Dèja vu

Ruas e calçadas calejadas. As árvores cascudas e negras de fuligem e petróleo, resistem ao cimento que encobre suas raízes. As folhas que, ora voam com o vento outonal, ora com os carros velozes da avenida, não são apenas as folhas dessa estação, têm alma milenar. São árvores de uma provável floresta que tomava conta do paraíso [o bairro] e que agora, prestando atenção às suas calçadas rachadas e sujas de papel e plástico, tão pisadas que são pelos pés dos transeuntes [sempre agitados] indo para não sei onde e vindo para não sei o que e também não são apenas as pisadas do dia de hoje, mas as de dezenas, centenas de anos. Eu mesma passei por alí desde anos atrás. Não sei o que percebi ou o que senti, que sapatos usei, ou quais eram os detalhes, cores e cheiros daquela avenida [a Paulista] há tantos anos. Isso na verdade nem importa. Esse tempo é pequeno para grandes transformações. Hoje, numa fração de segundos, me senti também calejada ao passar por ali. E esse intervalo de tempo pareceu estar parado. Os sons da rua se calaram, e como se estivesse dormindo e acabado de acordar, tive um déjà vu. Por um instante, as marcas invisíveis das milhares de pegadas de gente na calçada, das folhas que todo ano caem mortas, perturbaram meu coração. Onde estive esse tempo todo? Que sonhos eu tive naquele dia ensolarado, ou chuvoso, em que deixei minha pegada alí? Moça de cabelos longos encaracolados, certa vez de barriga grávida, outra, de riso grande de satisfação por ter visto um filme engraçado, ou por ter tomado uma sopa que vem dentro do pão italiano, lá no Café França; ou comer um Mac Donald´s [empurrada] só prá fazer companhia às crianças; comer um bauru no Ponto Chic com um namorado, um doce, ou entrar na papelaria e comprar canetinhas coloridas, trocar o óculos na fotótica; ver os fogos na passagem do ano em que a viagem à praia gorou; manifestações de solidariedade pela paz; manifestações contra a guerra; pelo time que foi campeão; pela obra de arte roubada; ah! Tanta coisa se faz e fiz por ali. Que tanta coisa se faz e fiz esses anos todos? Tudo que se faça e fiz, é apenas uma migalha de tranformação que o tempo exige para evoluir. Não quero pensar que foi nada. Só tomando uma cerveja pra descrever um déjà vu desses!

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