Lula e o gol de desempate
Lula enfrenta o desafio de transformar apoio tímido em força clara, buscando romper impasses e avançar com um projeto nacional rumo a 2026.
Publicado 08/05/2025 15:43 | Editado 09/05/2025 08:44

Certa vez, encontrei no Aeroporto de Guarulhos o então deputado pernambucano Pedro Correia Neto (P-PE), meu contemporâneo na Faculdade de Medicina da Universidade Federal de Pernambuco, desde então assumidamente militante de direita.
— E então, Pedro, vinga essa pretensão de Fernando Henrique Cardoso de alterar a Constituição e forçar a reeleição?
— Amigo, se FHC for hoje à Praça da Sé e se autoproclamar corrupto, ninguém acredita…
— Como assim?
— O apoio popular ao presidente é tão grande que ele pode tudo!
Mutatis mutandis, como dizem oradores juristas, Lula experimentou situação semelhante no transcurso dos seus dois primeiros governos.
Escolheu Dilma sua sucessora, sem contestações na coalizão governista e a elegeu duas vezes presidente.
Hoje as coisas não são bem assim. Embora o governo some muitas realizações importantes, tanto no plano estrutural, visando à retomada da economia com base na indústria e inovação tecnológica, como em políticas públicas compensatórias (Bolsa Família, Minha Casa, Minha Vida, Pé de Meia, etc.), está muito longe de conquistar a quase na unidade de outrora.
Mudaram o mundo e o Brasil.
Hoje, o governo, sob cerco parlamentar e midiático, navegando em ambiente global complexo, estremecido e adverso (mesmo na expectativa de que a guerra comercial vigente possa abrir alternativas ao nosso país), carece de um diferencial que o qualifique a romper as amarras e conquistar o mais amplo social e popular.
Na melhor das hipóteses, podemos dizer que o jogo está empatado e que um bom lançamento na entrada da área poderá resultar no gol decisivo.
Porém há um nó a ser desatado — tanto no âmbito do governo, como dos partidos e líderes proeminentes que compõem a ampla frente democrática governista.
O nó está precisamente na timidez do próprio presidente da República e das correntes políticas mais avançadas que o apoiam em se pronunciarem com absoluta clareza a propósito dos principais entraves que enfrentam.
A começar da pressão permanente e diuturna do capital financeiro mediante controle absoluto do complexo midiático dominante — que em qualquer circunstância e em torno de todo fato relevante esgrime o controle dos gastos públicos como espada de Dâmocles sobre o governo.
É a eterna cantilena do Estado mínimo e da supremacia do mercado.
Gastos públicos, que invariavelmente consideram “excessivos”, dizem levarem a um aumento da demanda agregada e, por consequência, ao incremento da inflação, aumentar a dívida pública, provocar altas taxas de juros, emissão de mais títulos públicos para financiar a dívida, etc.
Ou seja, pelo resgate dos títulos públicos pelos investidores, tudo! Pelo desenvolvimento do país com melhoria da qualidade de vida da população, muito pouco ou nada!
O gol de desempate seria não apenas o próprio presidente da República, mas sob certos aspectos principalmente os partidos políticos à esquerda, PT e PCdoB em especial, que com ele governam, abrirem o jogo junto à opinião pública de modo claro e determinado, sem a defensiva de agora.
Mas parece predominar uma terrível subestimação da massa crítica existente em grande parte da população brasileira, herdada da experiência democrática desde o fim da ditadura militar aos dias que correm, e portanto, capaz de assimilar a verdadeira natureza do conflito e tomar partido em favor do governo.
Enquanto isso, caminhamos rumo a 2026 por terreno escorregadio e palmilhado de incertezas.
Por que não se explicita com clareza e altivez o propósito de um efetivo projeto nacional de desenvolvimento?
É hora de nos inspirarmos em Castro Alves: “Eu que sou cego, — mas só peço luzes…/Que sou pequeno, — mas só fito os Andes…”