Falsas esperanças de um novo Bretton Woods

Existe uma opinião quase unânime entre economistas de vários matizes de que a crise atual tem suas origens no processo de desregulamentação e liberalização dos mercados financeiros nas últimas décadas. Essa constatação vem reforçando o apelo por iniciativ

No entanto, se as esperanças estavam na recente reunião do G-20 realizada em Washington, a consecução de um amplo acordo ainda está muito distante. Entre as discussões do encontro, as autoridades monetárias dos países foram recomendadas a adotarem mecanismos que evitassem o crescimento de bolhas especulativas. Neste caso não há como esquecer o ex-presidente do Federal Reserve (Fed), Alan Greespan, que carinhosamente passou a ser chamado de “assoprador de bolhas”.


 


 


Mas o fato é que a reunião não trouxe grandes novidades acerca do tema, prevalecendo a idéia de auto-regulação dos mercados defendida pelo governo Bush (1). Ou seja, nenhuma novidade. Apesar de ser o epicentro da crise, os EUA são justamente a economia que mais se beneficiou do processo de hipertrofia das finanças ocorrida nas últimas décadas. Também não será surpresa, portanto, se de Wall Street surgirem novamente os maiores empecilhos às mudanças.


 


De qualquer forma, propostas de novos acordos que restabeleçam alguma ordem nos mercados financeiros já foram apresentadas em outras ocasiões, sem sucesso. Elas nasceram logo após o colapso do sistema de Bretton Woods em 1971. Imediatamente ao fim do padrão dólar-ouro, intensas negociações foram realizadas para reestruturação do sistema monetário internacional e a estabilização do dólar. No final desse ano, num encontro dos dez países capitalistas mais industrializados (G-10), em Washington, foi ratificado o Smithsonian Agreement, no qual o dólar foi desvalorizado em 8,6%. O então presidente norte-americano Richard Nixon afirmou na ocasião que esse foi o mais importante acordo monetário da história mundial. Mas já em meados do ano seguinte, com as novas pressões especulativas contra o dólar e a libra esterlina, foi criado o Comitê dos 20 com o intuito de chegar a um novo acordo para o sistema monetário internacional. As discussões duraram até junho de 1974 com a publicação do relatório Outline of Reform que foi considerada muito aquém do esperado (2).


 


A gigantesca especulação no mercado cambial tornou aquilo que poderia ser visto como um expediente temporário, as taxas de câmbio flutuantes, na débâcle completa do sistema de Bretton Woods que só foi formalmente declarado extinto por ocasião do colapso do Smithsonian Agreement. Apenas em 1976, numa Conferência realizada em Kingston (Jamaica), o FMI alterou seus estatutos e ficou acertada a legitimação da flutuação do câmbio e a abolição do preço oficial do ouro, na qual cada país membro teria liberdade para administrar sua taxa de câmbio. Como se sabe, não houve qualquer acordo que substituísse o padrão dólar-ouro por algum outro arranjo. Simplesmente constituiu-se um compromisso, um tanto vago, para que os países zelassem pelo adequado funcionamento das relações monetárias internacionais através de políticas econômicas internas que conduzissem a estabilidade da moeda.


 


A recusa dos EUA em aceitar qualquer tipo de reforma que revisse o papel do dólar como moeda de reserva internacional, acarretou em 1979, num dos mais importantes eventos da economia mundial no século xx: a elevação sem precedentes da taxa de juros norte-americanas por Paul Volker (3). Desde então os países ricos desistiram de questionar o papel desempenhado pelo dólar. O Fed passou a agir efetivamente como o Banco Central do mundo, coordenando, junto aos principais bancos centrais, intervenções no mercado de câmbio que procuram atenuar a volatilidade das moedas ou impedir períodos prolongados de subvalorização ou sobrevalorização cambial. Isto ocorreu com o Acordo do Plaza (1985) e do Louvre (1987) quando se decidiu pela desvalorização do dólar, e, em 1995, quando um novo acordo com o Japão e Alemanha, que ficou conhecido como Acordo do Plaza invertido, forçou a (re) valorização do dólar (4).


 


Após a crise asiática (1997-1998), novas propostas de reforma do sistema financeiro internacional vieram à baila. Entre elas estava a criação de zona de flutuação entre o dólar, o euro e o yen, levantadas pelos ministros das Finanças francês e alemão, em 1998, na qual as respectivas autoridades monetárias atuariam de forma cooperativa para reduzir a instabilidade excessiva do dólar. Em razão da turbulência, o Japão também tentou jogar um peso maior no espaço asiático ao propor uma ajuda financeira aos países da região. Nos dois casos, os EUA vetaram prontamente. Nesse cenário, em 1999, foi fundado o Forum de Estabilidade Financiera Internacional, o atual G-20, como resposta à crise asiática, considerada na época a pior desde a quebra do acordo de Bretton Woods (5).


 


A crise atual desvela mais uma vez o enorme poder assimétrico acumulado pelos EUA. Assim, mesmo sendo o centro de uma das piores crises financeiras da história, os investidores foram em busca de refúgio seguro no dólar, ainda que o Fed venha baixando sistematicamente a taxa de juros. Em pouquíssimo tempo, todos esqueceram os “bons fundamentos econômicos” de algumas economias emergentes, entre elas o Brasil, que há pouco tempo recebeu o título de investiment grade das agências de risco. Por outro lado, o Fed confirmou sua posição de emprestador de última instância mundial provendo recursos em várias partes do mundo. Além da queda na taxa de juros, em outubro, o Fed aprovou acordos bilaterais de contratos de swap cambial com outros 14 bancos centrais, inclusive com o Banco Central do Brasil e o Banco do México. Por esse mecanismo, os bancos centrais tomam empréstimos em dólar do Fed e re-emprestam aos seus bancos que passam por problemas de liquidez (6).
 


 


Está evidente que formou-se um compromisso hierárquico em torno do dólar difícil de romper. Um compromisso que, no cenário internacional, as demais potências econômicas preferem manter, ainda que isto não signifique um abrandamento dos conflitos; pelo contrário, há um acirramento das disputas internacionais, como pôde ser observado na recusa da França e Alemanha em apoiar a guerra do Iraque ou na reafirmação geopolítica da Rússia nos últimos anos. Logo, o que não está em jogo, no curto e médio prazo, é a hierarquia entre as moedas.


 


O padrão dólar-flexível é um dos alicerces de sustentação do império norte-americano. Assim, pode-se concluir que é bastante improvável que os EUA aceitem pacificamente uma nova arquitetura financeira mundial que coloque o dólar em uma nova posição, embora isto signifique a possibilidade de crises ainda mais severas num futuro não tão distante.


 


Notas


 


(1) LUCCHESI, Cristiane Perini (2008). ''Focus” revê para cima valor do dólar. Valor Econômico, 18 de novembro.
(2) GONÇALVES, Reinaldo et al (1998). A Nova Economia Internacional: uma perspectiva brasileira. Rio de Janeiro: Campus.
(3) Volker foi conselheiro econômico Barack Obrama durante a campanha presidencial e tem vaga garantida no novo governo.
(4) BRENNER, Robert (2003). “O boom e a bolha: os Estados Unidos na economia mundial. Ed. Record.
(5) AKYÜZ, Yilmaz (1998). “The east asian financial crisis: back to the future?” (Http:/www.tni.org/detail_page.phtml?page=asem-watch_asem25&print_format=Y).
(6) BERNANKE, Ben (2008). “Federal Reserve Policies in the Financial Crisis”.  Fed, 1º de dezembro (http://www.federalreserve.gov/newsevents/speech/bernanke20081201a.htm).


 

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