Conservadorismo em disputa: extrema direita ou direita tradicional no comando?

“Diante das movimentações e disputas internas que atravessam o campo conservador, a esquerda não pode se limitar à observação”

Zema, Ratinho Jr., Tarcísio e Caiado. Foto: RomeuZemaOficial/Facebook

Nas últimas semanas, o cenário político conservador brasileiro tem revelado sinais nítidos de reorganização com vistas às eleições presidenciais de 2026. Diversos atores políticos vêm se posicionando estrategicamente, evidenciando uma disputa interna que transcende o mero protagonismo eleitoral: trata-se de definir qual será a feição predominante do conservadorismo brasileiro — se mais radicalizada ou conciliadora.

Atualmente, figuras como Ronaldo Caiado (União Brasil), Romeu Zema (Novo), Tarcísio de Freitas (Republicanos), Ratinho Jr. (PSD) e Eduardo Leite (PSD) aparecem como pré-candidatos do campo conservador à Presidência da República. Entre eles, Zema enfrenta dificuldades para se projetar nacionalmente, especialmente por sua baixa aceitação entre setores mais radicalizados da direita. Caiado, embora respeitado, encontra resistência interna em seu partido, o que enfraquece sua viabilidade. Eduardo Leite, que aderiu recentemente ao PSD, parece concentrar esforços em uma candidatura ao Senado no Rio Grande do Sul, sugerindo uma movimentação mais defensiva. Ratinho Jr. surge como uma alternativa competitiva, beneficiado por sua baixa rejeição. No entanto, o nome com maior potencial é Tarcísio de Freitas, não apenas por sua imagem moderada e mais “palatável” ao centro político, mas também pelo fato de já dispor de uma estrutura consolidada à frente do governo de São Paulo – o que o coloca em vantagem estratégica frente aos demais concorrentes do campo conservador.

A condição de Tarcísio de Freitas como nome mais palatável do campo conservador — dado seu perfil moderado, baixa rejeição e sólida estrutura de governo em São Paulo — tem levado setores do mercado financeiro, especialmente os vinculados à Faria Lima, a pressionarem por sua candidatura à Presidência em 2026. Nesse cenário, a articulação de uma candidatura progressista com capital político suficiente para ameaçar sua reeleição no estado representaria uma manobra estratégica capaz de gerar preocupação nas elites paulistas e forçá-las a reavaliar o papel de Tarcísio no projeto nacional. Tal movimento poderia redesenhar a correlação de forças em São Paulo e, por extensão, no tabuleiro eleitoral de 2026.

Nesse sentido, a possibilidade de uma candidatura de Geraldo Alckmin ao governo paulista, construída a partir de uma articulação liderada por Lula, pode alterar significativamente essa equação. Ressalte-se que Lula foi o responsável por resgatar Alckmin do ostracismo político, ao trazê-lo para a vice-presidência numa costura hábil que unificou diferentes espectros do campo progressista. Recolocar Alckmin em cena como candidato ao governo de São Paulo seria um novo gesto de engenharia política, que teria alto potencial estratégico: seu histórico como governador, a forte capilaridade no interior do estado e sua imagem de moderação o transformam num adversário direto de peso contra Tarcísio.

Essa movimentação obrigaria o governador paulista a repensar seus planos para o cenário nacional. Diante de uma disputa local real e competitiva, a tendência seria que Tarcísio optasse pela tentativa de reeleição, deixando o espaço presidencial sem um nome conservador com apelo ao centro político – o que aprofundaria o dilema da direita entre radicalização e moderação. Nesse sentido, a construção da candidatura de Alckmin pelo campo progressista não apenas amplia as possibilidades eleitorais em São Paulo, mas também desorganiza a lógica sucessória da oposição, tornando-se uma peça-chave na arquitetura das eleições de 2026.

Outro elemento decisivo na equação é o bolsonarismo. Em recente entrevista ao Jornal O Globo, Flávio Bolsonaro reconhece a incerteza quanto à elegibilidade de Jair Bolsonaro, mandando sinais reconhecendo a possibilidade de apoiar outra candidatura. O bolsonarismo diz claramente “o preço” desse apoio, desde que sejam firmados compromissos claros — entre eles, a garantia de não prisão do ex-presidente e um posicionamento confrontador em relação ao Supremo Tribunal Federal. Essa postura reflete não apenas um recuo por parte da extrema direita, mas também uma reafirmação da postura antidemocrática que tem marcado o núcleo mais radical da direita.

Paralelamente, as lideranças mais orgânicas do bolsonarismo — como Flávio, Eduardo, Michelle e Carlos Bolsonaro — articulam-se para disputar cadeiras no Senado, evidenciando a leitura estratégica do grupo de que a Casa Alta será o epicentro das disputas políticas nos próximos anos. Ao fortalecer sua presença no Senado, o bolsonarismo visa consolidar uma posição de poder institucional capaz de influenciar decisivamente qualquer cenário pós-2026. Em caso de vitória de um governo conservador, a bancada bolsonarista poderá impor condicionantes ao Executivo, tornando o futuro presidente refém das pautas da extrema direita. Por outro lado, diante de uma eventual vitória da esquerda, esse agrupamento disporia de um espaço privilegiado para exercer oposição combativa e, potencialmente, construir iniciativas de enfrentamento institucional – incluindo a tentativa de impeachment de ministros do Supremo Tribunal Federal, algo que já aparece nos discursos mais radicais do grupo.

Diante das movimentações que redesenham a direita brasileira, o campo conservador encontra-se no centro de uma disputa interna crucial: não se trata de conciliar posições ou ceder espaço, mas de definir quem assumirá de fato a liderança política e simbólica desse espectro ideológico nos próximos anos. De um lado, figuras mais moderadas tentam construir uma candidatura com apelo ao centro e viabilidade eleitoral; de outro, o núcleo bolsonarista —  mais radicalizado e combativo — mobiliza sua base e estrutura representação parlamentar, sobretudo no Senado, para manter influência determinante. O desfecho dessa disputa terá impactos profundos não apenas na definição do candidato presidencial da direita em 2026, mas também na configuração institucional do país, afetando a forma como o conservadorismo se apresentará ao eleitorado: como uma força de moderação e diálogo ou como expressão de confronto e tensão democrática. O resultado desse embate moldará a correlação de forças entre a direita tradicional, a extrema-direita e os setores centristas – e poderá redefinir os contornos da política brasileira no médio prazo.

Diante das movimentações e disputas internas que atravessam o campo conservador, a esquerda não pode se limitar à observação. É fundamental que se reposicione de forma estratégica, redefinindo sua atuação política para fazer frente aos desafios do período que se anuncia — tarefa que envolve escolhas táticas, programáticas e organizativas. Mas esse debate merece fôlego próprio, e será desenvolvido na próxima coluna.

No canal do Youtube “A questão Política” pretendo aprofundar mais esse e outros temas que dizem respeito à política. Convido a todas e todos para que se inscrevam no canal. (https://www.youtube.com/@Aquestaopolitica).

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