“Confissões de um jovem apaixonado”: Paixão ditada pela razão
Cineasta francesa Sylvie Verheyde usa novela de Alfred de Musset para discutir desencanto da juventude com a política e refletir sobre o amor controlado pela razão
Publicado 19/06/2013 13:17
Como num prólogo, a primeira parte de “Confissões de um jovem apaixonado” destaca-se das demais. A cineasta francesa Sylvie Verheyd usa-a para situar o espectador no clima que virá a seguir. Ela é pontuada por seguidas orgias de jovens burgueses em bordéis animados por belas cortesãs. Em meio a bebidas e sexo, eles encontram tempo para discussões políticas que lhe permite traçar paralelos com os impasses dos jovens deste século 21. É a forma de Verheyd atualizar o tema do desencanto político e da substituição da paixão pela razão.
O personagem central da narrativa, baseada no romance autobiográfico “Confissões de um filho do século” (1836) do também francês Alfred de Musset (1810/1857), é o jovem latifundiário Octave (Peter Doherty). Traído pela amada, ele consome suas noites em prazeres. Alheio aos impasses políticos, pós-Revolução Francesa (1789/1799), ele tem em seu amigo Desgenais (August Diehl) uma espécie de consciência. Através dos ácidos comentários deste, Verheyd leva o espectador refletir sobre os desencantos dos jovens com a crise do capitalismo pós-queda do neoliberalismo.
Desgenais mesmo em meio às orgias discute a situação política francesa com os amigos. E acaba por sentenciar: “O mundo pertence aos banqueiros. As leis se adaptam a eles, não eles às leis”. Como burguês, ele sabia o que dizia. Verheyd vale-se dele em outras sequências para acentuar suas atitudes em relação às escolhas amorosas de Octave. Mas o que fica desta primeira parte é a atualidade de sua visão política. Ele percebia as mudanças em curso na França e sentia-se impotente para evitá-las.
Jovens não miram a estrutura política
O que pautava sua conduta, em seu momento histórico, era a transição do capital extraído da produção para o domínio do capital financeiro. Este veio a predominar sobre o sistema produtivo, a ponto de mesclar-se a ele, dominando-o por completo. Este predomínio só se desnuda nas crises do capitalismo, caso de 1930 e 2008. Suas consequências não se esgotam nele, contaminam toda a estrutura sócio-político-econômica, gerando desemprego e miséria, caso da UE (União Europeia), que dificilmente serão resgatados.
Os movimentos que reagem a esta situação, a exemplo dos Indignados da UE e do Ocuppy Wall Street, nos EUA, conseguem identificá-lo pondo-o no grupo de 1%, que drena toda riqueza, sem mirar no sistema que o sustenta. Esgotam logo seu movimento. Ficam na micropolítica, reivindicando solução para casos pontuais. Caem na tática dos partidos conservadores, travestidos de democratas e social-democratas, que “despolitzam a política”, dizendo que não existe mais esquerda ou direita e que a ideologia acabou. Assim evitam ser culpados pela crise e perder seu espaço no parlamento.
Verheyd apenas toca nas bordas da transição do capital produtivo para o capital financeiro. A riqueza de Octave deriva da produção no campo. Quando o pai morre, ele herda-lhe a fortuna e a condução dos negócios, que sempre adia. E encontra na jovem viúva Briggite (Charlotte Gainsbourg) seu interesse amoroso. Mas como lhe diz Desgenais, ele perdeu a capacidade de amar. Não se trata disso, a paixão ao lhe causar dor o mudou. Tanto ele quanto Briggite a substituiu pela razão. Eles passam a evitá-la.
Briggite prefere viver a seu modo
Estão sempre se referindo à possibilidade de se entregar um ao outro e aos empecilhos que os mantém distantes. Aflora aqui o princípio de independência da mulher quanto a tomar a si os rumos de sua existência. Eles até convivem sob críticas da vizinhança, sem com elas se importar. Porém, o desencanto de Octave não acabou; ele só o substituiu pela desconfiança, o medo de entregar-se e ser traído novamente. Diferente de Briggite para a qual a vida está em Paris, não no campo.
Este comportamento dos personagens permite a Verheyd dar ao filme traços de relacionamentos modernos nos quais a entrega ao parceiro é conduzida mais pela razão que pela paixão. Inexiste o amor mórbido, trágico, melancólico, do Romantismo. Octave e Briggite, dotados de materialismo, medem palavras e ações. Ele fala em cuidar da fazenda herdada do pai, ela quer mudar de vida. Amar é insuficiente para viverem juntos. Eles sempre podem interromper as carícias, o estar juntos, dada à inquietude de ambos.
Verheyd destitui suas caminhadas pelo campo de qualquer bucolismo, típico do Romantismo. Inexiste predominância do verde, de flores, de ramagens. Cascas secas desprendem-se das árvores, as águas do riacho são ralas, cheias de galhos e folhas, criando um clima de desamor. Os belos planos sequência os acentuam ainda mais – Octave e Charlotte estão ali e não estão. Há o contraste com os velozes travellings das sequências nos bordéis, cheias de vida, de prazer, enquanto que no campo impõe-se o tédio, a impossibilidade da paixão e o medo da dor. O viver fica, assim, preso ao racional.
“Confissões de um jovem apaixonado”. (“Confession of a child of the century”).
Drama. França.
2011. 120 minutos.
Música: Nous deux. The Band.
Fotografia: Nicolas Gaurin. Roteiro: Sylvie Verheyd, baseado no romance de Alfred de Musset.
Direção: Sylvie Verheyd. Elenco: Charlotte Gainsbourg, Peter Doherty, August Diehl, Henri Smith.