Kalyne: A mão que aperta o back

Bem, mais uma vez voltamos a nos manifestar.


 


MANIFESTO: ato público de reivindicar algo.


 


Essa seria a forma mais simples de explicar essa pratica, no fim, o desejo mais profundo do manifestante é expor suas

''A mão que acende o back é a mesma que levanta o copo, aquela que arranha o disco, que segura o pote de cola, que sustenta o corpo num freeze, que habilmente um muro decora, com mensagens pintadas brilhantemente, muitas vezes alertando sobre as drogas, essa mesma mão segura o microfone e acaricia a cabeça da criança. A mesma mão do aperto de mão, é a mesma que vende a dóla. A mão que constrói uma nação é a mesma que ta jogando nossos sonhos fora''.


 


Esse manifesto em si é algo que me causa muita confusão, primeiro por se tratar de um tema que eu conheço muito bem e segundo porque todo mundo com quem convivo também conhece bem, falo do consumo.


 


Birita, cigarro, maconha, lolo, pedra (ainda entendo pedra como comprimidos: aranha, benflogin, etc), crack  e sabe-se lá o que mais.


 


Bem, ainda sou jovem e isso existe no meio em que vivo desde a adolescência, parte dessas coisas conheço intimamente, mas sempre pensei, até que ponto controlo isso e o pior, até que ponto isso é essencial pra mim?


 


Existe algo pior pra um fumante do que esta esperando por alguém e não ter um cigarrinho pra fumar? Ou sair com a galera e não tomar nem um vinho? Mas a maconha também é essencial, quer momento de maior confraternização do que a hora de fumar uma coisa? Mas a prática de se lombrar é antiga e reconheço pontos positivos nisso, há quem consegue atingir um grau de consciência tão massa que consegue se conectar com o astral através de um baseado, mas, enfim, não é exatamente esse o objetivo da maioria das pessoas que fumam e sinceramente não é só a maconha, que é considerada natural que pode deixar sua mente aberta pra outros mundos. Tive experiências impressionantes cheirando cola na mata da universidade…


 



Mas no final, o compromisso do jovem não é provar que por mais jovem e ousado que possa ser, nós temos responsabilidade, não é por isso que agora, a gente pode trepar aos 13 anos ou menos em alguns casos e não engravidar? Fumo e bebo porque quero, não fui influenciada por ninguém, não é essa a postura que a maioria assume, isso significa independência, ou seja, você fuma e bebe porque é independente, mesmo que seja os cinco contos que você pediu a mãe antes de sair que pague o vinho e cigarro, não é engraçado?



Mas normal, o que tive oportunidade de aprender nessa vida através das escolhas que fiz foram únicas, mas agora eu queria falar de responsabilidade.



Qual é a diferença de um baile que começa as dez da noite (horário que impede por lei a permanência de menores sem acompanhantes responsáveis na rua), sem hora pra acabar, onde jovens e adultos se reúnem pra curtir, de um baile que começa as duas da tarde, com caráter literário (ex: lançamento de um zine), informativo e que as pessoas levam seus filhos pequenos e crianças, adolescentes também estão presentes e a idéia é comemorar a correria de quem acredita em um ideal e tenta passar algo para as pessoas?


 


Pelos céus alguém me responda, existe diferença entre essas duas situações? Se não existe ta massa, nem termina de ler esse manifesto pra não perder seu tempo, mas se existe, se existe diferença pra você, assuma sua postura e seu compromisso, porque se o argumento de que tava liberado é suficiente pra que você se sinta à vontade de acender um baseado ao lado de uma criança de três anos de idade. Eu não sei que tipo de consciência política você aquiriu até hoje e sinceramente eu retiro o que eu disse em outras ocasiões.


 


O movimento da Paraíba não é um dos mais politizados, sinceramente. É um dos mais frouxos que já vi, esse é o único estado aonde um carinha qualquer chega e inventa altas mentiras sobre varias pessoas e fica impune. Esse é o movimento onde um cara diz na cara do outro que ele é ladrão sem ter provas e sai impune, é o único movimento onde num evento literário como o lançamento de um zine, dos antigos aos mais novos estão consumindo drogas abertamente no meio de crianças e justificam esse ato ao fato de bebidas alcoólicas estarem sendo comercializadas pelos organizadores do evento. Ttalvez se a galera pagasse três reais da entrada pra ver mais de 10 grupos de rap se apresentarem ou fizessem doações de cinqüenta centavos ou um real por cada zine, os organizadores não tivessem que se sujeitar a vender bebida alcoólica pra cobrir os gastos. Mas devo dizer que também era responsabilidade deles evitar o consumo, esse é o único movimento onde num ambiente fechado, onde a maioria se conhece, as pessoas vêem uma criança de menos de dez anos de idade fumando cigarro e cheirando lolo com uma turma de adolescentes supostamente da TJB (e só faço referencia a torcida porque estavam todos padronizados, então suponho que pra eles seja importante fazer essa ligação). E não faz nenhuma intervenção, a final, não é problema meu, eu só me digo uma MC do movimento hip-hop que estava dando sua contribuição num movimento único literário na cidade em que eu milito.


 


Mas mesmo assim ainda é foda, porque a maioria com certeza não esta preocupada com isso e era bem evidente o porquê, mas quando conheci o rap em 98, me disseram que ser MC me dava a oportunidade de usar o maior poder que era o microfone pra defender as idéias das quais acreditadava e essa foi minha primeira crença e fiz muitas letras de rap falando sobre essa possibilidade, mas nunca pensei que pudesse algum dia ser tão perigoso. Parece poético demais?


 


Pois acreditei nessa poesia por oito anos…


 


A propósito, quando falo antes do movimento deixar impune pessoas que denegriram, levantaram falso e acusaram outros militantes, não me referia a resolver as questões como se resolvia antigamente e há quem lembre de como era, mas digo das pessoas do movimento não permitirem esse tipo de atuação, não dar cartaz nem credito, mas o que vi foi um monte de cabra barbado se comportando como um monte de fofoqueiro.


 


Descobri que safadeza existe no meio de gente safada ta ligado!?


 



No final das contas eu não vou me dar ao trabalho de pregar o não consumo porque isso é uma arma do sistema pra matar pobre em massa. Estou nas estatísticas dos cadáveres, mas quero propor a reflexão sobre o que realmente queremos representar e quando


 


O que é muito importante saber, só pra se tocar da gravidade do problema. Tinha gente traficando (amigos nossos), teve gente importante do cenário daqui (amigos nossos) que chegou, sentou e chapou até a hora que fui embora. Das pessoas que conhecia que estavam presentes, pelo menos duas, amigas da maioria da galera, que estavam lá, estão viciadas em crack e de fonte segura estão traficando, roubando e morrendo por causa do consumo.


 


Talvez a maioria que estavam no baile se encontre no funeral de algum desses irmãos, mas isso é problema de quem mesmo?


 



E se alguém quiser se dar ao trabalho de achar que estou falando um monte de besteira porque estou na cara por cinco meses (estou grávida de sete mas só consegui abster de todo o consumo com dois meses) e estou num estado sentimental aflorado ou bla bla bla, fique a vontade.


 


Se essa postura minha é decorrente da gravidez, massa, lamento que você não possa passar pelo mesmo pra sentir o que estou sentindo a respeito disso tudo, nem desejo que todo mundo vire mãe ou pai pra poder ter mais maturidade e responsabilidade  sobre as ações.


 


Espero que os amigos mais próximos que consomem, não fiquem constrangidos com esse manifesto, ele propõem reflexão e minha verdade não precisa ser sua verdade, caminho é feito ao caminhar, e o seu caminhar só você pode fazer.


 


Não será impossível alguém me ver fumando ou bebendo em algum baile de rap futuro, mas gostaria que isso não acontecesse, sinceramente é difícil se livrar do consumo.


 


Nem vou bancar a moralista e toda vez que vir alguém consumir, despejar um sermão de bla, bla bla…


 


Quero falar sobre outras coisas na minha vida, me dei à oportunidade de falar durante o lançamento do zine e estou me dando essa outra oportunidade de fazer esse manifesto, mas não pretendo encher o saco de ninguém com essa historia, até porque vocês são na maioria amigos meus.


 


Espero que fiquemos bem no futuro, nós e nossos filhos.


 


Até a próxima ou até nunca mais, nunca se sabe…


 


Valeu ter lido e meu propósito não é gerar conflito, mas propor reflexão, nós todos e nós todas somos ótimos, e seremos sempre melhores.


 


Axé e evolução para nós que precisamos.


Kalyne Lima: é MC, moradora do estado da Paraiba.

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