Eu, Guido Mantega?
“O que você faria hoje se estivesse no lugar de Guido Mantega?”. Essa foi uma das questões levantadas a mim por conta de minha apresentação ao seminário “UJS 30 Anos: Em Defesa do Brasil, Da Juventude e Do Socialismo”. Minha resposta ficou na tangente. “Questão a-histórica, pois no dia em que for ministro da Fazenda, no Brasil reinará outra hegemonia – outra correlação de forças”.
Publicado 27/01/2014 14:40
Fui sincero e não haveria de ser diferente, pois os postulados de nossa macroeconomia são produto de um poder político estabelecido e de uma correlação de forças dada. Numa situação de ampla hegemonia das ideias neoliberais na economia o que se pode fazer é o que se tem feito: acumular forças, aproveitar a conjuntura internacional permitindo uma lenta desvalorização do real e tocando adiante as concessões à iniciativa privada de nossas infraestruturas estranguladas e flexibilizando, na medida do possível, o tripé macroeconômico.
Infelizmente não posso esperar nada além do que se tem feito de quem ocupa os cordéis de nossa política monetária. Muitos deles, inclusive nosso respeitável e sério ministro da Fazenda, comungam da mesma noção de inflação e poupança propugnada e consagrada pelos monetaristas: “a inflação é inercial” e “o Brasil não dispõe de poupança interna”. É neste ponto que a visão de mundo estruturalista e cepalina de Guido Mantega se encontra com as pérolas da economia neoclássica.
A escola de Guido Mantega pode até polemizar com os monetaristas sobre o que vem primeiro a poupança ou o investimento. Porém, fazer crer a si mesmo que a investimento é gerador de poupança, e não o contrário é outra história que pode se resolver numa sessão de terapia holística.
Mas como simples mortal devo me esquivar dos problemas? Evidente que não. Se um conselho meu valesse algo, certamente iria meter o bedelho nas causas “técnicas” que explicam essa loucura da taxa de juros em nosso país. Proporia uma reforma do sistema financeiro sem maiores traumas aparentes, somente aparentes.
Como se sabe o nosso sistema financeiro opera, ainda, com as mesmas regras da época da hiperinflação: passivos a ativos indexados à taxa Selic. Isso significa risco zero de inflação e juros ao sistema financeiro. Evidente: operações de overnight sendo remuneradas pelo Banco Central pela mesma taxa remunerativa dos títulos de nossa dívida. Os bancos, assim, têm suas sobras de caixa remuneradas como se fossem investimentos de longo prazo e o Banco Central torna-se poder monopolista de captação de poupança. Inviabilizando, assim, um mercado de títulos de longo prazo. Num estado de coisas deste nível nem Jesus Cristo é capaz de convencer os donos do país a colocar dinheiro na praça. Dinheiro na praça é risco de inadimplência. Dinheiro entocado indexado pela Selic é muito mais interessante.
Desindexar a economia dos ativos financeiros remunerados pela Selic seria um passe gigantesco para que as nossas taxas de juros alcançassem os patamares da civilização. Instituir um mercado de títulos de longo prazo com taxas de juros pré-fixadas aptas a atuar no mercado de reservas bancárias. O monopólio do Banco Central sobre a poupança seria desmantelada. É o típico caso em que a criação de um mercado – em substituição ao monopólio – antes de ser um passo atrás, seria fator de claro avanço.
Volto aqui ao tema da ilusão. São só ideias, divagações. Trabalho no campo da abstração, não do abstrato. Dou-me dois direitos: o direito de saber que minha época de “jovem Marx” passou. Foi bom um dia acreditar que a luta por justiça e igualdade poderia resolver os problemas do mundo, e de quebra, os meus também. Concedo a mim mesmo também negar uma postura protomarxista diante dos fatos. Seria bonito me esquivar dos problemas fazendo crer que somente uma revolução socialista poderá dar um jeito nas coisas e assim nossa economia voltaria aos trilhos do princípio da demanda efetiva em detrimento da regência da “preferência pela liquidez”. Acredito tanto no poder de uma revolução social quanto na possibilidade real de salvar o capitalismo brasileiro. Por isso me atrevo a falar um pouco de economia. Será que salvar o capitalismo brasileiro não se constituiria num gigantesco “step” no rumo da socialização?