Gregório Bezerra – Fadado à luta de classes
Não há hierarquização de prioridades na leitura de Memórias, livro de Gregório Bezerra. Há traços que mais se sobressaem no perfil do militante; do militante e do adolescente ainda pasmo com a crueza do mundo. Do apenado, que cumpriria mais seis anos de cadeia, ouviu-se, depois de ser lembrado de que cumprira muitos anos de prisão:
Publicado 01/09/2011 19:22
– Eu não tenho a esperança, tenho a certeza absoluta de conquistar a liberdade, porque ela não depende inteiramente da ditadura (…), é patrimônio do povo…
A esperança que o animou a percorrer o interior de Minas Gerais, de Goiás, para reorganizar o Partido, inda que à custa de fome e de noites dormidas nos matos. No trajeto, conheceu militantes de contorno nunca suspeitado por sua personalidade tosca, de Panelas de Miranda. Chocou-se com o instrutor de um curso, em Goiânia, porque propôs que o nome do jornal mural do curso fosse Voz do Coletivo, em vez de Educador Stalinista. O instrutor, rebatendo-o, mencionou-o passível de expulsão caso não conhecesse o passado de lutas de “Estêvão”. Em sua defesa, “Estêvão” embasou-se no passado referido pelo outro; na réplica, não omitiu o tratamento de camarada. Excitado, não dormiu e pensou em abandonar o Partido, não o fazendo para não “prejudicar a realização do curso, com a possibilidade de a reação descobrir a concentração (…), e eu ser acusado de delação.” Animou-o o propósito de retomar a unidade com o “camarada Vilar.” O laço camaradesco não foi restabelecido. A troca de palavras se deu tão somente durante as aulas.
O primeiro desencontro com Diógenes Arruda deu-se quando manifestou descrença quanto à eleição de Adalgisa Cavalcanti, Antonio Marques e João Justino no pleito de 1945. “… estamos bombardeados! – teria dito Arruda – Com um secretário de Massas, de Agitação e Propaganda tão pessimista, só podemos perder as eleições!” Ante a perplexidade de todos, Gregório teria sugerido sua substituição na função, mesmo acreditando na “capacidade extraordinária de trabalho” do secretário de Organização do Comitê Central.
Depois, quando Arruda “fez psiu” para ele se calar numa conversa com estudantes na sede do Comitê Estadual, Gregório reagiu intempestivo. O incidente foi tratado no pleno do comitê. Houve acusações de parte a parte. O primeiro, portador de “espírito pequeno-burguês”; o outro, “Stalin brasileiro no Partido, porém sem a capacidade e a inteligência do camarada Stalin.” O mesmo “psiu” em sua direção, Gregório ouviu no final de um discurso na Câmara dos Deputados. Após jogar sua carteira de parlamentar na mesa de Arruda, dissuadiu-se de não renunciar, ajuizando “que a reação tinha agido (…) mil vezes pior do que aquele dirigente partidário.”
A sentença definitiva sobre Arruda, proferiu-a na redação da Folha do Povo, após o golpe de 64. Não encontrou nenhum outro camarada, a não ser Arruda, que ali fora para “cumprir qualquer tarefa” que o Partido lhe confiasse. “… passei a respeitá-lo como verdadeiro revolucionário comunista, embora discordando de seus métodos de trabalho.”
Fica a suspeita de incompatibilidade entre, de um lado, a praticidade veloz de Diógenes Arruda, de outro, a incontinência verbal de Gregório Bezerra.
Gregório não tomou parte na luta interna do Partido. Tinha por Prestes uma relação de respeito acrítico, sem ousar qualquer retoque nas opiniões do “cavaleiro da Esperança. Reencontra-o depois de dez anos sem vê-lo, no Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro. Diz que então pôde orientar-se “melhor sobre a luta interna.” Só na altura da metade das mais de seiscentas páginas do livro, diz que o Partido Comunista do Brasil era chamado assim “naquela época.” Da influência de Prestes, resulta que compara Stalin menor que o “velho e admirável camarada Nikita Kruchov…”
Conheceu Lincoln Oeste, reorganizador do PCdoB, e menciona-o como “heróico militante revolucionário (…) assassinado pelos bandidos da ditadura fascista.”
Há excessos na narrativa de Gregório, porquanto fora um pregador contumaz. Em que pese tratar-se de suas Memórias, há autoelogios. Há também uma prosa miúda que dá conta de seu perfil adolescente – “Ensinaram-me muitas rezas, a maioria das quais eu já sabia, mas desde que minha mãe morrera deixara de rezar. Eu desejava que fosse sempre dia, só para me livrar de tão grande xaropada.” Simples, magistral.