Informação no espaço

As recentes revelações de espionagem do governo dos Estados Unidos, envolvendo a própria presidente Dilma Rousseff, levantaram um tema que, em verdade, é pra lá de conhecido. Cobrado por Dilma, o presidente Barack Obama confirmou ser esta uma prática rotineira dos serviços de inteligência de seu país, mas disse não saber a exata extensão dessa bisbilhotice.

As incursões do serviço secreto ianque só podem ser contidas, entretanto, com um bom serviço de contraespionagem, o que envolve pessoal e equipamentos, e isso nos remonta a muitas histórias. Boa parte delas relacionadas ao Programa Espacial Brasileiro e ao controle das informações que circulam no espaço.

Os principais dados que vêm do céu são dos campos da meteorologia, tráfego aéreo e telecomunicações. Neste último é que flutuam todos os sinais de rádio, TV, telefonia e internet. Nele não há segredo que não passe por algum satélite geoestacionário, que o Brasil já teve, mas não tem mais.

Na parte de meteorologia, nós usamos as informações do GOES, também americano. É um programa eficaz, com dados acurados, mas manipulável. Um exemplo disso foi o da guerra das Malvinas, em 1982, entre a Grã-Bretanha e a Argentina, em que um satélite desse sistema mudou de localização no espaço, colocando em parafuso os dados meteorológicos na região, inclusive no Brasil.

No caso, foi uma decisão do governo dos EUA, que colocou em usou o sistema global, operado pela sua agência espacial, a NASA, com empresas privadas, que são a Hughes, Lockheed e Boing, principalmente. Era uma determinação de estado em favor da Grã-Bretanha, que as operadoras cumpriram com rigor.

Quanto ao tráfego aéreo, este é um setor em que o Brasil muito padece. Aqui, quase todo tráfego aéreo é controlado por torres terrestres. Por isso, há casos de “buracos negros”, especialmente na parte Norte da Amazônia brasileira, nas proximidades do Sistema Parima de Serras, onde está, por exemplo, o Pico da Neblina, ponto mais elevado do País.

Nesses “buracos” da comunicação terrestre, os pilotos recorrem ao GPS (Geo-Positioning Satellites), também sob controle da NASA. Um satélite geoestacionário brasileiro supriria todas essas informações, com risco muito menor para o nosso crescente tráfego aéreo.

A parte mais crítica, contudo, é a das telecomunicações. Há muitos anos, o governo brasileiro comprou o direito de uso do Brasilsat, satélite fabricado pela empresa Hughes, americana, em conjunto com a Spar, canadense.

A operação desse equipamento ficava a cargo da Embratel, a estatal brasileira do setor, mas esta foi privatizada pelo governo FHC, com satélite e tudo. A compradora foi a Verizon Communication, americana.

Na mesma época, os governos brasileiro e americano assinaram o Acordo de Salvaguardas Tecnológicas, pelo qual o Brasil praticamente entregava a Base de Alcântara aos EUA. Denunciado quando ia sendo aprovado num pacote de medidas burocráticas do Itamaraty, o acordo empacou no Congresso Nacional, onde morreu.

Na prática, a Base Espacial de Alcântara, no Maranhão, passaria a ser controlada pelo novo dono. Sob o manto de “procedimentos de salvaguarda de tecnologias”, o documento assegurava, por exemplo, que o governo brasileiro “manterá disponível no CLA áreas restritas (…) e permitirá que pessoas autorizadas pelo governo dos EUA controlem o acesso a essas áreas”.

Estabelecia, também, que os técnicos brasileiros seriam obrigados usar crachás e teriam suas atividades restritas. Num acidente, por exemplo, nenhum brasileiro poderia tocar nem fotografar os escombros sem autorização dos americanos. Os equipamentos e outras cargas viriam dos EUA em contêineres lacrados.

Como se sabe, para ser colocado no espaço, um satélite precisa ser levado por um foguete, lançado em Alcântara. Três foguetes brasileiros estouraram em lançamentos. Dois já no ar, em 1997 e 1999. Mas, um terceiro explodiu ainda em solo, em 2002, matando 21 técnicos, todos brasileiros, apesar de na ocasião haver estrangeiros na base.

Um novo VLS (veículo lançador de satélite) está sendo desenvolvido agora, em parceria com a Ucrânia, país que detém tecnologia nesse campo. Em acordo assinado no governo de Lula, em 2003, foi criada a empresa binacional brasileiro-ucraniana denominada Alcantara Cyclone Space, que tem sedes em Brasília e na Base de Alcântara.

Atualmente, os especialistas dos dois países trabalham na construção do Cyclone-4, o VLS que deve ser lançado somente no ano que vem, em vez de novembro de 2013, como era previsto. A nova previsão é da Agência Espacial Brasileira (AEB), que opera o acordo binacional.

Quanto ao satélite geoestacionário, o Brasil negocia a compra com três fabricantes: uma empresa dos EUA, um consórcio liderado pelo Canadá e uma associação franco-italiana. Após as denúncias de espionagem, porém, o que se comenta nos meios espaciais é que a escolha deve recair sobre o fornecedor europeu.

Qualquer que seja o caminho, fica mais do que evidente que esse sistema de proteção do nosso espaço é mais do que urgente. Medidas após a revelação de ações de espionagem, como pedidos de desculpas, de pouco adiantam. O importante é impedir que esses fatos ocorram.

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