Contra histerectomias desnecessárias

O espelho da ginecologia brasileira é norteamericano. Lá, são realizadas 600 mil histerectomias/ano e, na Europa, apenas 10% desse total.

A jornalista Cláudia Collucci informa que, “em 2005, foram feitas 112,2 mil retiradas de útero, ao custo de R$ 67,5 milhões. Os sistemas privado e suplementar de saúde não têm esses dados.

Os riscos de morte (seis a cada dez mil, em indicações benignas) e de infecções pós-cirúrgicas já justificariam um maior critério na indicação da cirurgia, avalia a médica Renata Aranha, professora de ginecologia da Uerj e que fez o estudo para a tese de doutorado” (“Mulher pobre retira mais útero, diz estudo”, FSP, 27/3/2006).

Vera Cristina de Souza, em sua tese de doutorado (“Sob o peso dos temores: mulheres negras, miomas uterinos e histerectomia”, PUC-SP, 2002), constatou que o motivo alegado para a histerectomia nas negras com miomas, em geral, era, conforme uma médica depoente da pesquisa, “devido à gravidade dos seus quadros clínicos, atribuída ao fato de terem abandonado o tratamento médico e à baixa frequência às consultas ginecológicas”.

Declaração que evidencia a dificuldade de acesso das negras em tempo hábil a serviços de boa qualidade e à possibilidades de tratamentos menos invasivos.

Então, a autora recomenda investimento nos grupos de portadoras de miomas como espaços indispensáveis ao empoderamento feminino, “visando permitir que as mulheres adquiram conhecimento sobre a doença e a evolução dos tratamentos, para que possam exercer o direito de decidir, de forma participante, acerca das intervenções sobre seus corpos, particularmente quando da ocorrência da histerectomia”.

Em “Mulheres, salvem seus úteros” (FSP, 11/2/1997), o ginecologista Cláudio Basbaum, criador da Pro-matrix, (1996) inicia com uma citação da filosofia chinesa: “Deus perdoa sempre, os homens, algumas vezes, a natureza, porém, não perdoa nunca”, e afirma que “é preciso repensar, dentro de novos princípios, a maior autonomia da mulher sobre seu corpo e seus direitos reprodutivos, dando a elas maiores informações e acesso prático aos avanços científicos e tecnológicos que ocorreram nos últimos anos. No meu tempo de aluno da faculdade de medicina – ele continua –, apregoava-se que o útero era um órgão que só servia para gerar crianças e desenvolver câncer. Essa atitude simplista, depreciativa e coercitiva sobre o órgão matriz é irracional e perversa. Todos os órgãos do corpo humano trabalham em sintonia e harmonia, e o útero não se constitui exceção (visitar www.promatrix.com.br/campanhas). O lamentável da situação de descaso, na qual as mulheres, em especial as negras, perdem seus úteros e, por tabela, a capacidade reprodutiva precocemente, é a ginecologia brasileira, e aqui podemos generalizar, desconhecer questões tão básicas, nos seus aspectos científicos e humanitários, como as mencionadas”.

Em “Negras, miomas e histerectomia”, afirmei que “o espelho da ginecologia brasileira é norteamericano. Nos Estados Unidos, são realizadas cerca de 600 mil histerectomias/ano e, na Europa, apenas 10% desse total. A cultura da histerectomia é forte nos EUA.

Metade das esposas de médicos dos EUA fizeram histerectomia antes dos 65 anos. Desde 1970, há denúncias de que ’histerectomias desnecessárias colocam em risco mais que o útero da mulher: arriscam a vida dela.’

Nas 787 mil histerectomias realizadas nos EUA, em 1975, morreram 1.700 pacientes devido a complicações, sobretudo decorrentes da anestesia.

O “The New York Times” publicou em 1986 que 22% das histerectomias nos EUA foram desnecessárias. E no Brasil? Sequer supomos com alguma segurança” (O TEMPO, 9/7/2003).

A coordenadora da Área Técnica de Saúde da Mulher do Ministério da Saúde, drª. Maria José Araújo, assumiu o compromisso de encaminhar uma “medida educativa e técnica” de resolução dos problemas relativos aos tratamentos dos miomas. Em boa hora.

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