CUT: fantasma do hegemonismo (2)
Desde a sua fundação, em agosto de 1983, a CUT carrega o estigma de ser uma central partidarizada. No início da sua trajetória, ela serviu explicitamente ao projeto de um partido político, o PT, para reforçar sua inserç&a
Publicado 09/06/2006 19:05
Mas com o passar do tempo ela se consolidou como a principal referência do sindicalismo em decorrência da sua combatividade na oposição à ditadura militar e na resistência à ofensiva neoliberal. A CUT se tornou o veio natural para a unidade dos trabalhadores, galgando maior representatividade e legitimidade e o título de maior central do Brasil e uma das maiores do mundo.
Fruto desta dinâmica, outras forças, não petistas, ingressaram na central, garantindo-lhe um caráter mais plural. O ponto alto desta inflexão ocorreu com a entrada da Corrente Sindical Classista (CSC), em 1991. Este avanço, porém, não fez com que desaparecessem as críticas ao hegemonismo na CUT, em especial às práticas da corrente majoritária, a Artsind. São comuns as queixas contra a ausência de transparência na utilização dos recursos da central, o que faz inclusive com que muitas entidades resistam a pagar as mensalidades para “não alimentar cobra”. Também persistem as críticas ao desrespeito das decisões das suas instâncias e aos privilégios concedidos aos dirigentes da força majoritária para viabilizar sua ação.
Sinais de retrocessos
Apesar destas limitações, a CUT sempre foi vista como a central mais democrática do país. No processo de preparação do 9o Concut, entretanto, surgiram fatos lamentáveis que colocam em perigo a pluralidade e a democracia interna. O mais escancarado ocorreu na Bahia, onde a Articulação subverteu a realidade para conquistar a presidência da seção estadual – a segunda maior do país. Há consenso de que a CSC dirige os principais sindicatos do estado e que deu vitalidade à central desde a sua chegada à presidência. Mesmo assim, a Artsind forjou uma maioria artificial no congresso estadual, tendo como base sindicatos recém criados da agricultura familiar, para empolgar a direção cutista com apenas 22 votos de diferença.
Segundo Everaldo Augusto, ex-presidente da CUT-BA, esta foi a terceira vez consecutiva que a Artsind tentou manipular os resultados do congresso estadual. “As tentativas anteriores não tiveram sucesso e as evidências levaram ao reconhecimento da CSC como a força vitoriosa. Mas desta vez a direção nacional, também hegemonizada pela Artsind, validou o golpe”. Prova da manipulação se deu com o veto político à cerca de 70 entidades dirigidas pela CSC. A tesouraria nacional não reconheceu a sua situação financeira, mas garantiu a participação das vinculadas à Artsind, inclusive várias sem a comprovação do pagamento das dívidas. “Isto revela o caráter exclusivista e autoritário da Artsind, que fere a democracia da CUT”.
No mesmo rumo, o coordenador nacional da CSC, João Batista Lemos, condenou este e outros fatos, que indicariam uma nova guinada hegemonista na central. Conforme opinou, numa conjuntura política que exige maior unidade para “barrar o retrocesso da direita e avançar nas mudanças”, a CUT patina na briga aparelhista. “Episódios relevantes indicam que a força majoritária não está convencida da necessidade de respeitar o caráter plural da central e as normas democráticas de convivência entre as diferentes correntes, agindo de forma a transformar a entidade numa correia de transmissão de uma organização política, o que pode comprometer a unidade, a luta em defesa dos interesses dos trabalhadores e a autonomia sindical”.
Divisão na Artsind
Esta recaída hegemonista também seria o principal motivo do profundo e inédito racha na própria Artsind. Desde o 8o Concut, em julho de 2003, quando Luiz Marinho tornou-se presidente da central com a ajuda indevida do Palácio do Planalto, agravaram-se os conflitos no interior da corrente majoritária. Resolvidas sempre nos bastidores, estas divergências agora se explicitaram com a apresentação de duas candidaturas da Artsind à presidência da central: João Felício, atual presidente, e Arthur Henrique, secretário-geral, que conta com o apoio do Ministério do Trabalho – como revelou o jornal Valor. Os apoiadores do primeiro não escondem mais suas corrosivas críticas ao “sectarismo e à truculência” dos defensores do segundo.
Alguns inclusive confessam que sentem hoje na carne o que sofreram as correntes minoritárias da central. Acusam o bloco adversário, que possui maior força nos ramos metalúrgico e bancário, de tentar “seduzir” seus apoiadores, de sabotar suas atividades e até de esconder a situação financeira da CUT – já que detém a sua tesouraria nacional. Afirmam também que o bloco “oficial” tem uma trajetória mais excludente, ao contrário deste setor que teria a sua principal base nos ramos da educação e dos petroleiros – categorias mais radicalizadas e acostumadas ao pluralismo no interior de suas entidades. A divisão na Artsind não é retórica. Ela está expressa nos adesivos e cartazes que defendem uma ou outra candidatura!
Como afirma o jornalista Umberto Martins, “não se sabe se o racha da Artsind sobreviverá até o final do 9o Concut. Mas são fortes os indícios de que as divergências subjacentes à briga pela presidência não vão desaparecer tão cedo. Elas podem mesmo ter desdobramentos sérios a médio prazo, pois têm motivações políticas profundas. Como candidato, João Felício lançou uma plataforma preconizando mudanças para acentuar a autonomia da CUT frente ao governo e aos partidos, combater o burocratismo e propiciar maior democracia interna. Se a direção eleita no 9o Concut caminhar nesta direção será um avanço”.
Na sua consistente argumentação, “a democracia interna é indispensável para cimentar uma unidade mais sólida entre as correntes que atuam na central e para impedir maior fragmentação. Para alcançá-la será preciso superar a cultura hegemonista cultivada ao longo dos últimos anos pela força majoritária, bem como garantir a descentralização e conferir transparência na gestão financeira, controle das finanças estaduais e prestação regular de contas. O bom encaminhamento de tudo isto dependerá em larga medida da mudança de mentalidade, métodos de direção e concepções que o 9o Concut pode (ou não) propiciar”.