“Gravidade” Replay
Os limites das naves orbitais e o risco das armas letais são abordados pelo cineasta mexicano Alfonso Cuarón neste seu thriller
Publicado 13/03/2014 13:39
A grande vantagem de “Gravidade” é não vender mais do que oferece. Trata-se de um thriller bem estruturado, com cortes rápidos e personagens sem psicologismos. O cineasta mexicano Alfonso Cuarón (“E Sua Mãe Também”, 2001), conhecedor das técnicas dos seriados de ficção científica (“Flash Gordon”, 1936), valeu-se dos avançados efeitos especiais atuais e de uma narrativa envolvente para manter o espectador atento.
Cuarón e seu filho Jonas, corroteirista, põem três personagens numa nave exploratória em orbita na Terra. Mas durante sua manutenção dois fatos complicam o trabalho da equipe: o defeito no sistema de comunicação e o disparo de um míssil russo, que atinge a Estação Espacial Internacional (EEI). Este é o fator detonador de toda ação do filme, que se passa no presente, a 600 mil/km do planeta.
Este é seu diferencial. Cuarón o trouxe para 2013, ao invés de fazer uma ficção científica futurística. A nave STS 157 usa a EEI como base de seus deslocamentos, como fazem hoje EUA, Rússia, Japão e China para suas pesquisas científicas e exploração do universo. Nada que o espectador não esteja acostumado a ver pela TV. É esta familiaridade que o identifica com a médica/astronauta Ryan Stone (Sandra Bullock).
Stone odeia o Espaço
Embora o tenente Matthew Kowalsky (George Clooney), comandante da nave, e o astronauta Sheriff, tentem evitar a catástrofe, caberá à Stone sobreviver em meio ao caos. Ela é a replica da tenente Ripley (Sigourney Weaver), de “Alien – O Oitavo Passageiro” (1979), com igual sensualidade, mas sem a mesma determinação. Porém é frágil e insegura quanto a conduzir a nave de volta a Terra, o que a humaniza. “Odeio o espaço”, desabafa.
Nem por isso, Cuarón deixa de incluí-la na galeria das heroínas espaciais. Os ambientes por onde ela circula são opressivos, estreitos, não oferecem alternativas, senão moldar-se a eles. A cada obstáculo superado, da EEI à Soyuz russa e daí a Estação Espacial Chinesa, vê-se que Cuarón expande as armadilhas dos seriados de aventura (“Os Perigos de Nyoka”, 1942). E o espectador torce para que ela escape, devido à sua aflição e abandono.
No entanto, suas angústias circunscrevem-se ao trauma pela morte da filha e o sonho em que Kowalsky ressurge para socorrê-la. Ou do homem, da mulher e da boneca flutuando na Soyuz e de sua conversa com o astronauta chinês. São sequências que mostram ser ela um ser humano, não uma entidade saída da mitologia grega. E reforçam o filme como thriller com efeitos especiais de última geração e ótima fotografia do mexicano Emmanuel Lubezki.
Cuarón não é Kubrick
Esta abordagem de Cuarón foge às questões levantadas pela matriz da ficção científica exploratória: “2001 – Uma odisséia no Espaço” (1968). O diretor Stanley Kubrick (1928/1999) e o escritor-cientista Arthur C. Clark (1912/2008), seu corroteirista e autor do conto “Sentinela”, em que se baseou o filme, dotaram-no de indagações filosóficas, evolucionistas (darwinistas), pondo estações orbitais, viagens interplanetárias e expedição a Júpiter como eventos possíveis. E, além disso, transforma a máquina, o computador, numa extensão do ser humano.
Hall 9000, o hiper computador que controla a nave Discovery, é a extensão dos astronautas David Bowman (Keir Dullea) e Frank Poole (Gary Lockwood) e de sua tripulação. Quando ele põe o voo em risco, Bowman o surpreende com a capacidade que o ser humano tem de encontrar saídas, ausentes num software. Assim, a competição homem/máquina é superada. Bowman usará sua criatividade para conduzir a nave a Júpiter sem a Inteligência Artificial
É através de “2001” que Kubrick e Clark tentam desvendar os enigmas persistentes na humanidade: o da origem do homem e seu futuro. O ser humano e os seres vivos são frutos da evolução sustentada por Charles Darwin (1809/1882) em “A Origem das Espécies” e ”A Origem do Homem” (vide os macacos), o concerto do Universo é decifrável, existem outras formas de vida em outros planetas (o enigma do monólito) e a vida pode reversa.
Rússia surge como vilã
Cuarón não tem estas preocupações. O que move sua narrativa é o míssil russo, disparado numa manobra. O que reforça a necessidade do mainstream hollywoodiano e congêneres de ter um alvo bem visível. A Rússia é seu vilão atual por bloquear o cerco imperialista de suas fronteiras, feito pelos EUA e seus aliados na União Européia (UE) e impedir a invasão da Síria e do Irã.
Trata-se da configuração do conflito entre a unipolaridade enfeixada pelos EUA e seus aliados na UE e a emergência da multipolaridade configurada nos Brics (Brasil, Rússia, India, China e África do Sul). A Croácia é tão só mais um palco desta disputa. Só a interdependência econômico-financeira planetária pode definir este conflito cujo centro é a geopolítica. Cuarón ao pôr a Rússia como vilã de seu thriller só reforçou o estigma hollywoodiano.
“Gravidade” (“Gravity”). Thriller. Inglaterra/EUA. 2013. 91 minutos. Edição: Alfonso Cuarón/Mark Sanger. Música: Steve Price. Fotografia: Emmanuel Lubezki. Efeitos Especiais: Tim Webber. Roteiro: Alfonso e Jonas Cuarón. Direção: Alfonso Cuarón. Elenco: Sandra Bullock, George Clooney.
(*) Oscar 2013: Melhor diretor, Edição, Trilha Sonora, Fotografia, Efeitos Visuais, Edição de Som, Mixagem de Som.
Confira o trailer de "Gravidade":