Madres Paralelas de Almodóvar

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A Mubi tem exibido muitos filmes de Pedro Almodóvar em revisão, e assim foi uma surpresa para mim quando soube que “Madres paralelas” era a obra mais recente de Almodóvar que estava está em exibição na Netflix. São os grandes contrastes da comercialização cinematográfica. Inclusive  “Madres paralelas” está em exibição em cinemas do mundo inteiro, mostrando como será de agora em diante os lançamentos cinematográficos. O pessoal da internet já ganhou forças econômicas para enfrentar os donos de casas exibidoras, principalmente com essa pandemia interminável.

Almodóvar é inteiramente fiel às mulheres atrizes e não tem a mesma fidelidade aos homens. Tudo mostra que é um voyeur e sempre brinca com essa forma de gozo. Entretanto, esse “Madres paralelas” seria um filme extraordinário se tivesse sido lançado, por exemplo, em 1983 ou 1984, mas não em 2021. Agora, se comparado com filmes do mesmo gênero atual parece muito pesado. Tem um excesso de drama que o público de hoje dá a impressão de não gostar. O drama familiar é talvez o tema mais abordado pelo cinema que se faz hoje e nisso Almodóvar está muito presente. Porém na forma de narrar temos um cineasta bem mais antigo, e por isso o seu novo produto parece produzido nos anos 80 do século passado.

Mas “Madres paralelas” é uma obra bem interessante, principalmente para se mostrar a Espanha do tempo do franquismo, onde as pessoas eram destruídas simplesmente por pensarem, e enterradas em covas que se faziam desaparecer. Sem que os parentes nem mesmo soubessem onde estavam. Na verdade, esse é um fato que nós aqui da América do Sul conhecemos bastante, pois aconteceu em praticamente todos os países sul-americanos.

Em “Madres paralelas” temos o cinema de Almodóvar mais consistente. E a sequência mais bela é a em que se dá expressamente a homenagem a Janis Joplin, com o som da música “Summertime”, e o encontro físico entre Janis (Penélope Cruz) e Ana (Milena Smit). A sequência inteiramente poética do filme é conduzida com uma suavidade que seria maravilhoso se o diretor conseguisse manter o trabalho mais tempo dentro desse clima.

Uma curiosidade para meu amigo Daniel, o artista plástico, é a presença de uma jovem atriz lourinha que faz uma modelo e se chama Daniela Santiago.

Olinda, 21. 02. 22

O Paraíso estaria na Terra

É claro que, como quase todo velho, eu gosto dos filmes bons que já vi e vejo novamente. Mas não considero que o cinema atual seja inferior ao do passado, pois hoje o pessoal tem até melhores condições para produzir e a inteligência, embora esteja em muitos casos embutida pela inconsciência, claro que ainda está presente no ser humano. Sem dúvida, minha forma de pensar é dialética adorniana, inclusive, e o negativo é simplesmente uma estruturação e não uma forma de negar.

Assim, noto que o cinema moderno atual tem valorizado o curta, e esse que a Mubi está apresentando, que vem da África do Sul, tem pouco mais de 10 minutos de duração, mas é uma poesia expressa pela linguagem do cinema. E cinema dos mais plásticos, no qual, além da imagem clara e escura para não dizer preto e branca, já tem em si mesmo a força da poesia. Mas ela é reforçada pela plasticidade do próprio som, tanto na fala que vem em maneira narrativa, quanto em forma musical, embora nem sempre tenhamos mesmo música.

O paraíso que está implícito no título – em africano o filme se chama “Logodimo Le Kopana Le Lefatshe”, e em inglês “Heaven reaches down to Earth” – é expresso por uma presença de corpos masculinos numa área aquática campestre, com a câmera do cineasta sul-africano Tebogo Malebogo procurando que essa realidade, pela plasticidade, se exprima como pura poesia. E com o reforço de uma narrativa poética. Verbal.

Uma produção de 2020, e que me parece não precisar de classificações de gênero.

Olinda, 26. 01. 22

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