Esta é de morte

 
Faz parte da vida, e vale a pena viver  

País conquistado por propagadores do cristianismo na sua versão católica, apostólica, romana, o Brasil adota o Dia de Finados para lembrar e homenagear os mortos. Data enraizada nos costumes da população, é, não apenas feriado nacional, como também o dia em que os cemitérios ficam repletos de visitantes e o preço das flores sobe absurdamente, graças à prática de ornar túmulos em que jazem entes queridos ou familiares. Para muitos, dia também de pensamentos mórbidos. Pois então, entremos no assunto.

Meses atrás, postei aqui qual a abordagem que os materialistas fazem sobre a vida (E a vida, diga lá o que é, meu irmão, http://www.vermelho.org.br/coluna.php?id_coluna_texto=3029&id_coluna=2 ). E a morte? O que é, afinal?

Numa bela canção, Moraes Moreira afirma: “Se a morte faz parte da vida, e se vale a pena viver, então morrer vale a pena”. Titus Lucretius Carus (Lucrécio), nascido no começo do século primeiro a.C. escreveu que “a morte imortal tirou-nos a vida mortal”. Antes dele, o grego Políbio (c. 203 a.C) expressou que, “como as massas são inconstantes, presas de desejos rebeldes, apaixonadas e sem temor pelas consequências, é preciso incutir-lhes medo para que se mantenham em ordem. Por isso, os antigos fizeram muito bem ao inventar os deuses e a crença no castigo depois da morte”. Neste caso, está implícita a ideia – adotada pelas religiões – de que os humanos (ao menos eles) não morrem, apenas deixam de existir neste mundo para passarem para um outro, onde serão punidos ou recompensados. Daí também o provérbio romano que aconselhava: “Dos mortos, nada, a não ser o bem” (De mortuis nihil nisi bene). Já S. Tomaz de Aquino era de um cristianismo radical contra os que discordavam de sua seita: “Os hereges não deviam ser apenas excluídos da igreja pela excomunhão, sim eliminados do mundo pela morte”, pregou.

Sem levar em conta a espécie, e saindo da avaliação apenas a partir do humano, a morte é o destino natural, o termo da condição orgânica. É a ruptura do equilíbrio biológico e físico-químico indispensável à manutenção da vida. O que cessa é a vida do organismo, pois no cadáver continuam a viver células e tecidos que podem se transplantados ou cultivados.

L. V. Thomas, em Morte e porvir, considera que “os mortos não existem mais, nem aqui, nem ali, nem noutro lugar; são os nossos fantasmas que os recriam”. Jean-Didier Urbain argumenta que a morte “é apenas uma palavra, não é um estado, nem um reino, nem um objeto, nem um sujeito: vê-la é impossível”.

A morte traumatiza os sobreviventes humanos. Daí as variadas reações, a maioria das quais a negando. Nas sociedades primitivas, era considerada sono ou catalepsia; entre os hindus, passagem ou libertação; para cristãos e islâmicos, a espera ou redenção rumo à vida eterna; entre estóicos, Caldeus e alguns grupos indígenas da América, momento do ciclo da vida, que é um eterno retorno; para certas sociedades negras da África, acesso aos antepassados; para os espíritas e alguns brâmanes, lugar onde o espírito se transfere de um corpo a outro; para o budismo, jainismo e bramismo, a reintegração no Eu divino…

Mas nem todos os humanos buscam negar a própria morte, transcendendo para a vida em um outro mundo. Conta Josué Montelo que um amigo propôs a Machado de Assis, no leito de morte, que fosse chamado um sacerdote. "Machado moveu a cabeça numa negativa. E com uma voz distante, já quase extinta, marcando coerência do homem com o seu pensamento:

– Não quero … Não creio … Seria uma hipocrisia…".

Aliás, o próprio Machado escreveu: “A morte é séria e não admite ironia.”

Vivamos, enquanto a morte não chega, trocando ideias no twiter: @carlopo

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