De Ardi a Gisele Bündchen, tudo se transforma

Cientistas descobriram um ancestral dos humanos atuais de 4,4 milhões de anos. O Ardipithecus ramidus (Ardi, para os íntimos – o nome significa “raiz dos macacos terrestres”), uma fêmea, vivia onde hoje é a Etiópia 1 milhão de anos antes do nascimento de Lucy (antes o mais antigo esqueleto de ancestral humano).

Aquilo deu nisso: Ardi e sua 22.000ª neta, Gisele

Segundo o antropólogo C. Owen Lovejoy, da Universidade Estadual de Kent, a nova descoberta fornece evidências de que os chimpanzés e os humanos evoluíram de um ancestral comum, há muito tempo. Em A grande história da evolução, escrito em 2004, Richard Dawkins alertava que “a competição para encontrar ancestrais humanos significa que novas descobertas fósseis são apregoadas como pertencentes à ‘principal’ linhagem humana sempre que houver uma remota possibilidade de isso ser verdade. Porém, à medida que a terra nos entrega cada vez mais fósseis, está ficando claro que, durante boa parte da história dos hominídeos, a África abrigou simultaneamente várias espécies dessa família. Isso só pode significar que muitas espécies fósseis hoje consideradas ancestrais do homem foram, na verdade, nossas primas”.

No caso de Ardi, ela desbancou Lucy, uma Australopithecus afarensis, forte concorrente a ancestral humana com 3,2 milhões de anos. Tim White, diretor do Centro de Evolução Humana da Universidade da Califórnia, em Berkeley, não considera Ardi um ancestral comum entre os humanos e macacos de hoje, "mas é o mais próximo que chegamos. No Ardipithecus temos uma forma não especializada que não evoluiu muito em direção aos Australopithecus. Então, quando você olha da cabeça aos pés, você vê uma criatura que não é nem chimpanzé, nem é humano. É Ardipithecus".

Ardi vivia nas florestas e podia subir em árvores. Seus braços e pernas indicam que ela não passava muito tempo nas árvores e podia andar sobre duas pernas, quando no chão. David Pilbeam, curador de paleoantropologia do Museu de Arqueologia e Etnologia de Harvard, tem-na como “um gênero possivelmente ancestral dos Australopithecus – que eram ancestrais do nosso gênero Homo".

Com 4,4 milhões de anos, Ardi tem caninos superiores mais parecidos com os pequenos e grossos dentes de humanos modernos do que com os grandes e afiados caninos de chimpanzés machos. Possui focinho saliente, mas não tão para a frente como os focinhos dos macacos modernos. O cérebro é posicionado de maneira semelhante ao dos humanos modernos. Suas mãos e punhos misturam características primitivas e modernas. As palmas das mãos e os dedos relativamente curtos, flexíveis, aguentavam o peso do próprio corpo enquanto se movia por entre as árvores. A pelve e o quadril indicam que os músculos dos glúteos permitiam a ela andar em pé. Seus pés são rígidos o suficiente para caminhar. E o bipedalismo separa drasticamente os humanos dos demais mamíferos. Mas o ancestral comum (Dawkins chama concestral) a humanos e macacos teria vivido há cerca de 6 milhões ou 7 milhões de anos.

Em seu livro, para fazer uma projeção de ancestralidade, Dawkins estabelece um cálculo matemático considerando a existência de quatro gerações por século (levando em conta a reprodução aos 25 anos). Com isso, o nosso ancestral comum (concestral) com chimpanzé seria nosso 250.000º avô, isso entre 5 milhões e 7 milhões de anos atrás. Arrisco inferir, portanto, que Ardi é a 220.000ª ou 200.000ª avó dos humanos atuais, contemporâneos da Gisele Bündchen, para citar um exemplo do mesmo sexo da vovó Ardipithecus ramidus. Um exemplo gritante de como é maravilhosa, esplendorosa, a natureza no seu processo evolutivo. Como seres vivos enfrentaram, contornaram, resolveram dificuldades as mais variadas para vivos continuarem e reproduzirem a espécie. E continuam enfrentando, contornando e resolvendo – a evolução não parou.

Mas nós, humanos, depois que começamos a filosofar, nos enrolamos com muitos paradoxos. A senadora Marina Lima (PV-AC), por exemplo, traz em sua atuação política a marca da defesa da natureza, da cobrança de que o desenvolvimento econômico das sociedades humanas não destrua irremediavelmente o habitat terrestre. Uma devota da natureza, enfim. No entanto, prefere acreditar que descende de uma mulher moldada a partir da costela de um homem entediado. Um Adão que vivia no paraíso e que pediu uma companheira ao seu criador, um deus vingativo, vaidoso, emocionalmente inconstante e que adorava ser idolatrado. Sim, Marina e a esmagadora maioria da humanidade atual são criacionistas. Preferem Eva a Adir. No entanto, parodiando Galileu Galilei, a evolução se move. Aí estão Ardi e Gisele que não me deixam mentir.

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