Líbano: grave crise à vista

Na semana passada quando resumi três grandes problemas e assuntos centrais do Oriente Médio hoje, um deles já mencionava a saída do Partido de Deus (Hezbolláh) do governo do primeiro Ministro Fouad Siniora. No entanto, o assassinato do ministro Pierre Gem

O clã dos Gemayel


 


 


A política libanesa é praticamente dividida entre muçulmanos, em suas duas correntes, a xiita e a sunita e cristãos, com suas várias correntes internas. Entre esses, predominam os maronitas. A família Gemayel tem forte influência no Líbano, pelo menos desde 1936, quando o avô do ministro da Indústria assassinado, de mesmo nome, fundou o Partido Falange (que em árabe quer dizer Kataeb). A sua inspiração à época, foi o fascismo de Benito Mussolini, na Itália. A sua influência predominou no país dos cedros, especialmente desde a independência do país da França, conquistada em 1943, ou seja, há mais de 60 anos.


 


 


Os militantes desse partido, por sua orientação, mantêm sempre divergências e mesmo confrontos com os muçulmanos, mas não por divergências religiosas, como procura mostrar a mídia grande, mas por divergências ideológicas, programáticas e mesmo de táticas de como resistir ao domínio e a influência ocidental e especialmente estadunidense, nos rumos da política libanesa. A Falange possui excelentes relações não só com os EUA, mas com Israel e os sionistas.


 


 


Lembramos que durante a guerra civil ocorrida entre 1975 e 1989, quase 15 anos, esse Partido se aliou à Israel para lutar contra os palestinos. Foi exatamente no meio dessa guerra entre libaneses, que em 1982, no dia 19 de setembro, perpetraram o maior massacre que se teve notícia até os dias atuais de palestinos de uma só vê. A imprensa menciona à época até 3,5 mil mortos, na sua maioria mulheres, crianças e idosos, dos acampamentos de refugiados chamados Sabra e Chatila.


 



Tal massacre foi feito com mãos libanesas e árabes, mas sob o acobertamento e apoio tático total do exército israelense, na época sob o comando do general Ariel Sharon. Nessa época o Líbano tinha eleito como presidente Bachir Gemayel, da segunda geração da família, que foi assassinado nesse mesmo mês de setembro antes de sua posse. A partir daí, sob o pretexto de vingança, os israelenses, que tinham invadido o sul do Líbano e chegaram à Beirute, autorizaram, deram sinal verde para o massacre. Após a morte de Bachir, seu irmão, Amin, assumiu a presidência.


 



A divergência central são as ligações com a Síria que o Líbano mantém historicamente. Para muitos líderes árabes dos dois países, a criação do Líbano seria mesmo até artificial, pois há séculos ambos os países eram uma unidade política e geográfica única. Aliás, diga-se de passagem, as tais “fronteiras” no Oriente Médio, além de completamente móveis e flexíveis, são completamente artificiais e traçadas aleatoriamente de acordo com potências ocidentais em muitos momentos, como se fossem linhas desenhadas no chão do deserto.


 



A Síria sob o comando de Hafez El Assad e depois de seu filho Bachir, sempre impôs forte resistência e oposição à influência americana no Oriente Médio e se manifesta contra o que chamam de “entidade sionista” em uma alusão ao Estado de Israel. Assim, esse país se fez presente no Líbano por 30 anos seguidos (1975-2005). Teve que sair no ano passado, após o assassinato do ex-primeiro Ministro Hafic Hariri, morto em fevereiro de 2005. Seguiu-se a essa morte, cuja autoria até hoje segue desconhecida, mas que a grande mídia apontou de imediato o seu dedo acusador para a Síria, grandes manifestações no país pela retirada das tropas sírias. A ONU aprovou então uma resolução nesse sentido, quando as tropas deixaram o país.


 



A família Gemayel seguiu forte na política, quando as eleições gerais do ano passado. Dois grandes blocos se formaram: um pró-Síria, formado por muçulmanos xiitas e sunitas, o Hezbolláh, o grupo denominada AMAL e aliados cristãos, como do general Michel Aoun. O Partido Comunista Libanês apóia essa articulação, anti-americana. De outro lado, os falangistas, os drusos e outros agrupamentos direitistas e cristãos, apóiam a coligação anti-Síria e formaram maioria no governo, indicando o primeiro Ministro Fouad Siniora. Nessa articulação é que o neto, Pierre, do fundador do clã política da família, de mesmo nome, assumiu, com apenas 34 anos, o ministério da Indústria.


 



Análise desdobramentos da crise



 


Também aqui, a mídia grande prontamente apontou seu dedo inquisidor, através de seus “analistas internacionais” e jornalistas de plantão prontos para reverberarem a política externa americana e de Israel, para a Síria. Pode-se ter divergências contra a política interna do governo da Síria, coisa e assunto que cabe exclusivamente ao povo da Síria resolver. Mas, indubitavelmente, esse país e seu governo, hoje, no cenário atual de conflito do OM, é a nação que impõe a maior resistência à completa e total dominação dos Estados Unidos em todo o Oriente Médio. Claro que falo com relação aos países árabes, pois no Irã, com os persas, estes também resistem com firmeza e tenacidade.


 



Se com a saída do Hezbolláh do governo na semana passada a instabilidade do governo já havia ficado elevada, agora as coisas vão se fragilizar ainda mais. Devem ocorrer, nos próximos dias, manifestações gigantes de ambos os lados – prós e contra a Síria – para darem ao mundo e ao próprio país, demonstrações de força. É provável que esse governo não se sustente. Até porque perde completamente a sua maioria no parlamento.


 



A ONU, que sempre fez jogo duplo em muitos momentos, mas na maioria das vezes acaba pendendo para o lado dos americanos e de Israel, ficando completamente impotente para agir, aprovou há pouco tempo, por pressão americana, a instalação de uma Corte Internacional Penas em Beirute, para julgar os assassinatos de Hariri. Esse episódio tem o claro dedo americano e seu objetivo é desgastar o governo da Síria, procurar envolvê-lo em um crime que não existe prova alguma de que tenha sido cometido. Até porque a Síria foi e tem sido a que sofre o maior desgaste com essas mortes – a de Hariri e a de Pierre agora. Pessoalmente, suspeito que possa haver mesmo o dedo de agências de inteligências americanas e sionistas nesses assassinatos sob encomenda.


 



A fragilidade do governo que mencionei decorre da renúncia de seis ministros na semana retrasada, do bloco Hezbolláh. Com a morte de Pierre, o gabinete fica desfalcado em sete ministros. Diz a constituição que se oito (um terço de 24) renunciarem, cai todo o gabinete. Aliás, os pronunciamentos do líder do Hezbolláh, defendem a formação imediata de um governo de unidade nacional, com diversas forças políticas que defendem um Líbano soberano e independente, que seja afastado toda e qualquer influências dos Estados Unidos no país e que a própria Síria, seja vista como um país irmão e amigo dos libaneses. Caso contrário, o caminho será mesmo a queda do governo e a convocação antecipada de novas eleições.


 



Por fim, alguns estudiosos começam a falar de uma “iraquização” do Líbano, em uma alusão ao que vem ocorrendo no Iraque, de conflitos sectários entre correntes políticas e religiosas e correndo o risco inclusive de divisão geográfica e territorial do país, isso só interessa mesmo ás potências invasoras de países árabes como o EUA e a Inglaterra (1).


 



De nossa parte, esperamos que a linha justa a ser adotada, seja da ampla maioria do povo libanês, que já demonstrou nas ruas e nas urnas, que não aceita ser tutelado pelos Estados Unidos, que é solidário à causa palestina e que quer a imediata retirada das tropas americanas e inglesas do Iraque. Estamos firme com esse povo neste momento delicado de sua vida nacional.


 



Pequeno comentário



Não poderia deixar de anunciar e prometo aos meus leitores que volto ao tema posteriormente, o fato político de grande interesse, que são as movimentações diplomáticas e trocas de embaixadores, após mais de duas décadas e meia, entre os países Irã, Síria e Iraque. Mesmo que o presidente do Iraque seja um títere dos americanos, o curdo Jalal Talabani, é positivo essa retomada de relações diplomáticas. Claro que pode ter até a concordância e estímulo dos americanos, que, em um beco sem saída, precisam negociar diretamente com a própria Síria e o Irã, mas se recusam a fazê-lo.


 


Nota


 


(1) ver artigo de Anthony Shadid, correspondente em Beirute do The Washington Posto, intitulado “Em meio à luta pelo poder, país da diversidade afunda na crise”, publicado no jornal Estadão do dia 22 de novembro de 2006, página A13.

As opiniões expostas neste artigo não refletem necessariamente a opinião do Portal Vermelho
Autor