“Eu Matei Minha Mãe”: Sinal dos tempos

Em filme sobre a relação mãe/filho, diretor canadense Xavier Dolan discute se ela não devia se fixar menos nas diferenças e mais no que os identifica

A linguagem crua, bruta, deste “Eu Matei Minha Mãe”, do jovem diretor canadense Xavier Dolan, traduz bem as relações familiares nestes transitivos tempos consumistas. Mais propriamente do relacionamento mãe/filho em que a verdade nem sempre é dita. Ela, a verdade, se evidência mais pelos gestos, distanciamentos, agressões verbais, que escondem o caráter de um e outro. No caso, a relação entre Hubert Minel (Xavier Dolan) e sua mãe Chantal Lemming (Anne Dorval) num tout de force entre dois seres que se escondem detrás das palavras, a ponto de não distinguirem mais os limites entre o que dizem e o que sentem, até chegar ao ponto do “tanto faz”.

         Em duas brilhantes sequências em que um dispara contra o outro a ação de dá dentro do automóvel dela – este onipresente cômodo onde milhões de pessoas consomem seus dias, sem dar-se pela presença do outro, visto como aquele que pode destruir seu “bem”, mais precioso. A ponto de se apegar mais a este que ao filho e aos amigos. Menos do que instrumento de locomoção, necessidade, conforto; ele é usado por Chantal como veículo de punição ao filho: ”Saia do meu carro!”, está sempre lhe dizendo. E ele o deixa, como se expulso de casa, da família dual, tão presente no dia-a-dia de milhões de mulheres que cuidam sozinhas dos filhos.

        Nunca num filme o automóvel assumiu este caráter, e não se sabe se Xavier Dolan, que o roteirizou aos 16 e o dirigiu aos 20 anos, tivesse essa intenção. Na sequência em que Chantel, histérica, se aborrece por Hubert ter-se demorado na locadora, isto fica ainda mais evidente. Ela sempre o pune expulsando-o do carro. Ele, aos 16 anos, hesita entre o afeto, a autoafirmação, e a busca de um caminho, não diferente de milhões de adolescentes iguais a ele. Encontra seu espelho no parceiro Antonin (François Arnaud), cuja mãe não se incomoda com a homossexualidade do filho. Com ele passa seu tempo, enquanto Chantel ignora quem ele, Hubert, seja.

         Para Chantal, ele é o filho que a irrita; que não a trata bem, não reconhece sua luta para educá-lo, torná-lo adulto. Enquanto ela mesma se esconde detrás de roupas floridas, às vezes de tons sombrios, daqueles que mostram o quanto a pessoa está presa aos seus dilemas. Solitária, trabalhando como contadora numa empresa, seu único momento de lazer é quando vai à cabeleireira. Ali, ao lado de amiga Dédé, ela se encontra. Depois passeia pelas lojas em busca de pinturas, enfeites para sua casa, no mais das vezes detestados por Hubert, devido ao mau gosto.

         Mãe e filho se defendem
         do que são na verdade

          Desta maneira, Xavier Dolan constrói seus personagens, não distantes do real, mas às vezes tende ao abstrato tal como as pinturas de Jackson Pollack, que Hubert e Antonin imitam. Muitas cores, porém, sem traços humanos. Estes quando aparecem, vêm por meio da dor, do raspar a tinta, do pentimento, para revelar o que existe em seu íntimo. Hubert e Chantal falam demais, coisas sem sentido até para eles mesmos. E como são reativos; acabam se torturando. Desabafam, transformam suas falas em monólogos e o espectador entende que eles estão o tempo todo se defendendo do que são, no caso dela, e do que busca ser, no dele. Jamais conseguem ouvir o que o outro tem a dizer, quando têm a oportunidade desandam em acusações sem fim.

          É esta dialética que torna “Eu Matei Minha Mãe” um filme diferente. Inexiste aquela relação melosa, resvalando para o melodrama barato, do pobre coitado ou da autocomiseração. O que na verdade há é a incapacidade de Chantal de entender e se relacionar com o filho, e o dele de ver as razões da mãe. Quando ela se irrita com o diretor da escola para onde ela e o marido Richard (Pierre Chagnon)  o enviaram para, enfim, “colocá-lo na linha”, ela trava com ele outro monólogo, tão comum nos dias de hoje. O internato se revela algo que ela não imaginara: não é a saída. Ela e Richard colocaram Hubert numa prisão e ele encontrou uma maneira de lhes dizer isto.

         O espectador, sem que Xavier entre em detalhes, entende afinal o que está havendo. Xavier o manteve não em suspense, preferiu colocar a câmera numa proximidade tal que o ele, espectador, ficasse próximo dos personagens, não íntimo. Este distanciamento é que lhe permite vê-los como seres humanos – Chantal é carente, busca a todo custo refúgio no filho, só não o demonstra. Inclusive não enxerga suas afinidades, as tendências homossexuais dele, suas virtudes, dentre elas sua capacidade de escrever, detectado pela professora e amiga, Julie Couthier (Suzanne Clément). Ele mesmo não detecta nela sua falta de traquejo para entendê-lo numa fase difícil que é a transição para vida adulta.

           Ainda que o tema seja cáustico, Xavier Dolan consegue dotar seu filme de humor, de afeto, de um olhar para o humano. Não é à toa que saiu da Quinzena dos Realizadores do Festival Cannes com três Prêmios em 2009 (Prix Sacd, Prix Regards Jeune, An Cinema Award). Longe de tratar das diferenças, tende a dizer que é melhor ver as virtudes e o que identifica mãe e filho.

Eu Matei a Minha Mãe”. Drama. Canadá. 2009. 96 minutos. (“J´ai tué ma mére”). Roteiro/direção: Xavier Dolan, Fotografia: Stéphanie Weber-Biron. Elenco: Xavier Dolan, Anne Durval, François Arnaud, Suzane Clément. 

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