El Caracazo

Um painel de situações afins, mas de circunstâncias diferentes. Os personagens, ainda que filhos do mesmo tronco histórico, não têm o mesmo olhar para a árvore que os gerou. Une-os o propósito de mudança social, dividem-se entre si, nos conflitos familiares, interpessoais. São atores do 27 de fevereiro de l989, o dia em que se deu El caracazo, revoltas populares iniciadas em Guarenas, perto de Caracas, Venezuela. O diretor de El caracazo, Román Chalbaud, reuniu, entre atores e figurantes, mais de um milhar de pessoas para reviver no cinema uma revolta e um massacre genocida. Atores com pouca experiência, alguns com desempenho artesanal, mas com performances curtas e dramáticas.

Uma cerimônia com dança e letra de música de fundo religioso, abre a Venezuela a quem quer observar sua história recente. Os figurantes, aparentemente, nada têm a ver com os episódios nada musicais que vêm adiante. Mas é a Venezuela, com o espectro de Bolívar rondando o povo com facetas diversas. Numa reunião, o responsável por um albergue para sem-teto faz o balanço das perdas em vidas; o casal que perdera o filho de 14 anos por ter se negado a informar  à polícia o paradeiro do pai; a estudante, grávida do namorado, àquela altura morto, um balaço no peito: “Eu nunca pensava em política”, diz ela, anunciado mudança no seu perfil. Estão impotentes, pero hay algo que não suspeitam mas sabem que el porvenir será sin muerte.

Hechos – Uma multidão corre numa das avenidas de Guarenas. Todos querem transporte e não conseguem por causa do aumento dos preços nos combustíveis e tarifas. A dramatização se dá por conta de um homem de meia idade-idade, correndo tendo ao lado o filho que nada diz e se aflige tanto quanto o pai. Populares discutem com o proprietário do ônibus; o motorista lhes recusa o transporte, agride uma mulher, é agredido e tem o veículo queimado. Nos bairros pobres de Caracas, moradores discutem com donos de mercearias, bodegas, supermercados. No hay fariña ni trigo. Hay especulación! Motins, casas de ricos são invadidas; por hambrientos.

O governador exige de um oficial do exército o controle da situação. São desordeiros! Entra em cena uma mulher malvestida, suja, despenteada; delira na pobreza e no álcool. “Vou fuzilar a todos!” – Bate no peito do oficial. Os militares rendem-se ao desvario da mulher. Realismo dramático, épico. A mulher é um sintoma da Venezuela moribunda.

Tanques do exército estão em marcha. Postam-se à frente da multidão, há atiradores de elite, fuzis com luneta de longo alcance, precisas. Gregório, líder, está sob a mira. A bala atinge seu companheiro ao lado, no peito, prostra-o em definitivo. Começa a carnificina. Os atores não são veteranos; as sequências de cada cena são tão rápidas que não se lhes exige perícia na dramaticidade. São cenas dramáticas, no entanto.

Indigentes do albergue, indiferentes ao toque de recolher, vão às ruas em busca de butins. “Que es toque de recoger?!” – indaga um deles. Afigurara-se-lhes um líder. O oficial do exército dissera aos soldados: “Primero echar, después averiguar!” – O líder dos indigentes é fuzilado.

Há uma vala com centenas de corpos enterrados. O local fica conhecido como La Peste. Os feridos, mortos em hospitais, são levados pela polícia para a vala; não devem compor a cifra oficial dos mortos.

El porvenir suspeitado na reunião insinua-se no reconhecimento, em discurso, de um oficial do exército, no pátio do quartel: “Nosotros rechazamos el pueblo como se afronta ejército enemigo. El ejército debe servir el pueblo.   

El caracazo foi exibido na Semana da Venezuela no Recife.

As opiniões expostas neste artigo não refletem necessariamente a opinião do Portal Vermelho
Autor