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Apagão em estrela reforça teoria de cientista brasileiro

Às 3h35 da manhã (4h35 de Brasília) de segunda-feira (5) em La Serena, no Chile, o astrônomo Augusto Damineli, 61, sentava-se na cadeira que permite controlar o telescópio Soar (Observatório do Sul para Pesquisa Astrofísica). Ansioso, testemunhou um

O prédio de controle do Soar, na verdade, fica a 80 km do equipamento, que está no topo de Cerro Pachón, a 2.701 metros de altitude. Em La Serena, 475 km ao norte de Santiago, na beira do Pacífico, o observatório fica próximo de centros produtores de vinho e pescado. E, terça, não faltou motivo para abrir uma garrafa.


 


Controle remoto


 


''Patrício! A Eta Carinae.'' O pedido que parte de La Serena vai em direção ao astrônomo chileno Patrício Ugarte, que está no morro. Ele sim é quem pode por as mãos no telescópio. Segundos depois, é possível ver e ouvir a resposta (via teleconferência): ''Pronto!''.


 


O espelho de 4,2 metros do Soar, a partir das coordenadas dadas por Ugarte, já está olhando para Eta Carinae. Damineli, com auxílio do também brasileiro Luciano Fraga, que há um ano e sete meses trocou Florianópolis pelo norte do Chile, faz as primeiras medições, via computador.


 


Basta um único gráfico, que mostra a presença dos elementos químicos ferro e nitrogênio -medidos nos gases que circundam Eta Carinae- para comprovar a previsão. ''Chegou lá'', comunica Damineli. A ''assinatura'' do apagão é uma diminuição na luminosidade de nitrogênio e hélio detectados pelo telescópio, que enxerga frequências de luz invisíveis ao olho humano. O apagão não é visível a olho nu, mas no Soar o sinal é mais do que claro.


 


Cinco anos e meio


 


O fenômeno, como havia sido previsto pelo próprio pesquisador brasileiro, voltou a ocorrer depois de 5,5 anos, dentro da margem de erro, que era de dois dias para mais ou para menos. ''Isso que é precisão'', Damineli diz à estrela que observa. ''Se eu tiver uma neta, vou colocar o nome de Carina.''


 


Damineli explica que Eta Carinae, na verdade, não é uma estrela única, e sim um sistema com duas. Terça, no céu, perto do Cruzeiro do Sul, a estrela Eta Carinae B estava no momento mais profundo de seu mergulho no campo de influência da estrela A, que possui 2,5 milhões de anos.


 


Os gases e o plasma dessa estrela pertencente à classe das hipergigantes azuis são tão coesos que é possível dizer que uma estrela ''entra'' na outra. O que ocorre é uma colisão violenta de seus ''ventos'' -as partículas carregadas que as estrelas lançam a grandes velocidades no espaço.


 


''Na área de choque dos ventos das duas estrelas, a temperatura é de 100 milhões de graus Celsius'', explica Damineli. O vento da menor delas, de 3.000 km/s, bate no vento da maior, que trafega a 600 km/s. E esse ''atrito'' induz o apagão.


 


O registro do fenômeno na terça em La Serena -cidade onde nunca chove, mas fica nublada nas manhãs de verão- é como ''marcar um gol'', diz Damineli. Ele já estava lá se preparando para o evento havia um mês. Na semana entre Natal e Ano Novo, subiu até o telescópio acompanhado apenas de um colega para fazer pessoalmente algumas observações.


 


Ciência nas alturas


 


''Lá em cima é muito bom'', diz Damineli, revelando também o seu gosto pela astronomia romântica. Hoje, devido à tecnologia, boa parte dos equipamentos podem ser operados remotamente, de qualquer parte do mundo. ''Não poderia perder a oportunidade de observar esse apagão.'' Sua presença lá era considerada importante, já que boa parte da biografia ''quase acabada'' de Eta Carinae saiu de estudos feitos por seu grupo, na USP (Universidade de São Paulo).


 


A primeira observação que Damineli fez de Eta Carinae foi em 1989, no Brasil, onde não há nenhum telescópio -nem tempo bom- como o Soar. Depois disso, Damineli assistiu a três apagões, com o de terça.


 


Ele quem primeiro defendeu o modelo de que Eta Carinae era um sistema duplo, e não uma única estrela. Além da previsão do ciclo exato de 5,5 anos para ocorrer o apagão. Sua teoria ainda não é unanimidade na comunidade de astrônomos, mas a observação de terça deve lhe dar força.


 


O apagão não é como um eclipse nem pode ser visto dentro da faixa de luz do visível. São apenas os canais de alta energia da estrela maior que somem. A presença do astro menor muito próximo do maior (a distância que normalmente é de 4,5 bilhões de quilômetros cai para 150 milhões de quilômetros) ofusca a energia que emana da Eta Carinae A. Damineli constatou isso por meio de sinais dentro da faixa do ultravioleta.


 


Matéria da vida


 


Eta Carinae, exótica por si só, chama a atenção dos cientistas há tempos. São publicados em todo mundo dois estudos por mês sobre a estrela. Mas há razões científicas importantes para estudar esse verdadeiro fóssil estelar -corpos celestes como esse existiam aos milhões nos primeiros 2 bilhões de anos do Universo, que hoje tem 13,7 bilhões de anos de idade.


 


''Estrelas como a Eta Carinae são especialistas em produzir e liberar oxigênio. Essas estrelas são responsáveis pelo preenchimento de várias casas [elementos] da nossa tabela periódica'', afirma Damineli.


 


Estudar o coração da Eta Carinae e entender por completo como ele se expressa é conhecer mais sobre as condições químicas para o surgimento da vida. Ajudaria a entender por que a água, no Sistema Solar, é algo tão abundante. Para Damineli, ''rastros de atividade biológica precisam ser procurados fora do Sistema Solar''.


 


Mesmo com o êxito de ontem, Damineli revela: ''esse provavelmente foi meu último apagão. Agora, o resto será com os meus alunos''. Sua próxima missão é bem mais ousada: ''Temos dados suficientes para mostrar que o modelo atual da Via Láctea está errado'', afirma.


 


De um jeito ou de outro, mesmo que Damineli não volte ao Soar para observar Eta Carinae, o próximo apagão já tem data: o inverno de 2014.


 


Fonte: Folha de S.Paulo