Fake news e a tecnobarbárie

A psicologia das massas de Freud pode ajudar a explicar por que as pessoas acreditam em informações falsas ou propagam notícias sem verificar sua veracidade

Fake news sempre existiram. A versão da História que temos, em grande parte é lastreada pelas narrativas dos vencedores das guerras, pelos escribas contratados pelos monarcas, e cantadas por menestréis remunerados para levar tais versões dos fatos em canto e verso (hoje como “memes” na rede), consolidadas pelos documentos e livros produzidos por esses protagonistas.

Só que hoje não só cada “idiota da aldeia” (como definiu Humberto Eco), com um dispositivo na mão e um preconceito na cabeça, como organizações políticas, criminosas e/ou comerciais, assumem uma produção e disseminação em massa desses “vírus informacionais”, fazendo de cada celular nas mãos dos minions um archote medieval de linchamentos e queima de bruxas.

No livro “Psicologia das Massas e Análise do Eu”, Freud aborda a dinâmica das massas e como as emoções e ações individuais são influenciadas pela psicologia do grupo. Segundo ele, as massas possuem uma “mente coletiva”, com uma dinâmica psicológica própria que se diferencia da psicologia individual – e suas emoções e comportamentos são influenciados por fatores como sugestão, emoção e identificação com o grupo.

No contexto das atualmente designadas fake news, a psicologia das massas de Freud pode ajudar a explicar por que as pessoas acreditam em informações falsas ou propagam notícias sem verificar sua veracidade. As fake news são criadas para evocar emoções intensas, como medo, raiva ou esperança, com o objetivo de persuadir as pessoas a acreditar ou agir de determinada forma. As emoções geradas pelas fake news podem ser contagiosas em um ambiente de grupo e gerar uma sensação de pertencimento a uma comunidade, levando as pessoas a se identificarem e se envolverem com a notícia falsa.

Freud também analisou o papel do líder na psicologia das massas, capaz de manipular as emoções e desejos do grupo, levando-os a seguir determinadas ideias ou ações. Assim, a psicologia das massas pode ser aplicada para entender como as fake news se espalham e por que as pessoas acreditam nelas. As emoções intensas geradas pelas fake news, combinadas com a influência dos líderes, podem levar as pessoas a agir de maneiras que não seriam típicas de suas ações individuais.

Marc Bloch, historiador assassinado pelos nazistas em 1944, escreveu que “As notícias falsas mobilizaram as massas. Um erro só se propaga e se amplifica, só ganha vida com uma condição: encontrar um caldo de cultivo favorável na sociedade onde se expande. Nele, de forma inconsciente, os homens expressam seus preconceitos, seus ódios, seus temores, todas as suas emoções”.

O uso de técnicas de propaganda para disseminação de mentiras e distorções com o objetivo de manipular a opinião pública foi uma das principais estratégias utilizadas pelo regime nazista. As ideias e práticas de Joseph Goebbels, ministro da propaganda nazista, deram um grande passo no uso em larga escala do que hoje chamamos de fake news.

Steve Bannon, por sua vez, é um estrategista político conhecido por suas ideias de extrema-direita e por seu envolvimento em campanhas eleitorais controversas (do Brexit e Trump até o Brasil de 2018). Ele é um especialista no uso de técnicas de manipulação de massa, incluindo a disseminação de fake news, para atingir seus objetivos políticos.

A proximidade das ideias de Goebbels e Bannon permite identificar semelhanças no que diz respeito ao uso de técnicas de propaganda e manipulação da opinião pública. Ambos defendem a ideia de que a verdade é relativa e que a manipulação da informação é uma ferramenta poderosa para alcançar objetivos políticos.

As fake news têm sido uma estratégia recorrente utilizada por grupos políticos e ideológicos de diversas tendências, mas a extrema-direita tem tido um consistente e notável domínio dessas técnicas. A disseminação dessas pseudo informações é uma forma de mistificar a realidade e manipular a opinião pública, o que pode levar a graves consequências para a sociedade.

A produção desses materiais de guerra ideológica é feita por “gabinetes do ódio”, com um núcleo de pessoas comandando incontáveis perfis falsos, alimentados por robôs de software que promovem sua disseminação para públicos-alvo específicos, segmentando os conteúdos conforme o perfil do “gado” a manipular. Mas agora também a produção de conteúdos falsos dá um novo passo adiante, com a inteligência artificial.

Por exemplo, o ChatGPT é um programa que reproduz com habilidade de redação o que uma pessoa com a capacidade de ser eloquente diria, mesmo falando de uma coisa que não faz sentido algum para quem entende do assunto. Em muitos casos isso não é muito diferente do que muitos especialistas em muitas áreas fazem – só que tem um potencial de alcance muito maior e por isso pode fazer muito mais estrago.

Assim como as máquinas que substituem ou complementam movimento físicos humanos se desenvolveram (martelos, enxadas, carros, aviões etc.) as máquinas de substituir ou complementar os movimentos de raciocínio – de juntar palavras, de identificar padrões e concatenar isso tudo em algoritmos – vieram para ficar. E evoluir.

O que precisamos é fazer com que a humanidade evolua, pois o grau de barbárie existente é altamente preocupante. Ou fazemos a inteligência humana social evoluir urgentemente ou as inteligências artificiais automatizarão o pior que há em nós.

As opiniões expostas neste artigo não refletem necessariamente a opinião do Portal Vermelho
Autor