Filme mostra Dakar em 1968

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É realmente em função do novo sistema de suporte para os filmes – não em película, mas on-line – que uma obra do Senegal como “Mandabi”, feita em 1968 ou simplesmente lançada naquele ano, chegue viva aos dias atuais. O diretor Ousmane Sembène fez com ele o seu segundo longa, e já naquele ano havia tido um certo sucesso, inclusive participando de festival na Ásia no Tashkent. E voltou agora no século XXI, com filme participando num festival em Melbourne em 2021 (ano do falecimento do criador). E está na plataforma Making Off para quem quiser ver.

É o tipo de produção que desperta interesse para ser vista, mas ao mesmo tempo também desperta dúvidas. Será que a situação de Dakar no Senegal ainda continua parecida com o que era naqueles anos?

Engraçado que eu parei em Dakar antes de 1968, em 1961, e estivemos pela cidade e me lembro que o jornalista Leocádio Moraes escreveu no meu caderninho como se fosse eu registrando uma impressão: “Estou admirado com os meninos falando francês!”. Gaiatice do companheiro de viagem, mas que poderia realmente valer um registro para expressar uma situação de um continente tão desprezado quanto o país em que estávamos na África. E o que na verdade ainda temos lá em Dakar na África de hoje, pois sabemos que as questões do colonialismo ainda estarão presentes. E por isso o filme de Ousmane Sembène continua tendo importância e é aceito e até premiado em festivais. Além disso, entra em circuito exibidor.

“Mandabi” é falado numa língua que pode se aproximar do francês, mas não tem clareza para um espectador que do francês conhece um pouquinho do parisiense. Temos que nos valer da legenda. Mas um aspecto que tem muita validade são as interpretações, tanto de momentos de oração quanto de algumas canções populares. É a parte mais clara e mais expressiva do filme. Muito bela, mostrando que a criatividade africana foi sempre fundamental.

Olinda, 03. 03. 22

O batuque dos astros de Bressane

Ver os filmes de Júlio Bressane é sempre prazeroso, embora ele seja o mais famoso cineasta brasileiro que é tido como fazedor de obras experimentais. Nesse “O batuque dos astros”, que foi feito em 2012 e está em exibição na plataforma Making Off, a presença do poeta Fernando Pessoa é mais do que motivo para poetizar a cidade de Lisboa. O experimentalista Daniel Lima Santiago não pode deixar de ver essa obra, pelo fato de Daniel ser um apaixonado por Lisboa.

Esse filme é de 2012, mas tenho certeza de que poucas vezes chegou às telas. Se não fossem as plataformas na internet, o público nunca teria condições para o conhecer. Cinema é uma arte para o grande público, mas os filmes que são realizados com mais sutilezas em geral ficam escondidos.

Fernando Pessoa é um extraordinário poeta, inclusive erudito, mas como ele é apresentado por Júlio Bressane se torna uma espécie de personagem popular da Lisboa poética, e dessa forma o espectador o vê. Não são as próprias poesias criadas por Fernando Pessoa que se destacam pelo cineasta. Com o seu cinema muito visual, sempre ele mostra as grandes marcas da presença física de Pessoa na capital portuguesa. E assim muitas vezes se vulgariza no mostrar Fernando Pessoa, por exemplo nos muitos momentos em que aproveita a presença de senhoritas em torno da escultura representando o poeta, e como elas se apegam para que fotos dele e delas sejam feitas.

Muitas vezes, Júlio Bressane busca e mostra momentos mais poeticamente eruditos de Pessoa em alguma biblioteca de Lisboa, mas são as imagens populares que fazem a narrativa principal do filme.

E também ganham espaço na obra canções populares que fazem parte do cancioneiro de Lisboa, mas que há muito já chegaram também ao nosso cancioneiro popular. Elas trazem assim belos e simpáticos momentos para a obra cinematográfica. Talvez essas canções sejam muitas vezes interpretadas com excessiva simplicidade, no entanto mesmo assim ganham dimensão para agradar ao fugaz espectador.

Assim Júlio Bressane é ao mesmo tempo o mais intelectualizado cineasta brasileiro e também extremamente popular. Isso acontece pelo fato de que Júlio Bressane não faz nem documentário e nem tampouco ficção. Suas obras são sempre um misto onde se encontram tanto a estória ficcional quanto o registro presencial e efetivo das suas temáticas. Então o mundo português é bastante próximo da sua arte.

Olinda, 15. 03. 22

Assista O Batuque dos Astros

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