Mulher, a culpada de sempre

O xeque Taj el-Din al-Hilali, principal líder muçulmano da Austrália, sugeriu que mulheres que não usam o hijab (vestimenta que cobre o corpo e a cabeça) incitam a violência sexual contra elas próprias. Ele é coerente com a milenar tradição religiosa d

Durante o mês sagrado do Ramadã, o xeque Hilali perguntou: ''Se você pegar um pedaço de carne descoberta e deixar na rua, no jardim, ou no parque, e os gatos vierem e comerem… de quem é a culpa, dos gatos ou da carne descoberta?'' E do alto de sua sabedoria e crença, respondeu: ''O problema é a carne descoberta. Se ela (a mulher) estivesse na sua sala, na sua casa, no seu hijab, não teria acontecido nada.'' O comentário foi vinculado a uma série de estupros cometidos por uma gangue de libaneses muçulmanos, que receberam longas penas de prisão na Austrália. O líder religioso também condenou as mulheres que ''rebolam sugestivamente'' e usam maquiagem, pois atrairiam violentadores. ''Daí você encara um juiz impiedoso… que te dá (uma pena de) 65 anos'', acrescentou.



A mulher tem sido vítima histórica das seitas. As grandes religiões vigentes são baseadas em figuras e princípios masculinos. No livro ''O martelo das feiticeiras'', Rose Marie Muraro cita um mitólogo americano que dividiu em quatro grupos todos os mitos conhecidos: ''Na primeira etapa, o mundo é criado por uma deusa mãe sem auxílio de ninguém. Na segunda, ele é criado por um deus andrógino ou um casal criador. Na terceira, um deus macho ou toma o poder da deusa ou cria o mundo sobre o corpo da deusa primordial. Finalmente, na quarta etapa, um deus macho cria o mundo sozinho.'' No judaísmo, cristianismo e judaísmo – mas não só neles – as figuras e valores patriarcais são dominantes.


 


No Antigo Testamento, a mulher é responsabilizada pela expulsão do homem – e da humanidade – do paraíso. Nas escrituras chinesas as mulheres são chamadas “águas da desgraça” e consideradas inferiores ao homem, não lhes sendo concedido qualquer tipo de direitos. Na Asura, forma de casamento do antigo hinduísmo, a filha era, de certa forma, vendida pelo pai. A lei do hinduísmo diz: “Por uma moça, por uma jovem mulher, ou até mesmo por uma idosa, nada deve ser feito independentemente, mesmo na sua própria casa. Na infância uma fêmea deve ser submetida ao seu pai, na juventude ao seu marido, e quando da morte do seu senhor, aos seus filhos; uma mulher nunca deve ser independente.” Segundo sir R. G. Bhandarkar, “A Bhagavad Geeta dá expressão à crença geral de que é somente uma alma pecadora que nasceu como mulher”. Buda dizia: ''A mulher é má. Cada vez que se lhe apresente oportunidade, toda mulher pecará''. Para o budismo, a Nirvana (salvação) se alcança pela aniquilação do desejo, inclusive do desejo do homem pela mulher.


 


De acordo com o historiador Westermark, para os budistas “as mulheres são, das ciladas que o demônio inventou para os homens, a mais perigosa; nas mulheres estão inerentes todas as paixões que cegam a mente do mundo”. Para Zaratustra, que reformou a religião persa, a mulher ''deve adorar ao homem como à divindade. Nove vezes pela manhã, de pé ante o marido, com os braços cruzados, deve perguntar-lhe: Que desejais, meu senhor, que faça?''


 


As Leis de Manu, livro sagrado da Índia para instituições civis e religiosas – datado de 1280 antes de Cristo – determinam: Livro II. Regra 213 – ''Está na natureza do sexo feminino tentar corromper os homens na Terra, e por esta razão os sábios jamais se abandonam às seduções das mulheres''. Livro V. Regra 148 – ''Durante a infância, uma mulher deve depender de seu pai; durante a juventude, de seu marido; se este morrer, de seus filhos; se não tiver filhos, dos parentes mais próximos do marido e, na sua falta, dos de seu pai; se não tiver parentes paternos, do seu soberano; uma mulher não deverá nunca governar-se ao seu bel-prazer''. Livro IX. Regra 5 – ''Acima de tudo, deve-se resguardar as mulheres das más inclinações, por pequenas que sejam; se as mulheres não fossem vigiadas, fariam a desgraça de duas famílias''.


 


No Novo Testamento, Paulo escreve a primeira carta aos Coríntios 11, 3-10: “Todavia, quero que vocês saibam que a cabeça de todo homem é Cristo, que a cabeça da mulher é o homem, e a cabeça de Cristo é Deus. Todo homem que reza ou profetiza de cabeça coberta, desonra a sua cabeça. Mas toda mulher que reza ou profetiza de cabeça descoberta, desonra a sua cabeça; é como se estivesse com a cabeça raspada. Se a mulher não se cobre com o véu, mande cortar os cabelos. Mas, se é vergonhoso para uma mulher ter os cabelos cortados ou raspados, então cubra a cabeça. O homem não deve cobrir a cabeça, porque é a imagem e a glória de Deus; mas a mulher é a glória do homem. Pois o homem não foi tirado da mulher, mas a mulher foi tirada do homem. E o homem não foi criado para a mulher, mas a mulher foi criada para o homem. Sendo assim, a mulher deve trazer sobre a cabeça o sinal da sua dependência, por causa dos anjos”.


 


O Alcorão, livro cuja autoria os muçulmanos creditam a Deus, diz da condição feminina: Capítulo IV. Versículo 11 – ''Dai aos varões o dobro do que dai às mulheres''. Capítulo IV. Versículo 38 – ''Os homens são superiores às mulheres, porque Deus lhes outorgou a primazia sobre elas. Os maridos que sofrerem desobediências de suas esposas, podem castigá-las: deixá-las sós em seus leitos, e até bater nelas''. Capítulo XXIV. Versículo 59 – (…) ''Não se legou ao homem calamidade alguma maior do que a mulher''


 


Já o teólogo alemão Martinho Lutero (1483-1546), responsável pela Reforma Protestante, condenava as degredadas filhas de Eva à ignorância: ''Não há manto nem saia que pior assente à mulher ou donzela que o querer ser sábia''.


Como se vê, não falta respaldo, nas mais variadas seitas, à conclusão do líder mulçumano que, no século XXI, vitupera as mulheres. O que lhe falta é uma visão de mundo sem preconceitos, o que lhe falta é ciência, o que lhe falta é respeito pela metade feminina da humanidade. O que lhe falta é um projeto de sociedade onde os seres humanos vivam em harmonia, sem exploradores e sem explorados, sem deuses e sem diabos, onde os seres humanos – independente de gênero – sejam o bem supremo nesta vida, e não no Além.

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