É imoral, mas é legal

Juro. Pensei escrever sobre a sesta, que adoro.
Contava com o sufoco do Natal e do Ano Novo para navegar em ondas calmas. Perdi beleza.
 

As mesas diretoras da Câmara dos Deputados e do Senado, respaldadas por um decreto de 2002 autorizativo de atos como aumento de salários de parlamentares, sem passar pelo plenário, resolveu fazer valer definição constitucional equiparadora de seus salários com o de ministros do STF.


 


Não pode ser visto como o fim dos tempos que o salário de um parlamentar não seja inferior ao de um ministro do STF. É o que consta na Constituição. É também uma questão de ponto de vista – a visão que temos do lugar no qual estamos. Donde tudo é relativo.


 


 


Ministros do STF acham que ganham pouco. Ensaiaram uma pretensão de aumento, recentemente. Recuaram diante das perspectivas de “chumbo grosso vem aí”.  Erro de hora.


 


 


Foram alertados da pouca disposição do governo em conceder um aumento ao salário mínimo compatível com o conceito original: capaz de prover o trabalhador dos meios minimamente necessários para o sustento da sua família por um mês.


 


 


Pessoas cujas profissões não merecem salários compatíveis com as responsabilidades das funções que exercem estão escandalizadas, pois o aumento chegou ao patamar de 91% de uma lapada só. Não acho que parlamentares não podem ganhar bem.  Ou não merecem o mesmo que um ministro do STF. Por que não?


 


 


Defendo a opinião que salários devem ser compatíveis com as responsabilidades inerentes ao que faz cada profissão ou cargo. É um sonho, eu sei.


 


 


O nó górdio, que também é um nó ético, é que os salários de ministros do STF apresentam uma discrepância imoral em relação ao salário mínimo. Eis a comparação que todo mundo faz. Não adianta lançar mão de outros argumentos. Podemos dizer que há um país inteiro indignado com o novo salário parlamentar.


 


 


A CNBB, nos sermões de todas as paróquias no país inteiro domingo passado, deu o recado: parlamentares tiveram o direito de voto sobre seus salários usurpados pelas mesas diretoras das duas casas legislativas. Assim, acena que há parlamentares envergonhados. E que ganhar bem é um pecado. Mas não é.


 


Contra o aumento, na segunda passada, um bravo aposentado acorrentou-se a uma pilastra no salão azul do Senado e Rita de Cássia Sampaio de Souza alegou ter esfaqueado o deputado federal Antonio Carlos Magalhães Neto (PFL-BA). E as esposas de militares marcaram presença nos protestos, como sempre quando o assunto é grana.


 


 


Relembrei de uma amiga de infância, casada com um militar, que peregrinou do Oiapoque ao Chuí, mas hoje reside em Brasília. Um dia, eu a vi na TV “panelando” por melhores salários. Do marido.


 


 


Quando a encontrei, disse-me: “Pensa numa mulher que peregrinou pelos lugares mais inóspitos, abrindo mão até de sua profissão. Tudo pela pátria. Li toda literatura barata, das fotonovelas às sabrinas da vida. Como este homem, com o que ganha, não pode pagar semanalmente minha manicure? Nem falo no botox, que me faria um bem enorme?”


 


 


Tá certa. Sei que é um mofo cultural. Antigo. Mas cabe ao provedor, prover!


 


 


Quem contava que fundamentalistas dariam trégua no Natal errou. Do alto de suas ignorâncias científicas transformaram uma recém-nascida anencéfala, Marcela de Jesus, em estrela antiaborto. Tentam demonstrar que cérebro em humanos é mero detalhe. Basta um tronco encefálico, pois com ele emitimos alguns sons, comemos e eliminamos dejetos. Mi-la-grosa- men-te.


 


Para a médica Ana Regina Reis: “É uma boneca animada, um ideal masculino. A mulher que a Igreja pediu a Deus. A homenagem, com seu nome, ao padre Marcelo é mais que justa: ele se dedica, há anos, a de-cerebrar pessoas”.

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