Contratos, sociais? 

Continuando a série Democracia, participação e cultura (parte 5), seguiremos com títulos individuais aos artigos para facilitar a leitura e localização dos temas abordados.

Um dos primeiros passos rumo às democracias modernas ocorreu com a criação de monarquias constitucionais que forçaram os Reis a assinarem cartas de direitos e deveres com seus súditos.

Ainda que o totem tenha sido o primeiro código de leis, são os contratos sociais no imaginário popular que deram ordenamento entre povo e governantes. O surgimento desses contratos constitucionais, entre Reis e seus povos, foram assinados a fim de diminuir o poder real, sendo aceita esta perda de poder, não apenas pela potência das revoltas populares, mas pela pressão da nobreza que, na defesa de suas propriedades, agiram na busca de maior estabilidade política, evitando que surgissem regimes totalitários. Sendo uma vitória dos ricos, e não das massas, pois as primeiras democracias constitucionais tratavam apenas do acordo entre oligarquias e reis.

Das monarquias constitucionais até as repúblicas constitucionais, travou-se uma batalha que somente nos primeiros dias da revolução industrial se consolidou. Esses contratos constitucionais tinham por base cartas elaboradas através de manifestos e livros com ideologias políticas, utópicas, que inspirariam as primeiras cartas com declarações de direitos, destacando, a Declaração de Virgínia (1776).

“Essas primeiras declarações vislumbravam, especificamente, as liberdades públicas e os direitos de participação política para aqueles que eram considerados cidadãos.” (CUNHA FILHO, Francisco Humberto. Não Podemos Ser Escravos do Passado. 2013)
Após as revoluções Estadunidense (1776) e Francesa (1789), mais e mais nações começaram a se libertar das antigas ordens instituídas, feudais, monarquias absolutistas e religiosas. Libertações de nações que ocorreram na medida em que seus centros urbanos entravam em contato com a ciência e processos industriais, gerando um ciclo de transformações globais que iniciada há dois séculos ainda não se completou.

Dentre os principais conceitos que inspiraram tantas revoluções pelo mundo nos séculos que se seguiram estão valores, esperanças, de que o povo (ou os indivíduos) são senhores de seus destinos, teriam o direito de eleger seus representantes que, por sua vez, iriam defender estritamente seus interesses coletivos.

Ainda obstante, não se realizavam as democracias para além dos textos intelectuais de idealistas ou de grupos políticos que ao seu tempo tinham razões para sustentar o valor positivo dos regimes democráticos, ainda que eles mesmos tenham admitido serem utopias (Democracia, participação e cultura, parte 2).

Ainda que ilusória, a marcha gradual da democracia avançou, não mais por sobre os Estados Absolutistas (séculos XVII-XVIII), mas em uma nova etapa, marchando contra o grupo social que iniciou esta transformação, a aristocracia (bem como posteriormente a burguesia industrial), cada vez mais questionada, passou a ter que dividir sua liberdade com as massas qualificadas (século XIX) – o que Alexis de Tocqueville chamou de uma “uma guerra lenta” (1958: 67-8). As massas desprovidas de direitos se tornaram a nova clientela da democracia, que passou a exigir o voto plural (sufrágio universal), e que fosse transmitido as mulheres, homens, idosos, trabalhadores sem posses, desempregados, minorias étnicas e religiosas, estrangeiros, um voto a cada um (século XX).

O conceito de democracia como valor positivo, passaria a ser entendido, desde o livro Contrato Social de Jean Jacques Rousseau (1973, p. 38), como um regime que:
“defenda e proteja a pessoa e os bens de cada associado com toda a força comum, e pelo qual cada um, unindo-se a todos, só obedeça contudo a si mesmo, permanecendo assim tão livre como antes.”

Ao menos foi assim concebido em sonho por Rousseau, um ingênuo que acreditava que o estado de natureza do homem era de bondade, e que a disputa pelos bens os tornava maus, diferente de Hobbes, que descreveu o Homem como o lobo do Homem, e que o Estado natural desses seria de guerra de todos contra todos. O quê, diante das disputas entre fortalecimento do Estado em oposição às liberdades dos indivíduos, gerou o paradigma liberal, presente como distúrbio dentro das repúblicas ditas democráticas, que não se efetivam por conta justamente desta contradição.

O poder do Estado estaria no contrato social que nasceria da evolução do conceito de soberania popular, e distribuído entre todos e para todos, que seriam governados por delegação a um, que agiria pelo bem comum, e ainda dado este poder ao governante, pretendiam não perder suas liberdades.

Sendo essa a grande contradição do conceito de democracia moderna. Pois, ao eleger os governantes e dotar-lhes de direito exclusivo de uso da força (WEBER), direito transferido para a defesa dos (bons) cidadãos, estariam os eleitores abrindo mão da autodeterminação, submetendo-se às decisões dos Estados, que por sua vez passaria com o tempo a interferir demasiadamente na vida privada, ao passo que os governos não cumprem suas partes no acordo.

As repúblicas democráticas, suas constituições, surgiriam da noção de contratos sociais para proteger os cidadãos e lhes garantir segurança prometida pelos Estados em troca de abrirem mão de certas liberdades. Diante disso, esse contrato vem sendo efetivado? Aliás, vocês estavam lá quando alguém assinou esse contrato em nosso nome?

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