Múmias se levantam

Revoltas populares no Oriente Médio e Norte da África exprimem desejo de mudanças de povos oprimidos, mas fazem ressurgirem mistérios e até múmias se levantam. O ditador do Egito, Hosni Mubarak, há três décadas amparado pelos Estados Unidos, se agarra ao poder e busca apoio nos sarcófagos de outros ditadores mortos-vivos da região.

Enquanto as manifestações mais intensas se davam na Tunísia, com relativo sucesso, estava tudo sob controle dos padrinhos ocidentais. Ao cair, o presidente Zeni El Abidini Bem Ali, trocou seis por meia dúzia e formou um governo de araque em seu lugar, mas o povo não aceitou e segue em luta.

Mesmo eventuais respingos em outros países do Magrebe, em especial Argélia e Marrocos, não chegam a assustar. Ainda que todos se lembrem de como foi violenta sua libertação do jugo da França, o poder colonial nesses territórios até meados do Século passado.

Mas o Egito é diferente. Não apenas por ser um país de 80 milhões de habitantes, com forte economia, mas pelo seu papel estratégico. Esse país vinha sendo poderoso respaldo na instabilidade do Oriente Médio, como fiel aliado de Israel e servil representante da política dos EUA para a região.

A pesada interferência americana naquela parte do mundo e mesmo as intervenções diretas, como no Iraque, vinham tendo o aval incondicional do governo egípcio. Mas a administração direitista de Mubarak agora se desmascara e é forçada a revelar o tamanho da ajuda de Washington à sua ditadura.

São 3 bilhões de dólares diretos nas mãos de Mubarak todos os anos. Sem contar outros tipos de ajuda, no campo militar e mesmo no econômico. No que os governantes egípcios vêm usando esse dinheiro não se sabe. O que se tem certeza é de que a corrupção campeia solta no país.

A situação deixou o presidente americano, Barack Obama, em maus lençóis. Por azarada coincidência, quando tiveram início os protestos de rua em todas as cidades do Egito, missão daquele país estava em Washington tratando da subvenção deste ano, que por ora foi suspensa.

Numa primeira fala sobre o tema, Obama disse torcer por uma solução pacífica aos confrontos, mas deixou no ar sua posição sobre a permanência ou não de Mubarak. Confirmou, porém, que a ajuda americana aguardaria um desfecho na situação.

No entanto, no dia seguinte ele recebeu telefonemas dos chefes de governo da Turquia, Arábia Saudita, Jordânia, Emirados e sabe-se lá quem mais com a postura unitária de que o poder não deve entrar em negociações na crise do Egito.

Convencido pelos argumentos, Obama voltou a dizer que espera solução pacífica para o caso, mas deixou claro que os EUA não são partidários da queda do ditador egípcio. Como aqueles países chegaram a um consenso não se sabe ao certo, mas é claro que houve conversação aprofundada, inclusive com representantes americanos.

Acaba sendo, portanto, um grande teste para Obama, que já é criticado pela lenta retirada de tropas do Iraque. Toni Blair, ex-primeiro-ministro da Grã-Bretanha, disse semana passada que se arrependia de uma coisa que fez no seu prolongado governo: ter participado da operação Iraque.

Blair alegou que chegou a ir aos EUA para falar com o ex-presidente George Bush e evitar a parceria britânica na invasão. Mas, segundo ele, Bush foi tão enfático na tese de que ambos corriam o risco de um ataque nuclear iraquiano que sequer o deixou argumentar. Ou seja, Bush mentiu até para os aliados.

O fato é que os invasores bateram firma, com massacres de cidadãos e pena de morte para o presidente iraquiano. Ficou comprometido até o pescoço. Uma vez comprovado que o Iraque não tinha nem sinal de bomba atômica, veio o desgaste natural.

Para Bush, isso não tinha a menor importância. Mas para Obama, tem. Desde sua campanha eleitoral e fulminante chegada ao poder, ele angariou muito voto com a promessa de que consertaria os erros das ações externas do seu país. Mas, por enquanto, ele recebe aplausos dos democratas, os conservadores de lá.

O pior é que a derrocada dos regimes no Egito e Tunísia certamente irá contaminar outras sociedades de todo o Norte da África. O Egito por sua liderança no vale do rio Nilo e a Tunísia por sua influência na parte Noroeste do Continente, o Magrebe. E será normal se espalhar rumo Sul, chegando aos países da África Negra.

No Egito, pelo transcorrer dos eventos de rua, pelo jeito dos manifestantes e pelas palavras de ordem, o que se depreende é que o povo quer democracia. Apesar de as mesquitas terem servido de referências para os grupos de mobilização, não há sinais de que dali possa sair um regime islâmico fechado.

Segundo estatísticas trazidas por agências de notícias, mais de dois terços dos milhões de manifestantes têm menos de 30 anos de idade. Ou seja, nem tinham nascido quando Mubarak subiu ao poder. E, entre esses jovens, as mulheres puxam slogans e trajam vestes pouco xiitas.

Apesar de ter a maioria da sua população hoje convertida ao islamismo, o Egito é o país mais aberto a influências globais naquela parte do mundo.

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