Guevara, Mujica e a tergiversação midiática 

A mídia transforma símbolos revolucionários em produtos e distorce trajetórias como as de Che Guevara e Mujica, apagando seus ideais em nome da narrativa dominante.

Mujica em 2023 | Foto: Daniel Ramalho/Agence France-Presse/Getty Images

Quando em 2007 se assinalavam 40 anos do assassinato de Ernesto Che Guevara, em La Higuera, Bolívia, pelo Exército boliviano e pela CIA, vivíamos o ambiente da maior campanha mundial de culto ao individualismo de todos os tempos, encetada na virada do século. 

A debacle da União Soviética e das democracias populares do Leste europeu servia como pano de fundo. A suposta superioridade do capitalismo marcava um hipotético “fim da História”.

A solidariedade passara a ser démodée, valia a ambição individual como meio de ascensão social numa sociedade marcada pela exploração e pela desigualdade. A calça jeans US Top desbotada passara a símbolo de liberdade.

O ideal do socialismo devia ser arquivado. 

Entretanto, dando razão a Karl Marx, para quem o capitalismo tudo transforma em mercadoria – a força de trabalho, sobretudo -, mundo afora se comercializaram milhões de camisetas, bonés, chaveiros e amuletos estampando a figura do revolucionário argentino-cubano, precisamente a encarnação de que vale dar sentido à vida abraçando uma causa justa, inclusive correndo todos os riscos individuais que a luta revolucionária implica. 

Na grande mídia, então, estatísticas das vendas realizadas eram saudadas como eficiência do mercado. 

Agora, com a morte do líder uruguaio Pepe Mujica, ex-guerrilheiro tupamaro na resistência à ditadura militar (1973 e 1985), aprisionado por 13 anos e vítima de terríveis torturas; e, posteriormente, presidente da República (2010 e 2015) pela via eleitoral, o que se vê, lê e ouve, na grande mídia, é a distorção da personalidade do militante revolucionário. 

Mujica agora é saudado não como um líder político que foi capaz de travar a luta pelos mesmos ideais sob as condições da legalidade democrática, mas falsamente como quem teria aberto mão de suas convicções e adotado como objetivo central de sua militância a conciliação de classes. 

A mesma grande mídia que hipocritamente critica a guerra cultural pela via digital, que a tudo deturpa em favor de uma realidade paralela – na qual se explora a desinformação, o ódio e a falsa aspiração à ascensão individual como ideal de vida -, faz a sua parte.

Entretanto, como bem escreveu Priscila Lobregatte aqui no ‘Vermelho’, os braços de Mujica se foram, como os de Guevara, mas nós ainda estamos aqui.

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