Depois dos cabanos, os Carneiros…

Os irmãos Francisco e Antônio Carneiro Machado Rios, a exemplo dos cabanos, mostram um perfil diverso frente a revoltas que permeam Pernambuco. O certo é que atuam como agitadores radicais. Em 1835, Antônio Carneiro, então comandante de batalhão da Guarda Nacional, insurge-se acima de todas as tensões, porque, conforme o próprio: “… de um lado, os Cabanos de novo vos acometem; de outros, os soldados oprimidos se revoltam; aqui, um partido liberticida assoma audaz, identificado com o governo; ali, as intrigas ameaçam uma guerra civil, como em Goiana; acolá, os cidadãos ficam desatendidos em suas reclamações, como em Pajaú; por toda a parte, enfim, se manifesta o desgosto…” * Registre-se que, àquela altura, os cabanos rejeitaram a anistia concedida pela Regência no governo, julgando-a indício da derrota do mesmo.

O coronel Francisco Carneiro Rios, também da Guarda Nacional, reúne tropas no Campo das Canecas, atual Pátio do Terço, e prega o manifesto aos Dignos e livres pernambucanos. O documento é entregue ao governador Francisco de Paula, e exige a remoção para Fernando de Noronha, de portugueses, “brasileiros natos e adotivos” restauradores e coniventes “com os salteadores de Panelas e Jacuípe”; o mesmo destino para os oficiais que se neguem a debelar a Guerra de Panelas; três meses de prisão na Fortaleza do Brum, para inferiores e soldados que se neguem a marchar. Ao fim das exigências, antecipam o protesto em caso de recusa por parte do governo, ao tempo em que prestam reverência a Deus e à lei, caso as exigências sejam aceitas. Não é difícil, aqui, distinguir os traços da diversidade ideológica dos Carneiro. Declarada, então, a primeira Carneirada.

O governador pede a dispersão dos sublevados. Não atendido, demite-se alegando doença. Assume em seu lugar o coronel Manoel de Carvalho Paes de Andrade, ex-presidente da Confederação do Equador, de volta após o exílio. Carvalho, hábil e duro, entrega o comando das tropas ao tenente-coronel José Joaquim Coelho. Sem derramar sangue, exibindo a superioridade de suas forças, Paes de Andrade é vitorioso. Francisco Carneiro é afastado do cargo e suspenso por um ano.

A conspiração continua. Francisco Carneiro, em dezembro de 1834, tenta sem êxito a sublevação de soldados da Guarda Nacional que participam de parada para comemorar o aniversário do imperador. Em janeiro do ano seguinte, aproveitando-se da insatisfação das tropas há três dias sem ração em Lagoa dos Gatos, bem como do atraso no pagamento dos soldos, ocorre a sublevação. Oficiais são trazidos reféns para o Recife. Os sublevados são em torno de duzentos, portando uma peça de artilharia. É a segunda Carneirada.

Antônio Carneiro, referindo-se ao governador, diz que “por ser Carvalho madeira velha”, o governo deveria ser entregue. Ao que Manoel de Carvalho Paes de Andrade responde: “Carvalho é madeira velha, mas cozinha bem um Carneiro!” Os cronistas pouco se referem a mais dois personagens, embora seja certa a aparição de dois outros Carneiro: João e Joaquim Carneiro.

O auge da insurreição se dá em 21 de janeiro. Tropas leais ao governo provocam a debandada dos insurretos. Os Carneiro escapam. O governador promete “punir tão estranho atroz atentado.”

Em março, os inquietos Carneiro, à frente de uma tropa, atacam um Batalhão da Guarda Nacional no Poço da Panela. Tentam ocupar a capital, mas não resistem à superioridade das forças legalistas. Marcham para Goiana, conseguindo ali o apoio do senhor de engenho, Manoel Cavalcanti Lins. Há combates com as tropas do governo. Outra debandada. Os Carneiro, presos, são processados acusados de separatistas. Em abril de l835, os cabanos depõem as armas.

Ora… mesmo com o fim dos confrontos, permanecem os focos de insatisfação. O estado está à mercê dos grandes proprietários, na economia e no poder político. De outro lado, a população faminta, às voltas com autoridades preocupadas com a preservação do comércio nas mãos dos marinheiros, com a monocultura da cana-de-açúcar. Há desordens e surgem grupos de cangaceiros. Ao mesmo tempo, líderes carismáticos, salvadores da alma, curandeiros de chagas.

O mameluco João Ferreira dos Santos, do sítio Pedra Bonita, Serra do Catolé, Flores, entre Pernambuco, Ceará e Paraíba, anuncia a redenção dos pobres. Homens, mulheres e crianças seguem-no. Constituem o Reino Encantado, também conhecido Reino da Pedra Bonita. Andando pelo sertão, a todos mostrando duas pedrinhas brilhantes, diz tê-las achado nas margens da lagoa onde há um encantado reino. Diz o profeta que “Quando João se casasse com Maria – Aquele Reino se desencantaria.” O local lhe fora descoberto por D. Sebastião. Lá, adianta, há duas imensas pedras iguais às torres de uma igreja; com 150 palmos de altura cada uma; uma coberta de malacacheta, daí o brilho; sob a outra, uma entrada para uma sala subterrânea; é a Casa Santa ou Santuário, cabendo mais de duzentas pessoas. São celebrados casamentos por Manoel Vieira, o frei Simão. Todos bebem o vinho encantado, extraído de frutos fermentados de jurema e manacá. A bebida tem álcool e ópio, deixa-os embriagados.

São os sebastianistas…
*Alfredo de Carvalho – As Carneiradas

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