Fronteiras das FARCs

Ninguém conseguirá dizer com razoável segurança quantos guerrilheiros, garimpeiros ou narcotraficantes colombianos estão em território venezuelano e brasileiro, nem quanta gente daqui está do lado de lá. A fronteira dos três países é uma enorme planície de floresta e água, a 100m do nível do mar, entre os Andes e o Sistema Parima de Serras.

Uns e outros que falam do assunto em seus gabinetes no Rio de Janeiro ou São Paulo, com fins eleitorais, ignoram a realidade ou agem de má-fé. Já o ainda presidente da Colômbia, Álvaro Uribe, pousa de porta-voz dos Estados Unidos para bater no vizinho, já que os americanos dependem do petróleo da Venezuela.

Uribe deixa o poder após eleição que teve 60% de abstenção, por evidente desconfiança do povo no poder central. E os empresários colombianos querem vender para a Venezuela porque lá rola dinheiro. Além do mais, cerca de 4 milhões de colombianos vivem legalmente no país vizinho, para trabalhar, estudar ou mesmo cuidar da saúde no eficiente sistema local.

Nenhum país sul-americano – e não apenas o Brasil, como dizem na TV – classifica as Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia (FARCs) como organização terrorista. A organização nasceu oficialmente em 1964, como braço armado do Partido Comunista da Colômbia.

Sua origem, porém, está na década de 40, quando se iniciou prolongado conflito de forças populares, liberais e de esquerda, contra os conservadores. Com o sucesso da revolução em Cuba, o Partido Liberal deixou de apoiar a luta armada, mas esta se unificou nas FARCs.

As fronteiras nacionais por ali são singelas. Entre Venezuela e Colômbia há o rio Orinoco e seu defluente Cassiquiare, que se encontra com o colombiano Guainía para formar o Negro, braço Norte do Amazonas. Cruzar cursos d’água ou fronteiras secas entre Brasil e Colômbia não requer passaporte nem burocracia.

As FARCs controlam cerca de 15 a 20% do seu país. O governo de lá reconhece essa “presença” e não chega nessas áreas. Um exemplo: há alguns anos, uma expedição científica coordenada pela Universidade de Brasília (UnB), da qual eu participei para cuidar da Comunicação, percorreu o trajeto da foz do Orinoco à foz do Amazonas, em dois meses.

Um dia, estávamos na Venezuela e atravessamos o Orinoco num dos muitos barcos que fazem a travessia para San Felipe, na Colômbia. Compramos o que precisávamos, almoçamos, fomos a museu. A cidade limpa, tudo normal. Só quando íamos saindo é que soubemos que San Felipe estava sob controle das FARCs.

Nessas áreas, a vida segue. O agricultor que produzia coca, como no resto do país, continua produzindo. Folha de coca vira um chá como outro qualquer, mas serve também para refrigerantes (Coca-Cola, Pepsi-Cola e outros) e, de quebra, para a cocaína. Quem já pagava impostos ao governo, paga agora às FARCs.

Apesar de 2.000 soldados e caminhões de dólares americanos no país, Uribe sequer triscou no narcotráfico, segundo os maiores especialistas globais no assunto, inclusive colombianos. As estatísticas dizem que a Colômbia continua líder no setor. E o maior mercado é o norte-americano.

O Brasil é, dos três vizinhos, o mais bem equipado para fiscalizar. A FAB tem aviões com binóculos a laser, que rompem a escuridão. E os satélites rastreiam lá dos céus. Mas o território é muito amplo, com poucos pontos de apoio, o que dificulta essa tarefa.

Técnica indígena de habitações sombreadas, sem clareiras, serve para os brancos. Mas, como a gente já se acostumou a ver, mesmo pistas de pouso clandestinas, a céu aberto, funcionam anos a fio até serem descobertas.

Na tríplice fronteira, no rio Negro, funciona base do Exército brasileiro. Há interceptações eventuais, mas os barcos navegam livremente. Quantos daqueles passageiros serão guerrilheiros? Na cidade de São Gabriel da Cachoeira (AM), 200km rio abaixo, os mercados estão repletos de gente falando em espanhol. É o rancho da guerrilha? Quem saberá? Não há inscrições na testa de ninguém por ali.

Essa é uma realidade que se replica nas fronteiras do Brasil com os outros países amazônicos. Com o Peru, madeireiros vêm cortar árvores em território brasileiro e as levam mundo afora pelo Oceano Pacífico. Garimpeiros brasileiros, que cheiram ouro, para o lado de lá se adentram.

Com a Bolívia, pouco mais de cem anos depois do bandoleiro Plácido de Castro forçar a tomada do Acre do nosso vizinho, o cenário se repete. A província (estado) nortista de Pando está hoje tão repleta de garimpeiros, colonos e outros brasileiros que o presidente Evo Morales jogou pesado.

A grande mídia daqui estranhamente não fala do assunto, mas até aviões da FAB têm sido usados para resgatar famílias brasileiras expulsas da Bolívia, com uma mão na frente, outra atrás.

Não carece, pois, de o presidente venezuelano Hugo Chaves dar credenciais às FARCs para que entrem em seu país. A realidade é muito outra. Se o Uribe não sabe, ou finge não saber, já vai tarde mesmo. E os nossos uns e outros, de focinhos alongados, que falem sozinhos.

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