Força de vontade, a falácia capitalista

Para ser eficaz, a ideologia de dominação capitalista deve impregnar o sujeito dominado, contaminá-lo com suas premissas e torná-lo um de seus divulgadores. Para isto é vital que este sujeito sinta-se incluído no seleto rol dos que merecerão alguma recompensa, que o fará distinguir-se dos demais.

Semelhante à religião, o capital cria seus dogmas e ritos de conduta, que são reproduzidos e reafirmados até tornarem-se aceitos como verdades, fazendo de quem deles discorde alguém passível de exclusão do modelo proposto e aceito. Só assim para justificar e respaldar a ferocidade competitiva e os valores distorcidos necessários ao ganho e acumulação de capital.

Por isto o capitalismo produz seus mitos. Talvez um dos piores e mais cruéis, a nefasta teoria da força de vontade. Segundo este dogma basta querer e trabalhar muito e qualquer um pode tornar-se rico, realizar seus sonhos, entrar no pequeno círculo dos poderosos. A saída é individual; as chances são para os melhores. Quem já participou de algum workshop de vendas quase se convenceu que, vendendo cabides inteligentes, descascadores de ovos ou assinaturas de revistas, pode, em curto prazo, tornar-se um empreendedor de sucesso e enriquecer. É só força de vontade: O capitalismo é o sistema onde quem quer, consegue, dizem eles.

Aqui não se fala em fortunas seculares e acumuladas as custas de exploração e sacrifício de trabalhadores, de heranças indecentemente não tributadas, de especulação financeira. Pessoas com força de vontade não prescindem de dinheiro familiar, nem privilégios: trabalham e constroem suas próprias fortunas, tendo como ponto de partida a premissa da sociedade de chances, maior esforço e talento nato. Alguns, segundo eles, nascem para a riqueza, outros para o trabalho. Como se alguém tivesse vocação nata para ser explorado. E os (milhões) que não alcançam o sucesso, afinal, podem sempre contentar-se em ser pobres, porém felizes.

A força de vontade como panacéia universal encontra terreno fértil no neoliberalismo dos dias atuais, quando depois de toda a luta do movimento sindical para reduzir a jornada, o trabalho a mais é vendido como alternativa para aumentar os ganhos e impulsionar carreiras. Com a precarização do trabalho e burlando a legislação vigente, os trabalhadores transformados em colaboradores dedicam horas a mais sem remuneração, já que se sentem parte integrante da engrenagem. E é justamente nestas empresas que se verifica a maior incidência dos casos de assédio moral, capazes de levar os trabalhadores da depressão ao suicídio.

A força de vontade, porém, cria outras exigências: Ela deve excluir do trabalhador seu sentimento de classe, transformá-lo num aspirante a executivo, um crítico contundente às entidades de classe e a sentimentos para eles piegas, como solidariedade. O bom futuro capitalista não deve envolver-se em política, ou caso isto ocorra, deve encarar este contato como possível carreira, como se políticos fossem todos ou corruptos ou fonte inesgotável de favores pessoais. Deve tratar algum favor pessoal prestado por ele aos superiores como uma oportunidade de reconhecimento e demonstração de sua boa vontade. Outros trabalhadores são seus concorrentes, e, na medida do possível, devem ser deixados para trás.

Força de vontade, segundo o capitalismo, é o que falta aos moradores de rua, aos desempregados, aos excluídos. Quem tem força de vontade não precisa nem mesmo de cotas para entrar na universidade. Prisões estão lotadas de seres sem… força de vontade. Força de vontade supera a falta de boas escolas, de boa alimentação ao longo da vida, assistência médica de qualidade. Força de vontade não leva em consideração nem mesmo a lógica dos cálculos que atestam falta de vagas, a precariedade dos empregos, a concentração de renda, ou seja, a impossibilidade de atender a todas as demandas criadas pelo capitalismo.

Enquanto lutamos pela redução da jornada, por condições de trabalho, pela solidariedade entre trabalhadores, por políticas inclusivas, vemos cada dia mais trabalhadores, geralmente os mais jovens, caírem no engodo da saída individual, de necessidades criadas que lhes consomem o salário do mês, da falácia de um dia tornar-se um dos vencedores. Mas a triste realidade para eles é que o máximo atingido em suas carreiras é algum posto de chefete, trabalhando horas a mais sem nada ganhar por isto, fazendo o papel de feitor moderno, oprimindo seus iguais enquanto sonha com a grande chance que o imperialismo nunca vai lhe conceder.

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