Impasses na Palestina
Nesses mais de cinco anos de coluna semanal do Vermelho, talvez esta seja a terceira vez que utilizo esse título referente ao impasses na Palestina ocupada por Israel. No entanto, diferente das vezes passadas quando os impasses diziam respeito às negociaç
Publicado 28/06/2007 14:08
Origens do problema
Comentamos na semana passada os problemas e as diferenças de concepções entre as duas grandes facções existentes na luta de libertação da Palestina, o Hamas (que em árabe é o acrônimo de Movimento de Resistência Islâmica) e o Fatah (acrônimo invertido de Movimento de Libertação da Palestina). O segundo grupo é laico, ainda que integrado por uma maioria muçulmana. Já o Hamas é quase um partido religioso, fundamentalista (apegado aos princípios e os fundamentos do Al Corão, livro sagrado dos muçulmanos). Chegamos a criticar ambos os lados da luta, por erros cometidos e defendemos a unidade do povo e da luta. Mas, sabemos que os problemas são mais profundos e aqui vamos comentar alguns aspectos.
De fato, desde 1965, quando Yasser Arafat criou o grupo, o Fatah, essa organização assumiu o comando da luta de libertação. São 42 anos à frente da luta e dos governos instalados desde os acordos de Oslo de 1993 (há 14 anos). Isso, naturalmente, causou e vem causando desgastes. Há casos de malversação de fundos, de recursos materiais, denúncias de corrupção nem sempre apuradas.
A partir de janeiro do ano passado, pela primeira vez, o Hamas venceu uma eleição, com ampla Marge em Gaza e margem menor na Cisjordânia, berço do Fatah. Ocorre que a partir desse momento, a tal democracia ocidental decidiu boicotar toda e qualquer ajuda humanitária que antes vinham em grande quantidade. Achavam que fazendo isso e impondo um sacrifício adicional a um povo sofrido, esse mesmo povo voltaria aos braços do Fatah e abandonaria o radicalismo do Hamas. Ao contrário. Esse agrupamento se fortaleceu e criou na Faixa de Gaza o que vem sendo chamado de “Hamastão” (1). A tática de desmoralizar o Fatah e enfraquecer esse grupo político mais moderado e laico, achando que políticos mais “modernos e moderados” poderiam vencer as eleições e suceder a Arafat, acabou vencendo os fundamentalistas do Hamas. Vem sendo assim no Oriente Médio em todas as eleições “livres” que vêm ocorrendo nos últimos anos. Os EUA não ganham uma eleição.
Hoje, depois de alguns dias de combates, conflitos e muitas mortes, o grupo Hamas, do primeiro Ministro Ismail Haniyeh, assumiu totalmente o controle da Faixa de Gaza. Essa é uma pequena região de no máximo 365 quilômetros quadrados onde mora 1,4 milhão de palestinos, uma região das mais povoadas do mundo (densidade populacional de 3.835 hab./Km2), ao passo que na Cisjordânia ocupada vivem dois milhões de palestinos em uma área bem maior, de 5.700 Km2 (o que perfaz uma densidade demográfica de 350 hab./Km2, ou seja, 11 vezes menos povoado que Gaza). As condições de vida e trabalho em Gaza são precaríssimas, desemprego na casa de 40 a 50% da PEA e renda diária em torno de dois a três dólares por pessoa.
Apesar de uma área maior, o Fatah de Abbas não detém o controle da região. Para viajar de uma cidade para outra os palestinos tem que passar pelos famosos checkpoints completamente controlados por soldados do exército israelense e precisam de autorização, seja para visitar parentes ou fazer tratamento médico. Na verdade, o Fatah só detém em torno de 17% das terras da Cisjordânia.
A tática ocidental de cortar recursos para um governo que eles não concordam foi a pior e mais errada possível. Não se pode financiar apenas governos que se apóia, pois a ajuda não é para o partido do governo, mas sim para o povo sofrido, o palestino. Desde Ariel Sharon em 2000, quando se tentou com todas as forças, enfraquecer a liderança palestina, desacreditando Yasser Arafat, foi o maior erro tanto de Israel como dos Estados Unidos.
Esses dois países acabaram quase que exigindo que os palestinos mudassem a sua constituição e adotassem um sistema parecido com o francês, com um presidente que tem alguns poderes, mas com um primeiro Ministro que cuidar do governo. Ainda assim, quando o Fatah vencia as eleições, e mesmo depois que Mahmoud Abbas foi eleito primeiro ministro e depois presidente, seguiu-se a tática de enfraquecer e desmoralizar os governos e a autoridade palestina. Hoje, não se pode sequer falar em acordos de paz, pois os interlocutores estão digladiando entre si e os que venceram as eleições pelo voto popular estão desacreditados pelas potenciais internacionais.
Mais recentemente, depois de 14 de junho, até um governo, sem voto algum, derrotado nas urnas, cujos líderes perderam eleições, foi nomeado por Abbas para “governar” a Palestina. Trata-se do economista Salam Fayyad, ex-funcionário do Banco Mundial, formado pela Universidade do Texas. Não só um político extremamente moderado, de confiança do presidente Abbas, mas também apoiado e de confiança de Israel, do primeiro Ministro Ehud Olmert, o mais impopular da história, como de confiança dos Estados Unidos, que vem lhe abrindo as torneiras financeiras, na tentativa de isolar o Hamas.
Os verdadeiros impasses
Não vejo a menor perspectiva de paz na região. Agora se corre o sério risco de um conflito armado entre irmãos, entre palestinos de várias facções. Não usaria o termo “guerra civil”, ao qual espero que a isso não evolua. Mas preocupa-me as mortes entre os palestinos, estimadas em quase mil nos últimos meses. Há erros e sectarismo de ambos os lados. Da parte do Fatah que não aceita a derrota nas urnas e insiste num caminho extremamente moderado do conflito e insinua várias concessões à Israel e há muito sectarismo da parte do Hamas que insiste em não negociar como Fatah e ampliar o seu arco de alianças políticas. Deve-se encarar como inimigo principal o imperialismo norte-americano e o governo de Israel. Ajustes de contas entre facções deve ocorrer, se ocorrer mesmo, em outro momento e oportunidade.
Não basta a acusação do Fatah de que a fundação do Hamas contou com o dedo dos Estados Unidos e de Israel e do outro lado o Hamas afirmar que o Fatah é moderado e vendeu-se à Israel. É certo que as torneiras financeiras de recursos foram escancaradas agora pelos EUA e Israel e até mesmo armamentos americanos e israelenses foram fornecidos para as milícias palestinas do Fatah. Ainda assim, com metade de homens das milícias fiéis a Abbas (estimada em 12 mil homens), o Hamas conseguiu ocupar e tomar por completa a Faixa de Gaza e as instalações governamentais.
Israel perdeu a oportunidade histórica de estabelecer um acordo de paz mais justo em 2000, quando ainda vivia Arafat, em reuniões ocorridas em Camp David nos EUA, sob os auspícios dos americanos. Da parte de Israel acusa-se os palestinos de não terem aceitado os acordos. Era primeiro ministro à época Ehud Barak (hoje novo líder do Partido Trabalhista de Israel – PTI, de feições sociais-democratas). Quem radicalizou e tornou os acordos inaceitáveis para os palestinos foram os israelenses. Chegaram à reunião com 14 pontos impossíveis de serem aceitos, entre eles o controle total de Jerusalém como capital dos dois estados; controle total das fronteiras do Estado Palestino, incluindo os controles do espaço aéreo e do suprimento de água do Estado Palestino.
É preciso parar a luta entre os palestinos e restabelecerem a unidade perdida. Um governo de união nacional deve ser formado. Por parte dos ocidentais, especialmente dos EUA e a União Européia, devem seguir enviando suas ajudas humanitárias, alimentos e remédios para o governo palestino, qualquer que seja ele eleito pelo voto direto do mesmo povo, sob pena de ocorrer o que disse certa vez Bertold Brecht “não seria mais fácil o governo dissolver o povo e eleger outro?”. Triste ironia hoje: dois governos palestinos, um na Faixa de Gaza do Hamas, que tem base popular e de massa e muitos votos e na Cisjordânia um governo do Fatah, sem votos e sem legitimidade alguma. Um verdadeiro impasse que ninguém arrisca como pode terminar.
Nota
(1) Ver excelente matéria do combativo e consciente jornalista Antônio Luiz M. C. Costa da revista Carta Capital de 27 de junho de 2007, página 40-42 intitulada “Hamastão versus Fatahstão”.