Contribuição para uma nova visão marxista do direito
Esse texto é a ultima parte – adaptada – do artigo "Direito e Marxismo: um encontro necessário", que elaborei com o escopo de iniciar um debate para atualizar a visão marxista acerca do direito.
Publicado 05/05/2010 20:03
Face ao tamanho do artigo não é possível sua publicação nesta coluna, mas quem desejar ter acesso ao artigo completo, basta entrar em contato comigo por e-mail que terei o maior prazer de remetê-lo.
A visão mais difundida no meio marxista acerca do direito é a que – por ser ele parte da superestrutura – o toma como mero reflexo das relações econômicas da sociedade. O modo produção da vida material condiciona a vida social e política, é, em última instância, o determinante absoluto do direito.
Entretanto, um dos próprios fundadores do marxismo nos alertou para esse erro. Engels foi enfático ao dizer que "A situação econômica é a base, mas os diversos fatores da superestrutura que sobre ela se levantam – as formas políticas e a luta de classes e seus resultados, as Constituições que, depois ganha uma batalha, a classe triunfante redige, etc., as formas jurídicas, e inclusive os reflexos de todas essas lutas reais no cérebro dos participantes, as teorias políticas, jurídicas, filosóficas, as ideias religiosas e o desenvolvimento ulterior destas até convertê-las em um sistema de dogmas – exercem também sua influência sobre o curso das lutas históricas e determinam, predominantemente em muitos casos, sua forma" ("Fios de Ariadne – Ensaios de interpretação marxista", Editora UPF, p.36).
O marxismo não é um materialismo mecânico, que entende que a consciência social fica reduzida às condições econômicas. Ao contrário, o marxismo é uma teoria viva e vale lembrar que já se passou o período de dogmas, receitas e manuais que tanto prejudicaram a evolução do nosso pensamento. O marxismo não pode enxergar o direito, simplesmente, como a lei – a forma jurídica. Esse é apenas o fenômeno, nós precisamos ir mais longe, devemos buscar a essência do direito, que tem relação direta com as relações sociais.
Em sua complexidade, fenômeno jurídico possui três dimensões fundamentais, quais sejam: a ciência jurídica – o ordenamento posto – a lei; a sociologia jurídica – os fatos sociais que o geram; e a filosofia jurídica – os valores sociais que lhes dão suporte. Cabe salientar que essas três dimensões não são estanques, havendo uma interpenetração entre as mesmas. Essas três dimensões formam o todo do fenômeno jurídico.
Toda ordem social pressupõe relações humanas. Para consolidação de determinada ordem, essas relações devem ser planejadas e devem possuir certa continuidade. Como e por quem serão planejadas dependerá do sistema social e político dessa sociedade. O direito faz a mediação entre as relações sociais e os objetivos da sociedade. Essa mediação tem por fulcro consolidar valores numa sociedade especifica. Esses valores, por sua vez, são historicamente determinados pelas próprias relações sociais. E essas relações têm seus limites impostos pelo grau de desenvolvimento das forças produtivas.
Sendo o direito um fenômeno social, ele não existe por si. Ao contrário, é obra dos seres humanos organizados em sociedade. Isso é fundamental para nossa compreensão. O direito não é algo acima da sociedade, mas é o resultado da relação entre os seres humanos.
Apresentei em meu artigo "Direito e Marxismo: um encontro necessário" os elementos que entendo que devem ser levados em conta para uma real apreensão do direito, quais sejam: a) a infra-estrutura ou base econômica, na qual incluo o grau de desenvolvimento das forças produtivas – em nível internacional e nacional; b) as instituições políticas – que compreendem Executivo, Legislativo, Judiciário, funções essenciais à Justiça, etc.; c) as instituições sociais – que abrangem as entidades sindicais, estudantis, comunitárias, enfim, os movimentos sociais em geral e a mídia; e, d) o grau de desenvolvimento da luta de classes, tanto internacional como nacional.
Além desses elementos, precisamos romper com a visão dogmática que o marxismo tem sobre o direito. Não é de hoje que um grande número de juristas progressistas defende essa opinião. Em sua obra Fabio Coelho questiona essa visão dogmática por parte dos marxistas. Diz ele:
Essa equação reducionista, esse economicismo, é uma deturpação simplificadora do marxismo marxista O modo de produção existente em uma sociedade é a sua base real no sentido de que condiciona as demais relações sociais. Não as determina, por certo; apenas a condiciona. As manifestações do espírito humano possuem o que se costuma chamar de relativa autonomia, de uma lógica interna que não se consegue entender apenas com o reporte às condições materiais da vida social". (Coelho, 2005: 08).
Mais adiante, Coelho diz:
Pela redução voluntarista, o Direito é visto como mera expressão dos interesses da classe dominante. Ignora -se, nessa perspectiva, o papel que as classes dominadas desempenham na história e a própria dinâmica da luta de classes. O Direito acompanha, com maior ou menor proximidade, os movimentos dessa luta. As concessões localizadas da burguesia e os avanços e as conquistas do proletariado estão presentes no condicionamento da produção normativa. Além disso, a classe dominante possui suas segmentações, seus projetos diferenciados, que compõem uma complexa rede de interesses, impossível de ser sintetizada na idéia de um Direito que atenda exclusivamente aos de uma classe social apenas. (Coelho: 2005, 8-9).
Na verdade achar que o direito é uma mera imposição das classes dominantes é desconsiderar o papel do proletariado e dos excluídos na luta de classes. Entre desejo da classe dominante e a imposição há um grande caminho a ser percorrido, que é o caminho da luta de classes. Dependendo do grau da organização da classe operária, bem como da correlação de forças em dado momento dessa luta, o resultado penderá para um ou outro lado. E mesmo dentro da classe dominante há frações de classes com interesses diferentes. Por isso é equivocado dizer que o direito é mero fruto da vontade das elites.