas da vida e estava à beira da morte. “Queria lhe dizer que ele será sempre meu melhor amigo em Roma, mesmo tendo se tornado esse traste, mesmo tendo desgraçado a vida a esse ponto” … Súbito com seu vozeirão de barítono, me manda voltar para o meu país”.

Singelo e irônico, Bambino a Roma reforça a força literária de Chico Buarque. A força da palavra em romances que certamente permanecerão na história da cultura brasileira tanto quanto as suas centenas de canções eternizadas em nossas almas.

As opiniões expostas neste artigo não refletem necessariamente a opinião do Portal Vermelho
Autor