Faixaço na Avenida Brasil

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Reprodução: Twitter/@jandira_feghali

Januário Maleta vinha pela rua despreocupado, mesmo sendo um homem desmascarado. Não que tenham sido reveladas suas falcatruas. É que não usava máscara mesmo.

Atleta de fim de semana, dono de uma HB20 ainda não quitada, sevirador de aplicativo – além de empreendedor, sentia-se protegido, infenso a contágios, à ideologia de gênero e às evidências de que a Terra é redonda.

Para Januário, morrer de doença era coisa de gente fraca. Considerava que era até bom aparecer vez ou outra uma epidemiazinha, uma guerrinha, uma miliciazinha pra cancelar uns CPFs. Nada como uma boa faxina, né mesmo? Não perdia um vídeo do presidente, informava-se por intermédio de memes e do Youtube e, se era dia de paredão, não deixava de votar (amava o Big Brother, seja o da Globo, seja o do Salão Oval, em Washington).

Mal quebrou à direita, deu de cara com a faixa: “Fora, Genocida!”. Ficou foi macho… (Ficou é modo de dizer, bem entendido, que macho fora sempre, desde o berço – os três filhos na rua, mais os de casa, tão tudo aí pr’ele não passar por mentiroso). Fez-se todo brabeza, dizíamos, e avançou para picar em pedaços a ofensa.

Ocorre que a faixa não estava só: quatro militantes – quer dizer… meliantes –, todos mascarados e providos de álcool-gel, faziam guarda na calçada quase deserta. Um deles, megafone em punho, proclamava a plenos pulmões todos os desqualificativos do atual mandatário da combalida República nacional. Foi Maleta ameaçar chegar perto, para Zorilda, nêga toda zona leste paulistana, braços que só duas maças, soltar-lhe um safanão: Pá-buf, olha Januário no chão.

Aí foi aquele furdunço. O sujeito, ainda zonzo da tampona no pé d’ouvido, levantou-se impado na camiseta baby look e achou de cair dentro. Zorilda não lhe deu tempo d’um assobio: meteu-lhe um trompaço na caixa dos peito que o plantou de volta na calçada – desta feita, sentado.

Já tinha juntado um monte – gente querendo saber o que foi e o que não foi. Uns, vociferando contra a faixa. Outros, declarando apoio aos manifes… digo: meliantes. Vieram em socorro do boy uns marombados, cabelos-escovinha, todos trajando camiseta com a cara do mito da cloroquina. Entraram pra resolver a coisa a muque, fazendo pose de MMA. Tomaram rasteira, receberam xingos, vaias, apupos, pontapés. Depois de algumas bolachas e dedo no olho, pernas pra que te quero, todos pro mesmo lado – não se sabe se para buscar reforço ou o quê.

Neste instante, por cima do bololô, soou a palavra polícia. Mal a viatura apontou na esquina, Zorilda e sua trupe enrolaram a faixa e saíram à francesa, sem brigado, nem té logo. Januário Maleta, por seu turno, foi encaminhado para exame de corpo de delito na DP mais próxima. Lá, relatou tudo e mais um pouco, descrevendo um agressor do sexo masculino, negro, alto, senhor de um megafone desta idade numa das mãos e de um calibre 38 na outra.

Depois de registradas as declarações de algumas testemunhas – dentre elas, os marombados fugitivos – e de uma nota no telejornal do meio-dia, nosso herói foi para casa. Chegando lá, tomou um banho revigorante, apalpou os hematomas – troféus de combate, e postou sua história nas redes sociais, abusando de termos como esquerdopata, comunista, boiola, preto, vaca e que tais. Por fim, deitou-se, para o merecido repouso do guerreiro.

Três dias passados, com dores no corpo, febre e garganta inflamada, baixou no pronto-atendimento do SUS. Transferido para uma UTI, resta lá, de bruços, entubado, morre-não-morre.

Zorilda? Ela e seus parceiros de armas andam por aí – Zona Leste, Capão, Jabaquara, Liberdade – animando torcida, defendendo a vida, reclamando pão.

Um dia, vira.

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