Estados Unidos buscam sabotar Acordo de Teerã

A secretária de Estado norte-americana, Hillary Clinton anunciou nesta quinta-feira (27), ter “divergências muito sérias com a diplomacia brasileira em relação ao Irã”, ao apresentar a nova Estratégia de Segurança Nacional dos Estados Unidos – documento que substitui a famigerada Doutrina Bush, divulgada em 2002.

Pudera. Nos últimos dez dias, os Estados Unidos saíram a campo para sabotar a Declaração de Teerã e a iniciativa turco-brasileira que busca diálogo e respeito ao direito dos países em desenvolvimento utilizarem energia nuclear para fins pacíficos.

Na ofensiva, os EUA utilizaram de meios políticos, diplomáticos e até militares para impedirem uma saída pacífica para a crise iraniana, atendendo assim a seus objetivos estratégicos no Oriente Médio. Assim, por um lado, os Estados Unidos agiram no sentido de desqualificar o Acordo de Teerã. Por outro, no sentido de constranger e pressionar em especial os dois membros permanentes do CS mais suscetíveis às posições dos países em desenvolvimento, a Rússia e sobretudo, a China.  

A tática da desqualificação

Sem entrar no mérito do acordo, a sra. Clinton – hoje porta-voz das opiniões mais à direita no Partido Democrata –, reagiu ao cumprimento do acertado pelo Irã – com o envio da carta à AEIA – com mais desqualificações, chamando de “inconsistente” os termos da carta do Irã, que na segunda (24) retificou o compromisso do país com a Declaração de Teerã.

Estamos a espera de explicações mais detalhadas do que seria esta “inconsistência”. Afinal, segundo chegou a público – a partir da divulgação da íntegra da carta de Obama a Lula na quinta-feira (27) –, o Acordo de Teerã contempla as exigências da “comunidade internacional” (P5+1, Grupo de Viena) – ao mesmo tempo em que garante a manutenção do programa civil do Irã. Equacionou-se, em especial, a troca, em território turco, dos 1.200 quilos de urânio de baixo enriquecimento por urânio enriquecido para uso no Reator de Pesquisas de Teerã, com a devida supervisão da AEIA.   

O cerco à China e a Rússia

Nesta semana, os Estados Unidos, por meio da sra. Clinton, saíram a campo, literalmente, em viagem a Pequim e a Seul. Em Pequim, em reunião do mecanismo bilateral “Diálogo Estratégico e Econômico”, a dupla Clinton e Timothy Geithner (secretário do Tesouro) aproveitou para pautar um conjunto de temas sensíveis à China – tais como a questão cambial (valor do renminbi), o problema climático e a questão energética e venda de armas a Taiwan – com o notório objetivo de ameaçar agudos interesses nacionais chineses, constrangendo Pequim a apoiar sanções, ainda que mais flexíveis. Ao mesmo tempo, com mão mais suave, abrindo exceções para importações iranianas de certos produtos chineses.  

A China tem buscado – como declarou o presidente Hu Jintao esta semana – por meio de grandes esforços “acelerar a transformação do seu modelo de desenvolvimento econômico”, buscando “expandir a demanda interna e aumentar o consumo doméstico” (Xinhua, 24/05/10). O sentido é diminuir crescentemente a interdependência que caracteriza ambas as economias: a China é o maior detentor de títulos da dívida pública norte-americana; a corrente de comércio entre os dois países alcançou incríveis US$ 298,3 bilhões em 2009.  

Outra sinalização estratégica contra a China foi o rápido deterioramento da situação na península coreana, com colaboração imediata e entusiasmada do governo de ultradireita instalado em Seul. Assim, numa ameaça clara à paz e à estabilidade no leste da Ásia – uma questão essencial no projeto nacional chinês –, EUA e Coréia do Sul realizam nestes dias manobras militares conjuntas de grande porte – trazendo assim o risco de guerra para mais perto da fronteira da China.

Com a Rússia não foi diferente. Primeiro, pelo telefonema de hora e meia de Obama à Medvedev, horas antes da chegada de Lula a Moscou. Segundo porque os constrangimentos à Rússia – tradicional aliado do Irã – não se resumiram a palavras. Na segunda-feira (24), chegava a localidade de Morag, na Polônia – a cem quilômetros da fronteira russa –, um lote de misseis Patriot, acompanhado de uma centena de soldados norte-americanos. Anuncia-se ainda a chegada de mísseis SM-3 a esta mesma base. Pressão direta, que sugere a retomada de algo equivalente a um “escudo antimísseis” no leste da Europa, visando a “contenção” da Rússia.

A ação norte-americana nesta semana fortalece a percepção, de que ao Acordo de Teerã, seguiu-se uma violenta reação do imperialismo pela manutenção do status quo vigente. Mas a ação do Império não anula a importância de mecanismos que são embriões da multipolaridade, como a aliança BRIC; apenas revelam que o limite da solidariedade entre as nações é seu próprio interesse nacional.

Para o Brasil, um quadro internacional conflitivo combinado com relativa, mas crescente multipolaridade exigirá alianças com diferentes países e grupos de países, que permita, melhor acumular melhores condições para seu projeto nacional e para a manutenção da orientação progressista no plano das relações internacionais.

A luta entre duas tendências – manutenção da velha ordem e emergência da multipolaridade – seguirá seu curso por período relativamente prolongado.

A nova Estratégia “multilateralista” norte-americana, anunciada ontem, será discutida neste espaço. Desde já pode-se dizer que ela apresenta, a um só tempo, a mão da diplomacia e a mão do porrete. Na primeira mão, a mesma da carta de Obama à Lula, pede acordo para “gerar confiança e diminuir tensões” com o Irã. Com a outra – a da sra. Clinton – segura o porrete, ao “melhor estilo” eixo do mal propondo isolar o Irã e a Coréia do Norte, como na Bush – no conhecido enredo que liquidou o Iraque.

Renova-se risco à segurança internacional Afinal, o não reconhecimento do direito das nações em desenvolvimento ao usufruto do artigo 4 do TNP – que permite domínio de tecnologia nuclear para fins civis –, pode por em risco ainda mais a estabilidade do sistema internacional, ao por em risco permanente o próprio Tratado de não-proliferação.

As opiniões expostas neste artigo não refletem necessariamente a opinião do Portal Vermelho