Jerusalém

Quem assistiu ao belo e recomendável filme intitulado “Cruzadas”, de Ridley Scott, lembra-se de uma passagem no final, quando o líder dos cristãos tanta um acordo com o líder dos muçulmanos, Saláh El Din, conhecido no Ocidente como Saladino. Era o ano de

Certamente essa cidade não é a mais antiga no mundo, com vida ininterrupta. Mesmo com dados controversos, podemos dizer que ela remonta a no máximo uns quatro mil anos, ou seja, de cerca de dois mil anos da era cristã. Nesse sentido, a cidade campeão de vida longa, estimada, fica com Jericó, palestina, que tem em torno de sete mil anos de vida contínua.


 


 
Mas porque da importância histórica dessa cidade? O que ela tem de importante para tanta gente espalhada em todo o mundo? Para tentar responder a essa pergunta é que nesta semana nos ocupamos desse tema em nossa coluna semanal.


 


As origens


 


 
A cidade que hoje conhecemos como Jerusalém, não foi sempre dessa forma atual. Pesquisas arqueológicas atestam a existência de várias Jerusaléns, se pudéssemos dizer assim. Há camadas embaixo da atual cidade, que contam muitas histórias passadas. Os vestígios mais seguros de ocupação populacional vem de dois mil anos antes de Cristo. A cidade foi ocupada por diversos impérios e povos, mas nestes últimos quatro mil anos seguiu sendo habitada, variando a sua população para, desde 1500 pelo menos, cerca de quatro mil pessoas apenas e até os atuais estimados 700 mil habitantes.


 


 
Em registros históricos, nos primórdios da cidade, aparece a palavra Rushalimun, que poderia querer dizer, em língua ancestral “Shalem fundou”, segundo a escritora Karen Armstrong, combativa intelectual inglesa, autora de diversos livros sobre islamismo, judaísmo e cristianismo. Ela mesmo uma ex-freira, mas respeitada por todas essas religiões citadas (recomendo a leitura de todos os seus livros editados no Brasil) (2). Shalem é um nome de um deus sírio que estava ligado ao crepúsculo.


 


 
Boa parte do que se sabe sobre a cidade é, infelizmente, retirada de fontes religiosas, como o velho testamento, que para os judeus chama-se Torá. Segundo essa fonte, os moradores da cidades eram chamados de jesubeus, e se protegiam dos invasores graças a imensas muralhas edificadas no entorno da cidade e por isso eram considerados quase que “inconquistáveis”.


 


 
Ainda segundo a lenda bíblica, a tomada da cidade pelo histórico rei Davi, líder dos hebreus, se dá há três mil anos atrás, ou mil antes da era cristã. Apesar da tomada, os jesubeus continuaram a conviver com os hebreus no mesmo espaço. Só para registro, Davi é que vai estabelecer uma certa “dinastia” judaica, e quem fortalece o judaísmo, entre os hebreus, através de seu famoso templo, virá a ser seu filho, Salomão (a estimativa é que ele passa a reinar na cidade em 970 aC). Ainda que seja tudo isso controverso, arqueólogos conceituados afirmam que a cidade teria sido a capital de uma das tribos de Israel, Judá.


 


Jerusalém, na língua hebraica moderna se escreve ירושלים, e pronunciamos Yerushaláyim; em hebraico clássico escrevemos ירושלם. Em árabe escrevemos القدس, que quer dizer Al-Quds, cuja tradução poderia ser “a santa”, a cidade santa. Em grego escrevemos Ιεροσόλυμα, que se pronuncia Ierossólyma. É historicamente também chamada de Sião e de “cidade de David”.


 


A cidade foi palco, em quatro mil anos de diversas ocupações, tomadas por impérios. Por ali passaram assírios, babilônicos, o rei Nabucodonosor, os persas com Ciro, macedônios, com Alexandre, o Grande, macabeus, gregos e posteriormente a ocupação mais importante, por Roma. Templos religiosos, especialmente o famoso Templo de Salomão foi destruído e reconstruído diversas vezes, restando hoje apenas o que se diz ser uma parte de sua muralha, conhecida mundialmente como o muro das lamentações. Zeus também reinou na cidade, importado o Olimpo grego.


 


O período cristão e islâmico


 


 
Na era atual, de acordo com a lenda bíblica, desta feita o Novo Testamento, por volta do ano 30, um cidadão de origem judaica, de nome Jesus, o Cristo, nascido em Nazaré, teria criado uma polêmica no Templo de Javé, o construído por Salomão e reconstruído 300 anos depois de sua destruição. Reza a lenda que Jesus teria se revoltado com o que chamou de “vendilhões” do Templo. Num ataque de fúria que teria tido, derruba as mesas e as bancas de comércio que era próspero na época. Uma revolta parecida com que Martinho Lutero teve no século XVI, quando pregou na porta da Igreja em que trabalhava as suas “teses”, e onde uma delas é a que condenava a venda das indulgências.


 



A partir desses episódios e três anos depois, veio a sua morte, ao qual deixamos de relatar neste pequeno artigo, por ser demais conhecida. O fato mais importante é que as idéias desse pregador, um entre tantos que surgiram na época – mas este com uma idéia-força que ganhou o mundo – fez com que se inaugurasse uma nova era, a chamada era Cristã, cuja data e calendário é praticamente aceito em todo o mundo, mesmo Oriental (parte dele pelo menos).


 


 
A consolidação das idéias cristãs e praticamente a ocupação da cidade de Jerusalém pelo cristãos, como força política vai demorar um pouco mais. Ela vai depender de pelo menos dois fatores. O primeiro deles é a praticamente expulsão dos judeus da cidade por volta do ano 70 da era atual, pelo romanos. Mas não sem um duro combate. Não que eles tenham desaparecido da cidade. Sua presença sempre foi contínua no local, mas a partir dessa data e com a destruição de seu Templo, ao qual esperam que um dia seja novamente reconstruído, sempre estiveram por lá. O segundo aspecto é mais importante. Foi a conversão do Imperador Constantino, praticamente em seu leito de morte, ao cristianismo. Esta religião passa a ser uma religião de estado. Isso se deu por volta do século IV da era atual. Assim, a cidade era praticamente governada por um patriarca, que tomava conta dos locais sagrados para essa religião, especialmente os locais como a Igreja do Santo Sepulcro, onde teria sido enterrado Jesus, o Calvário, o Gólgota (onde rezou pela última vez e foi preso) etc.


 


 
Essa situação vai se alterar com o surgimento de uma nova idéia-força, com o profeta Mohhamad, conhecido no Ocidente como Maomé. Ainda que tenha falecido em 630 da era atual, século VII, ele inicia a construção de um dos mais vastos impérios que a humanidade conheceu. Será o seu segundo Califa na ordem de sucessão, Omar, que, em 637, entra em Jerusalém e a conquista para os árabes e muçulmanos.


 


 
É um período de grande desenvolvimento social e econômico da cidade e foi saudado por todos, inclusive pelos judeus que lá viviam, como uma espécie de libertação. Até pelo fato que o Islã é uma das religiões mais tolerantes que se conhece, a despeito de toda a propaganda anti-islâmica feita pela mídia Ocidental. Há uma passagem que demonstra a maior tolerância e isso esta documentado historicamente. O patriarca na época da chegada de Omar, Sofrônius, convidou-o para rezar dentro da Igreja do Santo Sepulcro. Omar educadamente declinou do convite, sob o argumento de que temia que seus seguidores, sabendo da importância que ele tinha para o império, quisessem construir no local onde ele oraria com o patriarca, uma Mesquita, destruindo a Igreja histórica. Assim, oraram ambos na porta da Igreja.


 


 
Desse período até 1099, Jerusalém foi governada e dominada pelos muçulmanos, que a administraram bem, com tolerância e equidade. Nessa data porém, ocorre a primeira cruzada, para tentar tomar a cidade das mãos dos “infiéis”, que eram os muçulmanos. A chegada dos cristãos cruzados é bem documentada historicamente. Mais de 40 mil mortos, crianças, velhos, mulheres abatidos de todas as formas. Fala-se que a cidade ficou totalmente vermelha com o sangue dos seus moradores. E não só muçulmanos morreram, mas também judeus, que não eram bem vistos pelos europeus, sob a pecha discriminadora de terem “matado a cristo”. Essa dominação cristã na chega a durar 200 anos na região do Oriente Médio, onde se instaura o chamado reino latino. Saladino, como dissemos, liberta a cidade em 1187.


 


A disputa atual


 


A história mais recente, a grande maioria conhece. Em 1453, os turcos tomam Constantinopla. O império segue sendo islâmico, mas sai das mãos dos árabes e passa às mãos dos turcos. Estes governam a cidade até por volta de 1922, quando, após uma série de tratados e negociações internacionais decorrentes do final da I Guerra Mundial, a ocupação e administração da cidade passa ás mãos dos ingleses. Apenas em novembro de 1947, após muitas disputas e conflitos entre palestinos locais e judeus que imigraram de seus países de origem para a cidade, é que a ONU cria dois estados, um chamado de Israel e outra que deveria seguir chamando de Palestina. Apenas os judeus proclamam o seu estado em 14 DE MAIO DE 1948 e a partir desse momento, a chamada primeira guerra árabe-israelense ocorre. Israel ocupa uma parte dos territórios que deveria ser dos palestinos. Posteriormente, na guerra de 1967, ocupa todo o restante. Aos poucos foi devolvendo parte dos territórios árabes, mas o conflito segue, especialmente por causa da cidade de Jerusalém.


 
Ainda que dividida em Jerusalém antiga e a nova, a cidade tem um prefeito israelense e é governada por Israel. Os palestinos não tem nenhum controle nem sequer sobre a parte árabe da cidade, a parte velha, mais antiga. A ONU não reconhece a cidade como capital de Jerusalém, que deve ser Tel Aviv.


 
A cidade segue sendo sagrada para pelo menos 3,6 bilhões de pessoas. É patrimônio histórico da humanidade, é tombada pela ONU. Os cristãos, muçulmanos de todo o mundo vêem-na como um local que um dia todos querem visitar, orar, trazer lembranças. Seguidores de Salomão e davi, pelos judeus, de Jesus, pelos cristãos e de Maomé, pelo muçulmanos, querem preservá-la a qualquer custo. Em algum momento na história terão que conversar, negociar e chegar a um acordo, até porque o objetivo maior – preservar a cidade – deve ser buscada a qualquer custo. Esperamos que se consiga.


Notas



(1) Este trecho aproveitei do artigo-reportagem intitulado “O Centro do Mundo”, de autoria de Reinaldo José Lopes, publicado na revista Aventuras na História, da Editora Abril, nº 38, edição de outubro de 2006, páginas 24-33.
(2) Ver especificamente sobre esse tema o seu livro Jerusalém: cidade de três religiões, Companhia das Letras, São Paulo, 2000.

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