Dois Imprevistos: a culpa é minha?

Pior é passar dias e dias remoendo a culpa de cair em coisas que teríamos como evitar.

Imprevistos acontecem na vida. A questão é como enfrentá-los, como manter a sanidade mental em situações totalmente anormais. E não ficar preso a essas desventuras por tempo quase indefinido. Culpas surgem e nos marcam.

Pegos de surpresa, procuramos em nós o que levou àquelas situações. A culpa é sempre nossa. Pensava ser só eu, mas descobri que muitos assim o fazem. Comentando com um grande amigo, desventura por que passei, relatou-me situação similar com ele ocorrida e confessou que se sentia culpado, tendo até vergonha de contar os casos em que foi ludibriado.

Fui convidado para dar a palestra inaugural do Encontro de Economistas do Agreste Pernambucano. Fiquei feliz, ainda se lembram de mim. Os jovens ainda querem me ouvir. Preparo com cuidado e dedicação.

No dia, um ex-aluno, agora professor, vem me buscar. Duas horas e meia de estrada, de bom papo, de recordações do tempo em que participávamos do Núcleo para a América Latina na Universidade Católica, ele como aluno, eu como pesquisador. A conjuntura atual, nacional e internacional, os filhos e netos, também, não escaparam às nossas conversas.

Chego com certa antecedência. Vou para o hotel. Tenho quase hora e meia para dar um passeio e me arrumar. Ficaram de me pegar às 18h45min. Estarei pronto.

Quinze minutos antes desço no elevador. Vejo que no primeiro andar há uma sala de ginástica e uma piscina. Tendo tempo, resolvo conhecer essas dependências.

Estava escuro, mas vejo a sala de musculação e saio da sala para o terraço. Uma lua linda no céu. Deslumbramento. Não vejo a piscina. Um piso de madeira, misturando tábuas e uma área negra.

Ledo engano meu. Ando e piso na área negra. Era uma lona grossa que cobria a piscina. Entro de roupa e tudo, a única que tinha levado. Arrumado com uma bela camisa Yves Saint Laurent, o sapato de tom avermelhado que havia comprado em Portugal, a calça de brim mais ajeitada que tenho. No bolso, carteira com documentos, celular e óculos. Um desastre.

Fico empapado. Todo molhado. Como só fui para o evento, não levei outra roupa, não tinha como mudar, não tinha o que usar. Tentam ajudar com secador de cabelos, mas é impossível no tempo exíguo. O desespero começa a aparecer.

O Congresso começaria 19h30min. Apavoro-me. Como não decepcionar uma platéia de mais de 150 alunos e professores que gentilmente se formaria e tiveram a delicadeza de me convidar?

A professora que ia me levar aparece. Vê minha aflição. Procura me acalmar. Avisa que a dois quarteirões há um shopping. Com ela, resolvo correr para lá.

Primeira loja que vemos. Companhia do Terno. Entramos. Peço uma camisa, uma meia e uma calça. Qualquer uma. Cueca tinha levado uma sobressalente. Peguei no quarto antes de sair do hotel. A atendente entende o desespero. Rapidamente providencia. Tento enxugar-me um pouco e visto tudo. Deu certo, acredito. Pago e vamos à luta. Ainda com os pés molhados em meu sapato internacional.

Se quiserem saber, a palestra transcorreu bem. Falei hora e meia. Ainda um pouco incomodado com a situação esdrúxula, confesso. Mas, acho, dei conta da demanda.

Estou escrevendo um texto. Toca o celular. Alguém se identifica como da segurança do Banco do Brasil. Informa que meu cartão de crédito foi clonado. Usado no Aeroporto. Paro tudo para entender. A pessoa é convincente, têm dados meus que me fazem crer ser verdade.

Continua a conversa e informa que foi bloqueado o cartão, mas tenho que fazer uma série de procedimentos. Que o sistema, através da “inteligência artificial” pedirá uma série de informações. E me passa para uma voz metálica.

Angustiado, sigo a risca todas as instruções. Pouco a pouco pede as informações de minha vida, de meu histórico, de minha família, principalmente da minha conta bancária. Chega-se ao ponto crucial, as senhas. Ingenuamente, entrego. Não para aí.  Identifica que devo digitar no teclado do telefone para a tal inteligência. Meia hora são passadas e eu entrego tudo.

Ainda dita uma carta que deve ser entregue para que a Polícia Civil tente identificar os criminosos. E diz que vai mandar um portador pegar e devo adicionar o meu cartão. Nessa hora cai a ficha. Entrei num golpe.

Ligo, urgentemente, para meu gerente bancário. Para minha felicidade ele atende na hora. Apavorado tento explicar. Tudo foi entregue. Ele, com calma, percebe do que se trata, muitos caíram no mesmo golpe, e, rapidamente, vai bloquear o cartão. Pede que recupere a tranqüilidade e vá para a Agência. Informa que está em serviço externo, mas uma colega me receberá. Corro em bermuda e chinelos, descabelado e trêmulo. Mal consigo explicar.

Sou informado que nada foi retirado, apenas terei que mudar as senhas. O susto foi muito grande. Até hoje me culpo por minha ingenuidade e falta de noção do que é o mundo cibernético atual. Terei o máximo de precaução de agora em diante, mas novas armadilhas surgirão e, infelizmente, provavelmente cairei.

Contar os causos nada divertidos não é difícil. Vivê-los é outra história.

O momento é terrível, pior é passar dias e dias remoendo a culpa de cair em coisas que teríamos como evitar.

Não culpei o hotel por não colocar um aviso explicitando que sob a lona  havia uma piscina, ou a quadrilha por usar estratagemas envolventes que desacreditam a confiança nos humanos. Inconscientemente assumi como meu o erro e que a falha, sem dúvida foi minha.

Dias a fio, fiquei me recriminando. Como se fosse um crime ver a bela lua e não se atentar para perigos que poderiam estar encobertos sob a lona ou não lembrar que no mundo atual a desconfiança é a premissa, não a boa fé. Mundo esquisito, cabeça estranha. Prefiro contar como piada o causo da piscina e tentar esquecer o da telemática.

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