Conversa de rua

*

 E então, como foi o ano que está se acabando?
– Nem vi passar!
-Ora, mas foram os mesmos 365 dias de sempre, com tantas semanas e os doze meses…
-É verdade. Pensando bem, eu é que me distraí.
– O amigo não se deu conta de que o Brasil vai sediar a copa do mundo de futebol?
– Bem lembrado, pode ser a salvação da lavoura.
– Que lavoura?
– A da pouca vergonha. Você então acredita que esta copa vai mudar o país? Vai é promover as milícias, a guerra do tráfico, a corrupção das polícias, dos políticos e dos cartolas.
– Não seja pessimista, rapaz. O país nunca esteve tão bem. Na hora do vamos ver, governo, traficantes, milícias et caterva vão se entender. Declarar um armistício para os jogos. Os turistas vão andar monitorados com câmaras e escolta. Aliás, precisam de tempo para ver a paisagem,os jogos e praticar os exercícios sexuais. Afinal boa carne aqui abunda. E a turminha da pipoca nos morros vai torcer pra seleção canarinho bebericando a cervejinha. Esse povo também trabalha duro. Não é sopa não.
– Aí começamos a nos entender. Quer dizer que nem tudo vai mal, como quer a turma do cada vez pior?
– O que eu vi, tirando minha distração, é que pra muita gente vai bem até demais. Olha só a cara dos que ontem, candidatos, proclamavam suas virtudes à cata de votos. A maioria tem se destacado no cenário político. Escândalos, roubos, palavrões. Vão botando em público, na televisão, ou gravando em fitas, discos e outras mídias aquilo que até mesmo os piores ladrões faziam escondido.
– Mas tem gente boa.
– Me dá três nomes que eu me calo.
– Bem, tem o…, o…, o…, como é que chama mesmo o tal?…
– Tomou papudo. A lama é uma só. Tenho dó de eleitor e de torcedor de futebol. O eleitor porque já está desenganado, ou então virou cínico. Vota por votar, porque é obrigado. Vai apenas ratificar a safadeza cozinhada nos cardápios dos partidos. Aliás, falar em partidos, os daqui só nas siglas. O resto é tudo comendo no mesmo cocho, as burras da viúva e o suor dos incautos.
– Epa! Não exagera!
– E tem mais. Torcedor de futebol é de dar lástimas. Uns fazem as tais torcidas organizadas. Sobre as tais nem quero falar. Outros vão aos estádios, aplaudem aqueles que a cartolagem põe pra correr e a mídia incensa de encomenda. Depois de levar umas cacetadas da torcida rival, uns empurrões da polícia, volta pra casa satisfeito, pensando que assistiu a um espetáculo de pura competição esportiva. Coitado! Como dizia aquela personagem. Serviu mesmo foi pra empanturrar os comerciantes do esporte.
– Já vi que você não entende o sentimento do povo. O amor que se tem pelo time do coração. O orgulho de ser brasileiro e ter o melhor futebol do mundo.
– Bem que eu não queria começar esta conversa. Não quero que o amigo fique chateado. Vamos tomar um cafezinho. Afinal, o ano já está se acabando. Faz tempo que a gente não se fala.
– Agradeço, vamos deixar pra outra hora. Quem sabe no próximo ano. Até outro dia.
– É. Quem sabe… Até mais ver.

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