Empreendedora nas necessidades

O fato motivador não é o dinheiro em si, mas aquilo que permite realizar. Dá sentido à vida. Felicidade e prazer na conquista, parâmetros que os estudiosos esqueceram

Faz mais de quarenta anos. Estudo e ensino gestão da inovação. Aprendi muito sobre o empresário inovador. Aquele que acredita tanto em uma idéia que corre riscos para viabilizá-la, mesmo que seja investir tudo aquilo que não tem. Schumpeter, autor do conceito, virou meu ídolo. Meu sobrinho reverenciou-o dando este nome a seu time de várzea.

Dez minutos de uma conversa. Uma amiga e sua vida. Bete é uma grande figura. Sempre agitada e inventiva. Um novo conceito começa a se formar, pelo menos na minha cabeça.

Empreendedora nas necessidades. Não é das é nas mesmo. Nem sabe se quer ser empresária. Se deseja se manter como tal. Mas, inventiva, em momentos de dificuldades, financeiras ou mentais, cria, faz as coisas se modificarem, traz algo diferente.

Há mais de trinta anos. Entra na faculdade. Os custos não eram poucos. Tinha que se virar. Naquela época já era adepta ao vegetarianismo. Convence os colegas que os males do mundo são advindos das comidas processadas. Faz um cardápio de cinco tipos de sanduíches. Na véspera pega os pedidos. Não precisa de capital de giro, os clientes pagam antecipado. Passa boa parte da noite elaborando junto com a pobre mãe, sempre vítima de suas maquinações. Sucesso de público, sucesso de marketing.

Um belo vatapá. A mãe de uma amiga faz. Vê oportunidade para se capitalizar. Vende a idéia para as duas. Um tabuleiro em Boa viagem. Na época que podia, um caldeirão e um pequeno fogareiro. A senhora se veste de baiana. As jovens, com flores na cabeça fazem a divulgação. Com biquínis vermelhos, não sei se com muito decoro para os padrões da época. Não dá para quem quer, em poucas horas tudo acaba.

Resolve fazer pós-graduação. A grana andava curta e o curso nada barato. Vê uma revista de moda. Uns “congas”, tênis baixos que se usavam na época, enfeitados com tecido florido à frente. A mãe novamente a vítima. Boa costureira faria a confecção. Lindos, parecendo toalhas de festa de São João, todos floridos. As vendas são um sucesso.

Compra uma casa em Gravatá. A segurança é problemática. Precisa de uma caseira. Fica um pouco pesado. Começa a fazer geléias. Maravilhosas e variadas. Um problema apenas, a curta duração. Um curso surge para a salvação. De geléias industrializadas, com todas as técnicas para manutenção e conservação. Aprende as técnicas, sem deixar de fazer em escala pequena, com qualidade inigualável. Não dá para quem quer, a demanda não é suprida.

Nem tudo se concretiza. Queria abrir um café. Anos de estudo e de análise. No interior, numa cidade turística, há muitos. Muita discussão, mas não vê condições de realizar. Desiste da aventura.

Agora aposentada. Pensando em novas loucuras. Traz biscoitos para experimentarmos. De amendoim com amêndoas. Precisam de um pouco mais de crocância, talvez um pouco de essência. Curioso, imagino o marketing. Tenho certeza que dará certo.

Fiquei maravilhado. Acho que tinha muito mais histórias para contar. Mas, o tempo era curto e ela precisava sair. Na teoria não encontro descrição. Empreendedores temporários cujo objetivo é sonhar. Acreditar que podem fazer, seja o que for, para atingir o sonhado. E vão atrás, com acertos e muitos erros. O fato motivador não é o dinheiro em si, mas aquilo que permite realizar. Dá sentido à vida. Felicidade e prazer na conquista, parâmetros que os estudiosos esqueceram.

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