De Hugo Chávez e Corinthians

Foi um típico domingo “daqueles”. Ao norte um projeto audacioso de transformação social pode estar sofrendo o início de seu desmoronamento e ao sul a queda de um dos maiores e mais populares clubes do mundo à Série B marcou a síntese de uma dialética anun

Surgiu frustração e ponta de dor. Nada que perdure, na medida em que história acaba nos servindo de luz e inspiração para que dias melhores venham. Que a história sirva também para acúmulo de experiência e malandragem no bom sentido que guarda o termo.


 



Classe média e revolução


 


 


Lógico que a derrota de Chávez no referendo guarda mais profundidade. Apesar de não ser um especialista em Venezuela, de um tempo para cá tenho visto com muita preocupação (não a preocupação política de quem sabe que o jogo está ganho, que o povo está do nosso lado) a capacidade de o imperialismo se rearrumar em meio a algum escombro e utilizar atitudes partidas de gente nossa para sair à dianteira. Refiro-me às palavras desferidas pelo rei fascistóide da Espanha e seu alcance e ampla utilização.


 


 


Achei um golpe razoável recebido por Chávez e é interessante que naquela semana intensificou-se a propaganda contra o “sim” ao referendo de domingo. O mundo inteiro e as classes dominantes da Venezuela ganharam fôlego com a atitude arrogante do monarca fascista. De nosso lado, Chávez respondia com ameaças que, dada a correlação de forças cada vez mais desfavorável, serviam puramente ao seu isolamento interno e externo. Digo isolamento interno, pois apesar de ser correta sua atitude de indicar ao povo quem é o inimigo principal e as formas de atuação de tal, a impressão que se passa é que nosso comandante venezuelano aposta numa polarização, enquanto perde a classe média para o imperialismo.


 


 


Lênin é genial, como sempre, ao colocar a revolução, entre outras coisas, como um ato de conquista da classe média. E como o povo pensa o que a classe dominante manda – e partindo desta opinião pessoal sobre a necessidade de conquistar a classe média venezuelana (ao verificarmos todos os referendos e eleições pelas quais passou Chávez) – perceberemos uma queda em sua aceitação e índices de eleição a eleição, de referendo a referendo. Numa visão superficial e particular isso se explica, em grande parte por um afunilamento da correlação de forças interna, com respostas – de nosso lado – a tal correlação, nem sempre satisfatórias. Menosprezar a força do inimigo, mesmo diante de uma situação de fragorosa derrota dele, como o ocorrido em abril de 2002, não é algo prudente.


 


 


Agora que a classe média venezuelana é reacionária não é nenhuma novidade, mas será que existem créditos bancários desburocratizados destinados a esse seguimento? Estão sendo tratados como inimigos ou como parcela da sociedade a ser conquistada politicamente?


 



Perguntas de um militante que lê


 


Porém, ainda falta uma análise mais de fundo acerca do que significa a derrota de nosso comandante venezuelano no último referendo. Uma análise sem voluntarismo típicos da esquerda brasileira e latino-americana quando o assunto é Chávez.


 


Tem certas perguntas que merecem respostas mais sérias como a explicação do alto nível de abstenção registrado, o que significa explicar o por que de o povo não ter descido em massa para votar no “sim”, ou seja: qual nível de politização – no seio do povo – logrado por Chávez e sua revolução? Até aonde vai o poder de fogo tanto da esquerda nacionalista quanto do imperialismo na Venezuela? Foi necessário o início de uma ofensiva, nem que tenha ocorrido no campo da semântica, contra a propriedade privada num país em que milhares de trabalhadores rurais desejam no fundo é ser pequenos proprietários? Qual o estágio da contradição entre forças produtivas e relações de produção que fizesse necessário um salto qualitativo maior na superestrutura do país, já transformada com a ascensão de Chávez em 2000? Já era necessária implementação do que se convencionou chamar de “socialismo do século 21”? A subjetividade da nação está (ou estava) preparada para este salto tão rapidamente? Uma NEP à venezuelana não seria cabível tendo em vista a existência de mais de 70% da população abaixo do nível da pobreza e com uma economia informal em Caracas capaz de transformar as feiras babilônicas em protótipos de vilas comerciais?


 


São respostas que os especialistas da esquerda no assunto ainda não foram, a meu ver, capazes de serem minimamente convincentes. Em muitos casos existe muito mais interesse nos petrodólares advindos para pesquisas (leia-se para “propaganda barata”, tipo “Jornadas Bolivarianas” da UFSC) sobre a Revolução Bolivariana do que uma análise que nos ajude aqui no Brasil a entender o fenômeno. Abrindo parêntese, na universidade brasileira, de repente, num estalo de pobreza teórica ao estilo dependentista do tipo Ruy Mauro Marini, a América Latina transformou-se em “uma coisa só” e de zapatistas tornamo-nos bolivarianos e o que virá a partir de agora é “revolução permanente”. Estratégia e tática unidas por uma linha, decadência do poderio norte-americano etc. Partindo de tais constatações, cabe outra pergunta: isso (elaborações “marcianas”, sem nexo com a realidade) ajuda o desenvolvimento de nosso movimento ou ajuda a reproduzir a máxima que relaciona a esquerda latino-americana com tragédias políticas, como a fabricação de “barcas furadas” de tipo Sendero Luminoso e outras guerrilhas pré-falimentares?


 


A realidade às vezes parece mais dura do que imaginamos e queremos. Enquanto isso cabe continuar a nós sermos aliados e militantes da causa empunhada por Chávez. Pois, a causa dele também é nossa.


 



Corinthians: problema da parceria?


 


O leitor mais politizado, ou politizado até demais, pode-se perguntar o que tem a ver a derrota de Chávez num referendo com a queda do Corinthians à Série B. Afinal se Chávez é algo a ver com a causa maior da humanidade, o Corinthians é mais um desses “ópios do povo”, uma racionalidade que não resiste a cinco minutos de razão. Respondo que existem similaridades. O futebol é uma grande paixão nacional. Acima disso, já se transformou em expressão do espírito do povo e de nossa formação social. Impossível não relacionar um drible desconcertante surgido em um momento em que tudo conspira contra nosso atacante com a capacidade do povo brasileiro “se virar” em situações adversas. Assim como a forma que os alemães jogam futebol ser similar à forma positivista e cartesiana deles enxergarem o mundo.


 


Mas o que dizer do Corinthians, meu clube de coração a quem não tenho vergonha de declarar meu fanatismo e lealdade eterna? O que aconteceu? Apesar de verdadeira não tem poder de explicação jogar toda a culpa na parceria com a MSI, como algo afora de uma história de decadência e atraso que já dura mais quase 60 anos e que encontra similaridade, também, com a capacidade de o povo e sua propriedade ser sempre vítima de roubo, dilapidação e pilhagem.


 


Em muitas ocasiões percebe-se o anticorinthianismo como a outra face da moeda do anticomunismo, significando em outras palavras o ódio ao povo. Isso é latente quando muitos relacionam o Corinthians com a pobreza, a favela, as rebeliões carcerárias e o nordestino pobre e sem dente. Isso é latente também quando se escuta pérolas como a que, “torci para o Corinthians cair porque o título de 2005 foi roubado”. Meu Deus, alguém explique, por exemplo, os bastidores dos títulos brasileiros do São Paulo em 1977 e 1986, o título do Flamengo em 1980, o Botafogo em 1995 e a história da parceria Palmeiras-Parmalat e os seus suspeitos resultados e efeitos suspensivos em cascata. Isso sem falar que a história da construção do Estádio do Morumbi ainda não foi contada e que com certeza a “ética são-paulina” não resistiria a uma CPI que possivelmente comprovaria desvio de verbas públicas à construção do referido estádio, afinal o próprio projeto inicial do estádio era para a construção de um estádio público, um chamado “Paulistão”. Ou Laudo Natel, escroque, banqueiro e ex-diretor financeiro e presidente do São Paulo não foi governador do Estado entre os anos de 1966/67, em meio à construção do Morumbi e também entre 1971/75?


 


A idéia aqui não é esculhambar com a história de nenhum clube e sim demonstrar que em matéria de picaretagem, inclusive com dinheiro público (repetindo, vide São Paulo e a construção do Morumbi), nenhum clube tem condições de dar grandes lições de moral ao Corinthians. A grande diferença é que a picaretagem no Corinthians foi feita com muitos alardes e em outros casos, e clubes, sem a menor percepção do público, com exceção do caso de um dirigente famoso, se não me engano Eurico Miranda, ter levado o montante da renda de um determinado jogo para casa.


 


Alberto Dualib é aprendiz de feiticeiro perto de gente do nível de Laudo Natel e outros. A diferença é que um ainda está na escola e o outro foi profissional. Logo, a parceria Corinthians/MSI é somente a ponta de um iceberg e não a causa do todo. Mas, quem deu corda para ser bode expiatório foi o Corinthians. Paguemos o alto preço. 


 



Triste história recente


 


Um jornalista da Folha, não me lembro seu nome, acabou que por matar a charada que envolve a queda do Corinthians, para ele e em suas palavras, a queda do Corinthians é expressão da “derrota da Fiel”. Olhando em perspectiva histórica isso é muito verdadeiro, pois se o Corinthians, desde 1910, sempre foi marcado por “céus” e “infernos”, nenhum desses infernos fora capaz, inclusive os vividos entre 1955 e 1977, de derrotar sua torcida, que ao contrário, foi a única que cresceu em momentos de longa estiagem de títulos ao contrário de times como o Palmeiras, Santos, Fluminense e o Botafogo e até o Flamengo cuja torcida, mantém pequena distancia de vantagem sobre a do Corinthians, distancia esta que já foi muito maior na década de 1980 e tende e acabar, caso um dia o Corinthians encontre seu caminho.


 


O Sport Club Corinthians Paulista é o primeiro caso na história do futebol brasileiro de um clube fundado e gerido por operários vir a se tornar grande e viável. Entre 1910 e 1957, o Corinthians já acumulava o maior número de títulos e patrimônio entre os grandes do futebol brasileiro, algo somente equiparado na época pelo Vasco da Gama. Sua torcida somente foi superada pela do Flamengo na década de 1960, década esta – para o Corinthians – já marcada por sua apropriação ora por Wadih Helu, ora por Vicente Matheus, exemplos claros de como não se deve administrar um clube. Para termos uma idéia, Matheus, de forma alternada, esteve a frente do Corinthians por 17 anos e nesse ínterim foi campeão paulista por três vezes (1977,1979 e 1988) e uma vez brasileiro (1990).


 


Para se ter uma idéia da tragédia que foi Vicente Matheus, entre 1910 e 1954 havíamos vencido o Campeonato Paulista por 14 vezes e o Torneio Rio-SP por três. Isso sem falar de outras histórias que poderiam colocar em xeque sua fleuma de “corinthiano acima de qualquer coisa”, uma delas envolvem inclusive a compra de arbítrios para prejudicar o clube (então administrado por seu inimigo Wadih Helu) entre os anos de 1969 e 1971. Sobre Wadih Helu não cabem maiores comentários, simplesmente horrível: ele foi capaz de levantar dinheiro suficiente para construir três estádios Beira-Rio na década de 1960 (onde foi parar esse dinheiro???), porém em pleno século XXI contamos com um estádio (Fazendinha) inaugurado em 1928. Vergonhoso, pois o maior clube do maior centro financeiro do hemisfério sul do mundo (São Paulo, a maior cidade do país do futebol) não ter um estádio…


 


Enquanto isso, outros clubes como o São Paulo, Flamengo, Vasco, Cruzeiro, Grêmio, Internacional e outros despontavam como papões de títulos e construtores de estádios como o Olímpico e o Beira-Rio. O Corinthians passou a viver de estigmas como o “time da raça”, estigma este que de um tempo para cá muito pouco passou a resolver concretamente.


 



Retornando, momento de luz como a “Democracia Corinthiana” chafurdou com a pretensão política de gente como Adilson Monteiro Alves, responsável por levar os jogadores a uma festa para fins políticos um dia antes do primeiro jogo da semifinal do Brasileiro de 1984 contra o Fluminense, ocasião esta em que fomos derrotados fragorosamente por um adversário muito inferior tecnicamente.


 


 


Outro momento de esperança surgiu no final da década de 1990, após o fim da parceria com o Banco Excel Econômico (em que o Corinthians tornou-se uma lavanderia de dinheiro cuja origem somente ACM em seu túmulo e uma CPI dos bancos poderia explicar) e com avinda de investidores norte-americanos de um fundo de investimentos chamada HMTF. Conseguimos dois títulos brasileiros (1998 e 1999), três paulistas (1999, 2001 e 2003) e montou-se o melhor time do mundo consagrado pela conquista do primeiro Mundial de Clubes da FIFA em 2000. Agora, não há parceria que resista às necessárias “comissões” para a neta do presidente e outros que viviam do clube. O fim da história todos sabem: MSI, máfia russa etc etc etc.


 


Resumindo a ópera: o desastre do último domingo foi a síntese de uma dialética anunciada e construída em mais de 50 anos de pilhagem e utilização indevida do patrimônio do povo. Que a máxima que relaciona crise com superação incida sobre o Corinthians. Que o saldo de um clube que começou com 11 camisas e uma bola e conta hoje com 30 milhões de torcedores volte a crescer e que uma boa parcela de nosso sofrido povo tenha motivo para voltar a sorrir, afinal como o “mais brasileiro dos clubes brasileiros”, muita responsabilidade cabe ao Corinthians na conformação da subjetividade de nossa nação.

As opiniões expostas neste artigo não refletem necessariamente a opinião do Portal Vermelho
Autor