Lembrando Marighella

Esta semana, no dia 4 de novembro, lembramos a morte de Carlos Marighella, em 1969. Era um sábado, inicio da noite, quando ele foi emboscado pela polícia política do Regime Militar e friamente assassinado, no bairro dos Jardins, em São Paulo. Um mês depois ele faria 58 anos.

A morte de Marighella marcou a história da resistência armada urbana à Ditadura Militar no Brasil. Foi o início do fim, podemos dizer. Ele era um guerrilheiro, líder de uma das organizações existentes (a Ação Libertadora Nacional – ALN). Mas, na prática, era uma espécie de comandante geral da guerrilha urbana.

Ele se relacionava com todas as principais lideranças do movimento e participava do planejamento e ações de outras organizações. Um caso de repercussão foi o da deserção do capitão Carlos Lamarca, que deixava o Exército Brasileiro.

O comando do Exército desconfiava das ligações de Lamarca com a esquerda. Mas, para dissimular, ele se ofereceu para treinar moças da alta burguesia paulistana para se tornarem aptas a se defender de “terroristas”. Com direito a fotos em revistas de grande circulação nacional.

Na deserção, Marighella participou de toda a operação. Lamarca sairia pelo portão principal do quartel do Batalhão de Infantaria de Quintaúna, em Osasco(SP), onde servia, num caminhão carregado de armas e munições. Acabou saindo numa Kombi. Um paiol ambulante, com fuzis, metralhadoras e muita munição.

Ao sair, porém, não foi para a ALN. Foi para a Vanguarda Popular Revolucionária – VPR, por influência de Marighella. Em outras ações, como a do seqüestro do embaixador dos EUA, Charles Burke Elbrick, em 4 de setembro de 1969, Mariguella pregava a unidade das forças de esquerda.

Para libertar o diplomata, a ALN e o MR-8 pediam a libertação de 15 presos políticos e a divulgação de um manifesto em cadeia de rádio e TV e nos jornais. Por pressão do governo americano, os militares atenderam às exigências da guerrilha.

O manifesto, que o próprio Marighella escreveu, dizia que o sequestro havia “aberto o caminho da unidade da luta revolucionária”. E dava deixas sobre outro aspecto: o de que a luta armada urbana deveria ser um complemento ao movimento rural.

O “Manual do Guerrilheiro Urbano”, de Marighella, era usado em forma de cartilha por militantes de todas as organizações. O documento pregava que a guerrilha urbana “tem as funções de desgastar, desmobilizar e distrair as forças inimigas, a fim de permitir o aparecimento e a sobrevivência da guerrilha rural…”.

Pouco antes de morrer, voltou ao assunto, num manifesto em que anunciava planos. Ele dizia que em breve passariam a agir no campo, e isto ocorreria no Sul do Pará. Ele pretendia, provavelmente, se juntar às ações do PCdoB, que já preparava o que viria a ser a Guerrilha do Araguaia.

A fase da luta armada, embora marcante, foi apenas a derradeira etapa de uma história de lutas. Seu pai, Augusto, veio da Itália e se fixou em São Paulo, como ferreiro. Participou do movimento operário, foi perseguido e resolveu ir para a Bahia.

Em Salvador, estabeleceu-se como mecânico, numa casa na Baixa do Sapateiro, e se casou com Maria Rita do Nascimento, neta de escravos, com quem teve oito filhos. Carlos foi o primeiro. Ele herdou do pai o gosto pela política e da mãe o jeito firme e alegre de encarar a vida.

Carlos aprendeu a ler aos 4 anos e sempre teve gosto pela leitura. Na escola, era sempre destaque. Aos 18 anos, ao responder as questões de uma prova de física no Ginásio da Bahia, o fez com um poema de 40 versos, composto na hora, pois o tema era sorteado.

Fez parte do curso de engenharia, mas resolveu trocá-lo pela militância política. Em 1932 filiou-se ao Partido Comunista e dali em diante foi uma trajetória de lutas. Foi um dos 14 deputados federais comunistas eleitos para a Assembléia Constituinte em 1945, quando Luiz Carlos Prestes foi eleito senador.

Em 1961, na cisão do Partido, ele se alinhou ao PCB, embora com discordâncias. Em 67, ele e outros militantes saíram e formaram o Agrupamento Comunista, que logo depois virou ALN.

Foi preso incontáveis vezes. A primeira ainda na Bahia por manifestações de rua. Em 1936, foi chamado ao Rio de Janeiro, para ajudar a reorganizar o partido. Preso logo na chegada, um ano de cadeia. O mais longo período de prisão, porém, na caça aos comunistas do Estado Novo. Preso em 1939, ficou seis anos na prisão.

Marighella mantinha relações com os padres dominicanos de São Paulo. Com eles, montou uma base avançada no Rio Grande do Sul, para retirar do Brasil pessoas em risco. Na noite em que foi morto, ele havia marcado um ponto (encontro) com os padres Yves Lebauspin e Fernando Brito.

Segundo Frei Betto, no livro Batismo de Sangue, os dois padres foram presos no Rio de Janeiro e, sob tortura, entregaram o encontro que teriam. Ao chegaram ao ponto, Marighella entrou no carro, mas os padres saíram. E chegou a polícia, já atirando.

Marighella morreu na hora. Em sua pasta havia apenas um revólver carregado e um frasco de veneno letal.

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