Gagui: Alguma coisa fora da ordem

Acostumaram tão mal a periferia, que quando um de nós vai preso, se envolve com o tráfico, rouba, mata… Nosso povo não percebe nada de mais, mas quando alguém sai do gueto e ocupa vaga nas universidades, parece que tem alguma coisa fora da ordem.

O sistema age com tanta covardia no nosso psicológico que acabamos nos condenando uns aos outros, estranhando quando ascendemos socialmente ou conquistamos algo. Mas precisamos parar de pensar que a universidade é ''coisa de branco'', é ''pra filho de playboy''. Temos na educação um direito constitucional, embora não muito útil em sua prática, mas precisamos fazer uso desse direito, pois é de vital importância para o nosso futuro.


 


Mas para isso tornar-se realidade precisamos reeducar nosso povo, revendo conceitos e deixando de lado velhos hábitos. Como o de enxergar aquele que estuda como o ''crente'', o ''CDF''.


 


Pense nos diferentes padrões de vida daqueles que tiveram formações acadêmicas, dos que tiveram a esquina, a malandragem como opção. E quando falo em opção, é diferente de condição, pois muitas vezes temos oportunidades, mas as jogamos fora.


 


Somos discriminados por não termos escolaridade, por não termos empregos decentes, por sermos provenientes dos lugares mais precários, por vivermos nas piores condições de sobrevivência. Mas por outro lado temos o desconforto de sermos discriminados também pelos nossos. Por estarmos ocupando cadeiras que não foram destinadas para nós, por mantermos contato com pessoas de outras classes sociais, por circularmos em nossas quebradas com cadernos, pastas e mochilas. Enfim, é uma guerra de conceitos estabelecidos com maestria pelo sistema opressor, que quer com que nos destruamos e enxerguemos em nós o pior dos inimigos.


 


Mas temos que nos desprender desses laços segregacionistas que fazem com que tenhamos receio de habitarmos outras atmosferas. Precisamos urgentemente demarcar o território destinado para nós sim, com toda a certeza, pois não existe espaço que seja inabitável para nosso povo.


 


E já que o hip-hop há anos vem sendo um ótimo instrumento de resgate da auto-estima da juventude periférica de todo o Brasil, não podemos nos abater, precisamos mostrar para a sociedade que também queremos uma fatia do bolo.


 


Quando falamos que o pobre que pensa torna-se uma ameaça, é porque o sistema, as elites dominantes desse país, não vêem com bons olhos nossa educação e nosso conhecimento. Mas para que possamos revolucionar e transformar de fato o que almejamos é imprescindível que deixemos de lado somente as posições artísticas e as teorias. Prática, essa é a nossa cara.


 


É com extrema urgência que precisamos de políticas públicas para a nossa juventude. Há anos vem se desenvolvendo nas periferias do Brasil uma guerra não declarada, aonde jovens vêm morrendo, onde famílias estão se desestruturando e há um bom tempo a sociedade em geral vem sendo atingida, pois a violência alcançou proporções inimagináveis. E somente a educação fará com que essa guerra tenha fim ou aconteça uma trégua, capaz de reabilitar nossa juventude.


 


Então deixe de lado seu pensamento separatista e comece a enxergar a escola como instrumento de ascensão social, para lutarmos contra as injustiças e passarmos a contabilizar em nossas ruas de terra não corpos, mas sim formandos.


 


P.S.: Texto escrito com caneta da UCPel (Universidade Católica de Pelotas), onde curso Jornalismo.


 


Gagui é raper de Pelotas Rio Grande do Sul estudante de Jornalismo.

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