Fuga de cérebros e talentos

A recente denúncia feita pelo líder cubano Fidel Castro sobre a fuga de cérebros e talentos rumo aos países desenvolvidos (1) é um reforço de peso aos apelos quase sempre solitários da comunidade científica regional, sobretudo a brasileira, que ao longo d

Há anos entidades como a Associação Nacional de Pós-Graduandos (ANPG) e a Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC) pautam esse tema e alertam sobre os prejuízos que essa evasão acarreta aos países mais pobres. Ao abordar esse assunto, Fidel presta um grande serviço não apenas ao seu país, mas a todos que padecem vítimas do mesmo assédio.



 
O caso de Cuba é ainda mais dramático e faz lembrar a famosa frase de São Inácio de Loiola: “Em uma fortaleza assediada, toda dissidência é traição”.


 


Decerto, um país que enfrenta um criminoso bloqueio econômico imposto pelo seu vizinho do norte (ironicamente a maior potência da história da humanidade), resiste às terríveis conseqüências das Leis Helms-Burton, Torricelli e a de Ajuste Cubano (clara afronta à soberania e autodeterminação do povo cubano), e ainda assim continua sendo formador de imenso contingente de cientistas, médicos, atletas e outros profissionais cobiçados pelo mercado internacional, tem razão em adotar mecanismos diferenciados para proteger seu patrimônio humano da cobiça alienígena. Estranho seria se esse mesmo governo que se vê atacado por todos os lados e que assim mesmo assegura educação, cultura, saúde, esporte e lazer gratuitamente para o conjunto da nação através do seu sistema público, não promovesse medidas para resguardar seus interesses e defendesse seus altíssimos investimentos humanos.


 


Em condições bem menos desfavoráveis, o Brasil se dá ao luxo histórico de assistir a saída de sua mão de obra mais qualificada rumo aos países desenvolvidos como se sobrassem profissionais capacitados e os mesmos não fizessem falta ao país. Lembremos que até um presidente da República fez a opção pessoal de lecionar fora do país que governou por oito anos, preferindo ares parisienses.


 


Nada contra o saudável intercâmbio científico e cultural, fundamental na capacitação pessoal e formação de profissionais mais capacitados, todavia é preciso pavimentar uma via de “mão-dupla” para que os países em desenvolvimento também recebam pesquisadores dos centros desenvolvidos. É imperativo diminuir, e não acentuar as desigualdades científicas.



 
No caso brasileiro ainda há de se ressaltar as grandes desigualdades científicas estaduais e/ou regionais internas (o que não acontece em Cuba e nos países desenvolvidos). O deslocamento desordenado de pesquisadores, professores e pós-graduandos dentro do próprio país, onde o destino final é quase sempre os chamados centros consolidados, deve ser combatido com políticas direcionadas a harmonizar o sistema como um todo e salvaguardar os centros de pesquisa e as universidades emergentes ou em formação. Assim, antes mesmo de questionarmos as assimetrias científicas internacionais é necessário planejar minimamente a distribuição de pesquisadores no território nacional.


 


A região norte do Brasil é emblemática e a regra vem sendo a de o estudante mudar para “sul” para fazer o doutorado, por exemplo. Basta lembrar que toda essa região (Pará, Amazonas, Acre, Rondônia, Roraima, Amapá e Tocantins) respondeu por apenas 1,8% dos cursos de doutorado do país em 2004 (2). Justamente essa estratégica região amazônica, detentora de um dos mais complexos ecossistemas e com uma das biodiversidades mais cobiçadas e inexploradas do mundo, mereceria programas mais ambiciosos de atração e fixação de pesquisadores.


 


A falta de planejamento para orientar um crescimento organizado do sistema acaba por acarretar um grande número de mestres e doutores em áreas saturadas ou uma quantidade insuficiente em setores e regiões estratégicas ou vitais para o desenvolvimento do país. Tudo isso deve ser levado em conta no processo – que se torna cada vez mais urgente – de elaboração e implementação de uma consistente política de fixação e emprego de mestres e doutores. A ampliação e diversificação dos mecanismos para a atração e fixação de jovens mestres e doutores, em particular nas regiões Norte, Nordeste e Centro-Oeste e reformulação de programas de fixação de recém-doutores (como o PROFIX) com aumento das cotas para essas regiões, podem ser algumas das medidas mais urgentes a serem implementadas.


 


Pouco adiantará titular 10 mil doutores por ano (meta já superada pelo governo Lula) se muitos desses pós-graduados tiverem como destino certo apenas o exterior ou os centros consolidados.


 


È importante reconhecer que muito se tem avançado na política científica e tecnológica nacional nos últimos anos. As ações hoje desenvolvidas nessa área tendem a elevar ainda mais a participação do Brasil no cenário científico mundial com um financiamento mais estável (ainda que este se mantenha em patamares baixos em função do contingenciamento de recursos para a C&T, em particular dos Fundos Setoriais).


 


Mas o desafio do Brasil é muito maior como impulsionador de um projeto de integração regional que paute C&T como ferramenta estratégica nesse processo de combate às desigualdades entre os países da América Latina. Nações e povos irmãos da América Latina somos vítimas dos mesmos ataques e não podemos abrir mão de especialistas em diversas áreas do conhecimento que são indispensáveis para romper um ciclo de pobreza e subdesenvolvimento. Unida, a América Latina é mais forte para resistir ao colonialismo contemporâneo, saqueador moderno de cérebros e talentos. Só na África no último ano foram mais de 20 mil pesquisadores que deixaram o continente.


 


Na esteira do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) essas reivindicações devem ser apontadas como prioridade para justamente formar os profissionais que irão ajudar a edificar um soberano Projeto Nacional de Desenvolvimento que incentive, no âmbito do Mercosul, propostas de convênios científicos e tecnológicos entre os países. Isso é vital para diminuir as vulnerabilidades dessas nações frente às grandes potências e diminuir o apartheid científico, tecnológico e cultural em todo o mundo. É necessário combater a perniciosa divisão entre aqueles que produzem ciência e o resto que no máximo consegue copiar.


 


Iniciativas como a mobilidade de estudantes e professores, a criação de universidades conjuntas entre países (como por exemplo, a Universidade do Mercosul entre Argentina, Uruguai, Paraguai e Brasil; a Universidade da Amazônia entre Venezuela, Peru, Equador e Brasil, etc), centros de pesquisas consorciados e tantas outras medidas afins, poderiam ajudar a aglutinar conhecimento comum para solucionar problemas similares.


 


Nas vésperas do 15° Congresso Latino Americano e Caribenho de Estudantes (CLAE) a ser realizado no Equador, pós-graduandos brasileiros estaremos presentes a esse evento reforçando a unidade latino-americana em defesa da ciência e da educação.


 


Os povos desse continente, que ao longo de cinco séculos de resistência enfrentaram a várias invasões e saqueios promovidos por várias potências, dessa vez saberão usar a força da unidade e do conhecimento para derrotar a maior de todas as ameaças que se apresenta a humanidade na atualidade representada por George W. Bush e seus aliados.


 


 Notas:



(1)  Reflexiones del Presidente Fidel Castro – El robo de cerebros. Granma, pag. 1, 18/07/2007.
(2) Plano Nacional de Pós-Graduação – PNPG 2005-2010. CAPES, 2004.

As opiniões expostas neste artigo não refletem necessariamente a opinião do Portal Vermelho
Autor