Liberdade de expressão e liberdade de imprensa, duas irmãs

O falso debate em torno da liberdade de expressão é interessante porque nos coloca cara a cara com os limites da própria liberdade de imprensa, uma vez que a ligação entre ambas é embrionária.

Dando uma espiada no artigo quinto da Constituição Federal Brasileira, a leitora ou o leitor fica sabendo que a liberdade de expressão é um direito restrito, o que parece contraditório quando se pensa na palavra “liberdade” sem um rigor filosófico ou jurídico, algo como não ter amarra ou limite, poder dizer qualquer coisa que passa pela cabeça. Mas a fronteira ética é muito simples: se as ideias propagadas ferem a liberdade do outro, o discurso libertário vira opressor. Aí não cola.

Na última segunda-feira (7), o influencer Monark testou a elasticidade do conceito de liberdade de expressão no país de Bolsonaro – cujas declarações à imprensa ferem de forma contumaz os principais tratados internacionais de direitos humanos – e acabou virando alvo de investigação do Ministério Público de São Paulo por apologia ao nazismo. Além de ter suspensas as próximas participações no Flow Podcast, produto de um estúdio do qual é sócio, agora ele pode ter que pagar indenizações para a Justiça e até ser preso.

“Eu acho que o nazista tinha que ter o partido nazista reconhecido pela lei” e “A questão é, se o cara quiser ser um antijudeu, eu acho que ele tinha o direito de ser” foram as frases ditas pelo podcaster durante uma conversa com os deputados federais Kim Kataguiri (DEM-SP) e Tabata Amaral (PSB-SP). Em efeito dominó, cenas lamentáveis se seguiram: Kim endossou as afirmações, mas está livre das investigações do MP em razão do foro privilegiado de parlamentar. Já na noite de terça (8), o comentarista Adrilles Jorge encerrou um debate sobre as declarações de Monark em um programa da TV Jovem Pan News com uma saudação nazista: o Deutscher Gruß, queconsiste em levantar a palma da mão direita na altura dos ombros. Adrilles foi demitido.

O falso debate em torno da liberdade de expressão é interessante porque nos coloca cara a cara com os limites da própria liberdade de imprensa, uma vez que a ligação entre ambas é embrionária. Se há limites constitucionais na liberdade de expressão, cabe aos veículos de comunicação manejarem com sabedoria a liberdade de imprensa, descrita, também no artigo quinto, como a divulgação de notícias sem interferência do Estado. O limite para a publicação deveria ser, portanto, o efeito que a informação veiculada tem para reforçar discursos de ódio, e assim ferir a liberdade de expressão, atentando contra a vida e as liberdades de minorias sociais.

Após três anos de cobertura política esvaziada, que apenas vocaliza as frases violentas do presidente da República nas manchetes dos jornais, sem um esforço pedagógico dos veículos para rechaçar as ideias ferozes de um político blindado por foro privilegiado, o desastre está feito: uma falsa ideia de liberdade irrestrita foi pavimentada na sociedade, e se manifesta em eventos como o protagonizado pelo podcaster do Flow.

O trágico é que essa é só mais uma das inúmeras menções públicas favoráveis ao nazismo nesses anos de governo Bolsonaro, que já teve um secretário de Cultura e um assessor especial afastados da gestão por serem pegos em situações semelhantes. Não é coincidência que o número de células neonazistas no Brasil tenha crescido 270% no mesmo período, mas isso já é assunto para outra coluna.

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