Holocausto no gueto de Gaza

Paulo Sérgio Pinheiro é professor-adjunto de relações internacionais da Brown University (EUA) e pesquisador associado do Núcleo de Estudos da Violência da USP. Foi secretário de Estado de Direitos Humanos no governo FHC.

No dia dos santos reis (6/1), ele afirmava pela Folha de São Paulo nada esperar para os próximos dias “a não ser a intensificação da dança diplomática entre Jerusalém e Ramallah”. Como pano de fundo, bombardeios, o avanço da invasão por terra (e mar), massacre de civis, mais foguetes do Hamas, a caçada letal aos líderes do Hamas (e o trucidamento de suas mulheres e crianças).



Na mais alta densidade demográfica do mundo, 4.000 pessoas por km2, imprensada entre o mar e as fronteiras com Israel e Egito, Gaza não pode ser bombardeada sem que haja muitas mortes de civis, mulheres e crianças. Uma para cada quatro vítimas do massacre, segundo a ONU. Mais de 2.000 feridos “e os hospitais não dão conta das amputações”, disse Pinheiro.



Para ele, a grande desproporção entre a guerra total de Israel e os ataques de foguetes do Hamas, ou a resistência à ocupação israelense, fica patente, apesar do bloqueio à entrada de qualquer jornalista ocidental: “o ocupante não quer testemunhas do massacre”.



Israel, ao fechar os acessos da fronteira de Gaza há meses, descumpre suas obrigações como potência ocupante e pune coletivamente a população civil. O sistema de água e esgoto em colapso, destruídas as linhas de eletricidade, há meses não há combustível para gerar energia. Foram arrasados hospitais e escolas. “Mulheres e crianças são aterrorizadas”, diz Paulo Sérgio.



Da estrela de Davi à cruz gamada



A oposição dos EUA a um simples “documento diplomático” do Conselho de Segurança da ONU pedindo o cessar-fogo confirma seu apoio escancarado a uma das partes do conflito. Por isso, razões ao presidente Lula ao fazer, de pronto, duras críticas à atuação da ONU e também à posição dos Estados Unidos diante do massacre israelense.



“Não pode apenas os Estados Unidos ficar negociando, porque já provou que não dá certo”, disse Lula com razão. Quanto à Europa, desde a eleição do Hamas, foi incapaz de ter iniciativas autônomas em relação ao governo Bush, apesar do uso excessivo de retórica diplomática.



Para o professor Paulo Sérgio Pinheiro, o apoio exclusivo dos EUA e da Europa ao Fatah e ao presidente Mahmoud Abbas, na Cisjordânia ocupada, na esperança de que a população de Gaza deixasse de apoiar o Hamas, foi um grande equívoco. Essa política desastrada de isolamento do Hamas transformou Gaza num enclave semelhante aos antigos guetos de apartheid na África do Sul. 



Já em 30 de dezembro, a Folha de São Paulo alertou para o que chamou de “brutal reação de Israel, que abusou do legítimo direito de defesa e provocou uma crise humanitária na faixa de Gaza”. E foi além: a reação foi “assentada em motivações não apenas militares, mas também políticas”. É “uma cartada da coalizão governista para evitar a vitória de Netanyahu na eleição do novo gabinete”. Outra suspeita de Lula.



Na mesma edição da Folha, o jornalista Clovis Rossi é ainda mais claro: “A bem da verdade, Israel vem cometendo crimes contra os palestinos há muitíssimos anos, a começar do desrespeito à resolução da ONU que manda devolver os territórios palestinos ocupados em sucessivas guerras”.

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