Não Precisamos de Novas “Leis Monstros”!

Em 1934, mesmo que tenha encaminhado a eleição indireta de Getúlio Vargas à Presidência da República, a Constituição promulgada naquele ano estabeleceu o que se tem chamado do “Estado Democrático de Direito”.

Para se ter uma ideia, foi na Carta de 1934 que foi conquistado o voto feminino e instituído o voto secreto, além do voto obrigatório para maiores de 18 anos, assim como estabeleceu a criação da Justiça do Trabalho e a criação da Justiça Eleitoral, além de nacionalizar as riquezas do subsolo e quedas d'água no País. Enfim, uma Constituição de conquistas e avanços reivindicados pelos trabalhadores brasileiros que conquistaram na ocasião a jornada de trabalho de oito horas, as férias remuneradas, a proibição do trabalho infantil, a indenização para trabalhadores demitidos sem justa causa, a assistência médica e dentária, a assistência remunerada a trabalhadoras grávidas e a proibição de diferença de salário para um mesmo trabalho, por motivo de idade, sexo, nacionalidade ou estado civil. Sem entrar no mérito da forma corporativista da legislação social e trabalhista, entre as principais reivindicações proletárias, só faltou mesmo o direito de greve.

Porém, já em seu discurso de posse, Vargas declarou, de forma idêntica a José Sarney em 1988, após a promulgação da “Constituição Cidadã”, que com aquela Carta seria impossível governar.

Entre os finais de 1934 e o início do ano seguinte, portanto há quase 80 anos atrás, o Brasil vivia uma retomada de greves de várias categorias de trabalhadores por todo o País. Em 27 de dezembro, os funcionários dos correios do Rio de Janeiro e de São Paulo, com adesões em vários pontos do País, declararam-se em greve e atravessaram o ano paralisados[1]. Um dia depois, entravam em greve os trabalhadores do Lloyd Brasileiro, que tiveram as suas oficinas guardadas por fuzileiros navais. Em janeiro de 1935, o movimento iniciado no Rio de Janeiro pelos Marítimos de Cabotagem e organizada pela Federação dos Marítimos, expandiu-se por todo o Brasil, paralisando parte do tráfego e afetando o comércio nacional. Também no início de 1935, no Rio de Janeiro, começou a greve da Cantareira, empresa que fazia o transporte das barcas da capital para Niterói e outras proximidades. Os funcionários paralisados, assim como os donos da empresa, com estratégia similar até os dias de hoje, defendiam o aumento das passagens para a solução do movimento, proposta não aceita inicialmente pelo Governo. Na passagem do dia 6 para o dia 7, a polícia interditou o Sindicatos dos Caldeireiros e a União Proletária, prendendo quatro grevistas que tentavam ampliar o movimento por meios violentos[2]. Finalmente, o governo do interventor Ari Parreiras cedeu e tanto os fretes, como as passagens das barcas e bondes tiveram seus preços aumentados (em 30%), o que fez com que, juntamente com a depredação da usina geradora de energia para os bondes de Niterói, os setores comerciais fluminenses retirassem o apoio que vinham dando ao movimento. Mas a greve, que interessava tanto aos empregadores quanto aos operários da Cantareira continuou, enquanto as barcas passaram a ser tripuladas pelo pessoal da Marinha e os bondes por forças policiais.

Em Niterói vários episódios de violência ocorreram tais como tiros contra ônibus e bombas explodindo no centro da cidade, creditados na época pela polícia a “elementos extremistas”. Um dos resultados do movimento foi que os motorneiros voltaram ao trabalho, enquanto que marítimos desligaram-se do sindicato. A greve da Cantareira só terminaria no dia 13 de janeiro, quando os marítimos retornaram às suas atividades e os bondes deixaram de ser dirigidos pelos policiais. Mesmo assim, foram demitidos Moacir Vasconcellos, presidente do Sindicato da Cantareira, e João Monteiro, delegado eleitor da mesma entidade, os dois caracterizados como líderes do movimento[3]. A greve da Cantareira, em Niterói, ganhou aspecto de greve geral, pois outros importantes setores também pararam, como as fábricas de vidros Orion e São Domingos e os choferes da cidade. Como era uma greve de grandes proporções, em localidade vizinha a capital federal, contribuíam para a defesa de medidas mais repressoras aos movimentos sociais no País.

As greves dos correios em São Paulo e no Rio de Janeiro, a dos marítimos em diversas partes do País e a de parte do transporte público na capital federal e em Niterói, aumentaram os boatos de uma greve geral em Porto Alegre, em janeiro de 1935. Diante disso, a polícia da capital do Rio Grande do Sul passou a tomar várias precauções, pois cada vez mais se falava em paralisações de operários da indústria têxtil, metalúrgica, de estivadores ou do proletariado em geral. A Guarda Civil e a Brigada Militar passaram a vigiar os principais estabelecimentos fabris e os escritórios e linhas da Viação Férrea, onde boatos de greve também circulavam. No caso dos ferroviários, uma assembléia realizada no dia 10 descartou a greve, repudiando qualquer movimento de violência. Dario Barbosa, delegado de Ordem Política e Social, comandou pessoalmente as operações de segurança, alegando que não havia “motivo para nenhum temor”, pois o movimento paredista projetado, não passava de um “trabalho inócuo de elementos extremistas” que agiam “no seio do operariado local, procurando induzi-lo a greve”. Porém, para o delegado as autoridades estavam “aparelhadas para enfrentar qualquer situação para assegurar a mais rigorosa ordem”.

Dario Barbosa só não contava com o descontentamento real de parcela do operariado porto-alegrense, motivo que ia além de qualquer influência ou propaganda de “extremistas”, sobretudo em função do arrocho salarial daquela conjuntura. No mesmo dia das declarações do delegado, o Sindicato dos Tecelões reuniu-se, pleiteando aumento de 30% nos salários e melhorias sanitárias nos estabelecimentos fabris[4].

A greve dos marítimos que também atingiu Porto Alegre terminaria no dia 11. Mesmo assim a polícia de Porto Alegre continuou a vigilância no cais do porto, onde estavam atracados cinco navios[5]. Quanto aos operários tecelões de Porto Alegre, nem a polícia nem a Inspetoria Regional do Trabalho (IRT) conseguiu impedir a greve. No dia 11, com reivindicação de aumento salarial em 50% dos vencimentos, além da melhoria sanitária nos estabelecimentos em que trabalhavam, se declararam em greve pacífica, contra a intermediação da Inspetoria e procurando negociar diretamente com os empregadores das fábricas de tecidos.

A polícia adotou medidas preventivas, aumentando a segurança em torno das instalações fabris, enquanto os proprietários prometiam demitir os grevistas que não voltassem ao trabalho até 16 de janeiro. Como resultado, a Brigada Militar efetuou a prisão de vários grevistas na zona fabril de Porto Alegre, alegando medida de caráter preventivo, enquanto distribuíam boletins, que acusavam os empregadores de exploração e repressão nos locais de trabalho, chamando outros companheiros para aderir ao movimento.A greve dos tecelões ampliou-se e ganhou força, pois os metalúrgicos reuniram-se na sede da Federação Operária do Rio Grande do Sul (FORGS), nesta época já dirigida pelo Partido Comunista do Brasil, tirando moção de apoio ao movimento, iniciando a mobilização pelas suas reivindicações específicas[6].

Como consequência, no dia 16, parcela dos metalúrgicos de Porto Alegre também entrou em greve, suspendendo o trabalho nas firmas Alcaraz e Cia., Só e Cia, Cipriano Micheleto e Cia. e na Companhia Geral de Indústrias. A Brigada Militar passou a guarnecer também estes estabelecimentos, enquanto que as classes dominantes referiam-se que as duas greves davam “um aspecto mais grave” aos movimentos, que entravam em uma fase mais “aguda”. No primeiro dia, os grevistas, entre eles Eloy Brasil Martins, liderança do PCB desde os tempos do Bloco Operário e Camponês (BOC) e primeiro secretário do Sindicato, se dirigiram para a Metalúrgica Berta, uma das maiores da capital, buscando a adesão dos trabalhadores da fábrica, mas foram atacados por uma força da Brigada Militar, que os repeliu de forma violenta, prendendo Martins na Casa de Correção. Os patrões, liderados por Mário Alcaraz, alegaram com o argumento corriqueiro da época: que a greve era de uma minoria Ao referirem-se às reivindicações, afirmaram que os que não voltassem ao trabalho no dia seguinte, seriam demitidos. No interior da fábrica Alcaraz e Cia., Ernani de Oliveira, o diretor da IRT, afirmava que era preciso que fossem utilizadas “medidas enérgicas” devido aos problemas que traziam para o estado e para o País, uma demonstração dos compromissos do diretor da Inspetoria com o patronato porto-alegrense.

Mesmo assim, o operariado de Porto Alegre não cedeu. Em 16 de janeiro, além dos tecelões não retornarem ao trabalho, como estabelecia o ultimato dos industriais, os quais passaram a contar como vagos os cargos dos paredistas, entraram em greve os operários metalúrgicos da Mabilde e Cia., da Ribeiro, Jung e Cia. e da Companhia e Metalúrgica Porto-Alegrense.

Diante da maior mobilização operária, o empresariado porto-alegrense dirigiu-se ao governo estadual solicitando a sua “intervenção enérgica no assunto, a fim de se evitar o alastramento do movimento grevista pelo interior do estado e demais estabelecimentos industriais de Porto Alegre”, a fim de se evitar no Rio Grande do Sul o “colapso da economia”.

A radicalização da greve produziria um dos episódios mais marcantes da história operária e da política da esquerda do período no Rio Grande do Sul. Na avenida João Pessoa, no centro da capital, em frente ao Anfiteatro Alhambra, no dia 17, um automóvel conduzia presos um médico da cidade e dois motorneiros da Companhia Carris, a empresa de transporte que funcionava nas imediações do Parque da Redenção. Para a polícia, que realizava investigações e diligências por toda a Porto Alegre, especialmente nas zonas operárias, um dos presos tinha relação direta com a tentativa de “greve geral” em curso. Com a greve dos tecelões e metalúrgicos, outra parede, que paralisasse os serviços de bondes e de luz elétrica, contribuiria para a suspensão das principais atividades produtivas e do comércio de Porto Alegre. No momento da prisão, os suspeitos, já considerados “cabeças” do movimento pela polícia, estariam assediando empregados da Companhia Carris, incitando-os para a greve. Para a DOPS estava na hora de prendê-los, para “não alastrar ainda mais o movimento grevista estourado na capital”. Assim, vários investigadores de polícia passaram a concentrar-se nos principais pontos onde eles costumavam reunir-se, a fim de detê-los.

Ao serem presos, na esquina da Avenida João Pessoa com a Rua José Bonifácio, onde hoje se localiza o início do “Brique da Redenção”, depois da diligência, o médico e os motorneiros estavam sendo conduzidos para a Chefatura de Polícia, quando teria iniciado o tiroteio no interior do automóvel de praça (como se chamavam os táxis à época), contratado para conduzi-los à prisão.

Segundo a versão policial, o médico Mário Couto da Silva estava no banco de trás do automóvel com o motorneiro Joaquim Braga da Costa. Entre eles, o investigador José Vaz Primo. Na frente, além do motorista do táxi, estavam o motorneiro Quintiliano F. de Lima e o amanuense (escrivão) da polícia Leguli. No lado de fora do automóvel, segurando-se no toldo, o investigador Levino Antunes. Depois de cerca de duzentos metros do local da prisão, Mário Couto, o qual, segundo os argumentos oficiais, não teria sido revistado ao ser preso e, estranhamente, portava uma arma escondida, teria puxado um revólver 38 e atirado à queima-roupa na boca e no nariz de Vaz Primo, que morreu no local, logo ao sair do automóvel. Eram catorze e trinta da tarde, quando Mário Couto, de 26 anos, também morria dentro do carro com dois tiros no peito. A polícia não esclareceu onde estava o investigador Antônio B, de Medina, o “Paulista”, responsável pela investigação que levou à prisão do militante e dos operários e que saiu gravemente ferido do tiroteio, juntamente com o motorneiro Quintiliano, nem quem atirou no médico, nem se os outros motorneiros estavam armados para que acontecesse o “cerrado tiroteio”[7]. Provavelmente, outro carro da polícia acompanhava o carro que conduzia os detidos.

O pesquisador João Batista Marçal descreve a cena de forma diferente. “Um sol forte bate na cabeça de alguns casais que desfilam seus sonhos, de mão dadas, na praça da redenção. Velhos, mulheres e crianças buscam sombra nas árvores em cujas copas se debruça uma tarde cinzenta. Tarde quente com prenúncio de tragédia no ar. Na frente da Redenção, a Companhia Carris é uma colméia humana. Motorneiros, cobradores e fiscais, poeirentos e cansados, entram e saem nos velhos bondes estradeiros. Grupos discutem. Vultos furtivos andam de grupo em grupo. A palavra greve está em todas as bocas. ‘Vamos parar, companheiros. Chega de exploração. Vamos parar esta cidade’. Do meio dos bondes. Do ventre grevista, três vultos esquivos. Mário Couto, Quintilhano de Lima e o ‘141’ (Joaquim Braga Costa). Dois dirigentes dos transviários. Discutem, acertam detalhes. Mário está com a barba por fazer, os pés cansados, o corpo cansado pelas longas e clandestinas horas mal-dormidas. Atravessam a praça conversando, e vão sair na Avenida José Bonifácio. Olhares curiosos os seguem, disfarçados, à distância. A área está cercada pela polícia. O que vem a seguir se passa como num filme de terror. Muito rápido, atropelado. Revólver na cara. Mãos na cabeça. São dois policiais. Os três são presos ali na rua tendo o sol por testemunha. Encosta um carro particular. Descem mais três policiais. Os presos são revistados. Não têm armas. As suas armas as bestas não entendem. Postos à força no carro, Sequestrados. O carro canta pneus na rua ensolarada. Contorna a Redenção e desce a Avenida João Pessoa. Vão passando na frente da Carris. Dentro do carros os revólveres descem da cabeça para o estômago. Mário sabe que está condenado. Faz um gesto tentando avisar seu companheiros. Soa o primeiro tiro. A camisa branca de Mário está amarela de pólvora. ‘Estou morto. Não, ainda não estou morto’, pensa. Toma o revólver de um dos bandidos e consegue dar um tiro. Mata um ‘rato’. Um tiro só. E a tarde se enche de estampidos, vozes de morte que sobem da terra e se perdem entre as vozes da cidade grande. Seu corpo é jogado fora do carro e sobre ele cinco feras descarregam suas armas repletas de chumbo e ódio. Quintiliano leva um tiro. Só não o matam, como a Joaquim, porque faltam balas. Sangue operário na rua. Sangue operário na tarde cinzenta. Esse crime aconteceu em dezessete de janeiro de 1935. E ficou impune. Miseravelmente impune. Vergonhosamente impune. Mário Couto, como se viu. Foi seqüestrado e executado pela reação em plena luz do dia (…)”[8].

A polícia, que investigava a articulação política de Mário Couto desde setembro de 1934[9], centrara as suas investigações no 4º Distrito, onde Carlos Alberto Machado, delegado local, havia apreendido quatro comunistas que portavam material de propaganda. Os panfletos tratavam do programa do Comitê Regional do PCB, o qual defendia a luta política e social “sem nenhuma colaboração nem conciliação com a famigerada classe dominante”.

Após novas prisões, inclusive de Saldanha Lima, organizador do PCB e que logo conseguiu fugir, e o encaminhamento dos detidos para a DOPS, onde foram interrogados e fichados no Gabinete de Investigações, descobrira-se o retorno de Mário Couto a Porto Alegre. Para a polícia, os “agitadores”, depois de lento trabalho, “conseguiram convencer os operários dos diversos estabelecimentos fabris” para a greve. Mário Couto era um dos “principais cabeças” do movimento, pois a polícia havia conseguido localizar seus pontos de atuação e os contatos com outros “agitadores” e líderes grevistas. O assassinato de Mário Couto fez a polícia adotar medidas ainda mais duras contra “as atividades extremistas”, fechando a sede de diversas entidades que portavam bandeiras vermelhas e realizando diversas prisões de “comunistas identificados”, a fim de impedir as suas ações[10].

A atitude dos patrões também se radicalizou: no mesmo dia do episódio envolvendo a morte de Mário Couto, muitas fábricas apareceram com cartazes divulgando vagas para novos operários. Isso não intimidou o movimento grevista, que conseguiu a adesão dos trabalhadores da fábrica Martelete e Santos, somando então seis estabelecimentos metalúrgicos em greve na capital, mas intimidou muitos individualmente, que passaram a retornar ao trabalho. O mesmo passou a acontecer com os operários tecelões, mesmo que muitos continuassem parados. Tal situação fez com que, além da violência da polícia, que ampliava a repressão ao movimento, outras atitudes de força passaram a acontecer entre grevistas e não-grevistas que insistiam em trabalhar. Em decorrência do caso Mário Couto, o chefe de polícia Dario Crespo, através da DOPS, determinou o fechamento do Sindicato dos Trabalhadores em Indústrias Têxteis, do Comitê Antiguerreiro de Porto Alegre e também a sede da FORGS, onde se realizava a maior parte das assembléias e atividades permanentes de greve, aumentando o cerco contra o movimento operário mais organizado e combativo, através da prisão de várias lideranças[11]. Além disso, no dia 17, o próprio Dario Crespo, acompanhado de investigadores de polícia e soldados da Brigada Militar, circulou pelos bairros operários de Porto Alegre, dissolvendo todos os grupos de supostos grevistas que encontrasse[12].

A maior repressão ao movimento grevista e as ameaças de demissão passaram a surtir efeito. No dia 18, vários trabalhadores passaram a voltar ao trabalho. A própria polícia achava que com a prisão de dezenas de suspeitos, o “perigo maior havia passado”, pois nesse mesmo dia prendeu em torno de vinte operários e “elementos suspeitos” no prédio da FORGS (a direção comunista da entidade , que logo seria fechada pela polícia), que ficou sendo guardado por agentes da Guarda Civil. Outros tantos foram detidos pela capital, inclusive em cafés, todos acusados de serem comunistas, sendo recolhidos às delegacias porto-alegrenses. O argumento da polícia era de que os suspeitos presos planejavam atentados na cidade, até contra a vida do diretor da IRT, Ernani de Oliveira, o qual vinha recebendo proteção policial dentro e nas proximidades da Inspetoria e em direção a sua residência.

Se a repressão e a demissão faziam muitos operários voltar ao trabalho, atitudes como essas contribuíam para outros vissem nas greves um teste para a conquista de direitos. No dia 21, parte dos operários das indústrias de mosaico de Porto Alegre também entrou em greve, reivindicando aumento salarial e a unificação do trabalho que, ao invés de receber por peça produzida, passariam a ganhar por dia de trabalho.

A posição do empresariado era de não negociar, seguindo o caminho tomado diante das greves metalúrgicas e têxteis, apostando no fracasso do movimento, pois consideravam a nova greve uma consequência das outras em andamento. Nesse momento, o Centro da Indústria Fabril divulgava o fim da negociação com cerca de cem grevistas metalúrgicos e tecelões que haviam sido demitidos, sem atender quaisquer de suas reivindicações[13].

Mas o declínio do movimento grevista em Porto Alegre era evidente. Apesar da fraca continuação da greve dos operários em mosaico, os quais foram ameaçados de demissão caso não voltassem ao trabalho até o dia 25, os metalúrgicos e tecelões encerraram o movimento em 22 de janeiro. A decisão resultou na suspensão do policiamento nas fábricas e nas zonas dos estabelecimentos em greve, mantendo-se apenas as rondas policiais noturnas como medida preventiva[14].

A onda de greves nacionais foi acompanhada pela decretação de parede pelos choferes de São Paulo, ainda no dia 12, parando os automóveis e ônibus, só trafegando os bondes. A polícia prendeu dez integrantes do comitê dos grevistas, encaminhando-os para a DOPS, e através da Secretaria de Segurança Pública, passou a dar garantia de trabalho para os que não aderissem ao movimento, enquanto intermediava negociações entre a categoria e o prefeito Fábio Sodré. Para a polícia, o movimento tratava-se de “um ato provocado pela minoria, ostensivamente auxiliado por elementos estranhos, pertencentes à Confederação Geral do Trabalho, ligada ao Partido Comunista do Brasil[15].

No dia 23, também pararam os trabalhadores dos frigoríficos Armour e Continental. Como de praxe, a polícia foi chamada para guardar os estabelecimentos, mas o movimento cresceu, com a adesão dos empregados do Frigorífico Anglo de Santos, ganhando proporções de repercussão nacional e ameaçando os paulistas de ficarem sem abastecimento de carne[16].

Nessa conjuntura cresciam as notícias de que em breve o governo federal iria enviar para a Câmara dos Deputados uma mensagem solicitando medidas para reprimir a propaganda e a ação de “elementos extremistas”, bem como aos abusos cometidos pela imprensa, através do projeto que vinha sendo construído pelo ministro da Justiça Vicente Ráo[17].

Enquanto A Platéia de São Paulo noticiava o retorno de Luiz Carlos Prestes ao País, para dirigir a Aliança Nacional Libertadora (ANL), em processo de criação e cujo manifesto deveria ser divulgado em breve[18], desenhava-se cada vez mais no horizonte uma legislação mais autoritária para combater o “extremismo”.

Em 25 de janeiro, o capitão Filinto Müller declarava a imprensa que a projetada Lei de Segurança Nacional (LSN) visava “apenas às ideias extremistas e as perturbações da ordem”[19]. Dois dias depois, o projeto da LSN era apresentado à Câmara dos Deputados, prevendo os crimes contra a Ordem Política e Social, a punição de greves nos serviços públicos, a repressão aos estrangeiros e a repressão às ideias subversivas, bem como a divulgação de notícias alarmantes, os crimes cometidos pela imprensa e os praticados pelo funcionalismo público. No mesmo dia, na capital federal, a polícia, postando-se ao largo do prédio, impediu manifestação na frente do Palácio Tiradentes contra a entrega do projeto, com a alegação de que o movimento era expressão de comunistas[20].

No final de janeiro, depois das greves dos choferes e dos operários dos frigoríficos, se noticiava em São Paulo a organização de uma greve geral. Desta vez os motivos não eram apenas reivindicações salariais e de melhoria nas condições de trabalho, enfim lutas econômicas. No dia 29, Santos quase parou contra o projeto de LSN, quando deixaram de trabalhar os filiados do Sindicato da Construção Civil, os condutores de veículos, os gráficos, parte dos bancários e os trabalhadores das docas, paralisando os armazéns de café. A cidade e o porto foram rigorosamente vigiados pela polícia, o mesmo acontecendo com o policiamento da capital.

No dia seguinte, também em protesto contra a LSN, foram presos diversos operários na cidade de São Paulo que portavam boletins concitando os trabalhadores para a greve geral, principalmente no bairro têxtil e operário do Bom Retiro, onde haviam deixado de trabalhar os alfaiates e os operários das fabricas de malhas e roupas feitas[21]. Nesse mesmo dia, os médicos, que haviam sido impedidos de realizar uma reunião de protesto contra a LSN, distribuíram um boletim chamando a categoria para a “defesa das liberdades individuais e públicas”, citando a morte de Mário Couto, no Rio Grande do Sul[22].

A repressão policial foi eficiente e os protestos contra a LSN, em São Paulo, foram diminuindo. Mesmo assim, o policiamento preventivo continuou nos principais bairros operários. Tal medida foi acompanhada de outra determinação da Secretaria de Segurança Pública, que através da DOPS proibiu terminantemente qualquer reunião de sindicatos e associações proletárias[23].

Quatro dias depois, uma tentativa de comício contra a LSN, organizada pelo Partido Socialista Brasileiro (PSB), também foi proibido. A vigilância da polícia aos partidos de esquerda, quanto às manifestações contra a LSN eram cotidianas, principalmente contra o PCB e ao Partido Socialista Revolucionário (PSR). Este último lançou um panfleto, apreendido pela polícia do Distrito Federal, chamado “Luta Revolucionária contra a Chamada ‘Lei de Segurança’” onde denunciava que “as burguesias nacionais não podendo mais escravizar as massas trabalhadoras pela democracia burguesa”, lançavam sua última cartada: “o fascismo, forjando leis antioperárias nos Estados Unidos, no Uruguai, e agora no Brasil, com a chamada LSN”[24].

Mas no Rio de Janeiro, o movimento estava apenas começando. Enquanto na Câmara dos Deputados, na Comissão de Constituição, era nomeado o relator do projeto da LSN, o deputado paulista Henrique Bayma, os gráficos dos jornais entraram em greve. O movimento, iniciado no dia 1º, teve origem após uma comissão de operários passar durante a madrugada por oficinas de vários jornais matutinos, conclamando os colegas para protestar contra a LSN. Quando saía de uma das oficinas, a comissão foi detida pela polícia. Cientes do ocorrido, os operários de diversos jornais abandonaram o trabalho em protesto pela prisão dos companheiros, enquanto que as oficinas dos jornais passaram a ser guardados por soldados da Polícia Militar e por investigadores de polícia[25].

Nos dias 5 e 11 de fevereiro, na Câmara dos Deputados, em nome do PCB, o deputado Álvaro Ventura fez veemente discurso contra a LSN, que passava aceleradamente pelas comissões da Câmara dos Deputados, denunciando o caminho fascista que o País tomaria com a nova Lei e as violações que a polícia vinha cometendo contra os operários, antes mesmo da mesma entrar em execução[26].

Três dias depois, a polícia da DOPS conseguiu impedir que uma greve dos bancários do Rio contra a mesma Lei de Segurança tomasse grande vulto, prendendo toda a sua diretoria e vários boletins que manifestavam a opinião do sindicato contra a LSN. Uma integrante da categoria dos bancários argumentou na ocasião para a imprensa que a nova Lei passava para a polícia o que era de incumbência do Ministério do Trabalho, no que se referia às questões que tratavam de atividades políticas nos sindicatos[27].

O que se via no Brasil, sob o ponto de vista jurídico já era uma aberração jurídica: a LSN que sequer havia sido votada na Câmara dos Deputados já era aplicada na prática, enquanto ainda tramitava no Legislativo, através de intervenções da polícia em todos os direitos individuais e sociais, ferindo antecipadamente a Constituição de 1934, o que a LSN pretendia prioritariamente.

A polícia do Distrito Federal agia de forma compacta contra qualquer manifestação contra a LSN. Em 9 de fevereiro, uma grande quantidade de boletins contra a Lei foi encontrada após ser distribuída entre operários das oficinas de Mocanguê, Caju, Conceição e outras localidades, enquanto os trabalhadores esperavam transporte[28]. Para os que prepararam o projeto inicial da LSN, como o Ministério da Guerra (através da ação direta de Góes Monteiro), o Ministério da Marinha, o Ministério da Justiça (por Vicente Ráo) e a Câmara dos Deputados (tendo a frente o líder da maioria Raul Fernandes[29]), estava claro para quem se dirigia a nova Lei em torno da ordem política e social.

Acompanhando as defesas de Góes Monteiro, no dia 15, o deputado gaúcho Adalberto Correia, e futuro presidente da Comissão Nacional de Repressão ao Comunismo (CNRC) credenciava-se junto ao governo ao ler um discurso na Câmara dos Deputados em que aplaudia e justificava a LSN, a seu ver necessária “para garantir a ordem no País”, pois era preciso “resguardar as instituições vigentes das investidas ostensivas do extremismo”[30].

No dia 19 de fevereiro, quando deveriam iniciar as discussões sobre a LSN na Câmara dos Deputados, a obstrução de alguns deputados impediu o começo dos debates. Simultânea e estranhamente, quando aumentava a posição dos setores militares contra a “Lei Monstro”, era descoberto um “complô” comunista na cidade paulista de Bauru, onde estariam envolvidos soldados da Força Pública do estado. Na ocasião, foram presos diversos civis, incluindo um advogado com grande influência no meio do operariado da cidade e da região, além de militares[31].

No dia 26, no Rio de Janeiro, um novo “complô” foi descoberto. Segundo a polícia, que prendeu militares e operários em flagrante por articularem o movimento, através dele se pretendia a destruição da Light. Para o ministro da Guerra Góes Monteiro, que colocou a 1ª Região Militar em prontidão, as prisões seriam “para averiguação de ordem militar”[32]. No dia seguinte, O Globo anunciava a libertação dos suspeitos, em função de que a polícia não encontrou nenhuma prova material com os supostos terroristas. Segundo reportagem do jornal, Albertina Mascarenhas, esposa de Rafael Mascarenhas, um dos acusados detidos, os presos realizavam reunião em sua casa para estudar uma maneira de dirigirem-se aos seus chefes, a fim de pedirem aumentos salariais, quando a polícia invadiu a residência, revirando tudo o que encontrava, inclusive as latas de gêneros alimentícios. Enquanto o PCB divulgou nota desmentindo que o Partido tivesse dado qualquer orientação no sentido de provocar uma greve geral a fim de privar a capital federal de transportes ou outros serviços públicos durante o carnaval, a polícia varejou também as associações operárias de Niterói, prendendo vários trabalhadores.

Tudo isso fazia parte da estratégia conservadora para conquistar o apoio da opinião pública para a aprovação da Lei. E ela vinha acompanhada de divulgação pela grande imprensa de planos contra o regime vigente. Em São Paulo, no final do fevereiro, pouco antes da Câmara terminar a redação final da LSN, surgiu a “descoberta” de “planos de subversão da ordem pública”, divulgados pela Delegacia de Ordem Social e por militares federais[33].

Ainda no dia 27, anunciou-se a “descoberta” de outro “complô”, desta vez em Minas Gerais, fato logo desmentido pelo comando militar da Região. Mesmo com as negativas e evidências da extensão de um “complô”, o episódio do Rio de Janeiro serviu de justificativa para Filinto Müller reivindicar instrumentos maiores para a repressão, certamente como a LSN. Ao mesmo tempo em que Filinto Müller conseguia mais poder junto a Vargas, pois acabara de conseguir a nomeação de seu parente e engenheiro Fenelon Müller para a interventoria de Mato Grosso, inclusive tomando posse no Palácio Monroe, no Rio de Janeiro, se ampliavam manifestações contra a LSN.

No Rio de Janeiro, em reunião de comissão do Clube Militar presidida pelo general João Guedes da Fontoura, incumbida de agradecer ao presidente da República a mensagem à Câmara sobre o reajustamento dos militares, reivindicação antiga da corporação, o capitão Walter Pompeu[34] e o major Costa Leite fizeram veemente discurso contra a “Lei Monstro”, como vinha sendo chamada a LSN ou, desde 1934, qualquer tentativa neste sentido, além de atacar Vargas e seus superiores hierárquicos. Por “desvirtuarem” os objetivos da reunião, os dois militares foram ameaçados de pegar 30 dias de prisão por indisciplina, promessa feita por Góes Monteiro, ministro da Guerra.

A ABI também se manifestava contra a Lei, mas apenas em relação aos dispositivos que tratavam da liberdade de imprensa, defendendo a abolição dos seus artigos[35]. Uma das primeiras medidas apoiadas na LSN, mesmo que ela ainda não tivesse entrado em vigor, foi à apreensão do jornal carioca A Pátria, a pedido de Filinto Müller por motivo de críticas ao governo e a polícia do Distrito Federal.

Em todo o País, uma das formas de reação contra a LSN foi a ampliação de uma ampla frente de antifascistas, que resultou no lançamento da ANL, em 12 de março, quando a comissão de Organização Provisória organizou o Diretório Nacional Provisório (DNP) da Aliança, em reunião realizada em um prédio da avenida Rio Branco, no centro do Rio de Janeiro[36]. A ANL, frente antifascista, antiimperialista e aintilatifundiária, na qual se reuniram comunistas, socialistas, anarquistas, liberais democratas, tenentistas, operários, camponeses, estudantes e intelectuais, entre outros, tinha como pontos fundamentais de seu programa nacional e libertador a suspensão do pagamento da dívida externa do país, a garantia de amplas liberdades democráticas, a reforma agrária, a nacionalização das empresas estrangeiras e a constituição de um governo popular, enfim, pauta extremamente atual para a realidade brasileira.

No dia 16 de março, na Câmara dos Deputados, após amplos debates, a maioria conservadora conseguiu a aprovação da LSN, em segunda discussão. Onze dias depois, a LSN foi aprovada em último turno[37], sendo que a Câmara referendou a redação final em 29 de março. Não adiantara os veementes protestos na reunião do Clube Militar no dia 23, liderados pelo comandante Roberto Sisson, pelo major Costa Leite, pelo capitão Antônio Rollemberg e pelo tenente Walfrido Caldas, os quais haviam denunciado as ameaças às liberdades públicas no conjunto da Lei, com a qual, segundo eles, pretendia-se “amordaçar a consciência nacional” e que iria “lançar a República no caos da desordem e das revoltas de rua”[38]. Os militares de origem tenentista e da ANL anteviam que a “Lei Monstro” seria usada, como de fato o foi, contra os aliancistas, após a Insurreição Nacional Libertadora de 1935, bem como contra os comunistas, os socialistas e todos os setores progressistas.

A aprovação da LSN, um golpe nas liberdades democráticas da Constituição de 1934, coroava os desejos de Vargas e de seus apoiadores para o aumento da coerção e do poder político-policial diante da sociedade. Com a LSN, diminuía a fronteira entre a legalidade e a arbitrariedade, marcando uma nova fase: a da legalidade da arbitrariedade. Por isso, e mais uma vez, é um mito da historiografia oficial, muitas vezes assumindo o discurso varguista, de que o fechamento do regime se deu em conseqüência do Movimento Nacional Libertador de novembro de 1935. Desde que Vargas assumira o governo constitucional, as classes dominantes clamavam por mais repressão. Por isso, a polícia não diminuiu seus poderes e suas práticas de violência, como a história da repressão do período nos demonstra. A LSN apenas coroou a intenção de colocar um ferrolho nos movimentos sócio-políticos de oposição. A ilegalidade da ANL, decretada em julho de 1935, mais a insurreição comunista de novembro daquele ano, mesmo via quarteladas, um erro admitido mais tarde pelo PCB, apenas explicitou a justificativa que estava oculta, preparada desde a Lei de Segurança[39] e coroada com o Tribunal de Segurança Nacional (TSN) e a CNRC. Esta mesma lei foi seria reforçada após o Golpe do Estado Novo, mantida entre 1945 e 1964 e aperfeiçoada após a Ditadura de 1964, sobretudo depois do AI-5, sempre visando o “inimigo interno”. Decorrente desta legislação, a História de nossa Formação Social recente demonstra claramente quem foram as principais vítimas do arbítrio.

Passados oitenta anos, em ano de Copa do Mundo no Brasil, em um País ainda marcado pelas jornadas de junho de 2013 e por um histórico de repressão e criminalização dos movimentos, com a permanência de protestos de rua radicais e com atos de violência cometidos por Black Blocks e outras organizações, sobretudo após a comoção do assassinato do cinegrafista Santiago Andrade, eis que surge a proposição de uma nova lei de repressão, agora chamada de Lei Antiterrorismo, contra os “extremismos” e pela “manutenção da ordem”. Exemplo destas iniciativas foi a Portaria n° 3.461 do Ministério da Defesa, lançada em dezembro de 2013, que trata da “Garantia da Lei e da Ordem” e que prevê o uso das Forças Armadas na garantia da “Lei e da Ordem” internas, a partir da Constituição de 1988, objetivamente inspirada na LSN da época da Ditadura de Segurança Nacional e que legalizou o terrorismo de Estado instituído à época. Somou-se a ela o recente projeto de Lei que busca tipificar atos possíveis de serem considerados crimes de terrorismo.

A quem interessa este tipo de legislação em um Estado Democrático de Direito? Será que o Brasil não tem leis penais suficientes que tipificam o chamado “crime comum” para coibir a violência cometida nas ruas, seja ela hegemonicamente oriunda das continuadas mazelas sociais, como a falta de transporte público e de mobilidade urbana de qualidade, além do acesso aos bens públicos tão caros a maioria trabalhadora da população, base das reivindicações para os milhares que foram as ruas em 2013, como saúde, educação e segurança, seja de ações criminosas no interior de movimentos sociais e políticos legítimos? Não seria mais apropriado ampliarmos a democracia e os direitos sociais que colocasse o Brasil em outra rota de desenvolvimento e garantisse a paz e a tranquilidade pública.

Toda vez que leis genéricas e radicalmente autoritárias contra a ordem política e social, como a famigerada LSN, foram usada em nosso País, atingiram majoritariamente as forças progressistas e de esquerda, os movimentos sociais e políticos que defendem mudanças estruturais para o Brasil, como em 1935, e que necessitam das ruas para defender reivindicações, direitos e conquistas. Na década de 1930, como vimos (o recorte histórico poderia ser outro), a “violência de rua”, inclusive o assassinato, como foi o caso de Mário Couto, em Porto Alegre, assim como do operário têxtil e militante da ANL, Leonardo Candú, em Petrópolis, no mesmo ano, assassinado por integralistas da cidade fluminense, vinha essencialmente das forças repressivas e dos grupos de extrema direita da Ação Integralista Brasileira (AIB). Mas, como sabemos, na sequência do processo histórico, não foram estas forças e grupos os principais atingidos pela LSN, mas sim os movimentos sociais urbanos e do campo e os partidos políticos com eles comprometidos, submetidos ao poder das forças policiais e militares e do aparato jurídico repressivo do Estado, então baseado na “legalidade” do arbítrio.

Não, em defesa da segurança, definitivamente não precisamos de novas “leis monstros”, que tal como Prometeu visam eternamente nos “supervisionar”, mas que se tornam frankensteins, se virando contra os mesmos que defendem seguidamente o confortável, reacionário e positivista lema das classes dominantes: a lei e a ordem. A nossa recente e ainda incompleta democracia de apenas trinta anos não merece isso, sobretudo porque não temos evidência nenhuma de “terrorismo”, não podendo sermos acometidos por uma renovada “cultura do medo”, sobretudo em tempos de Comissão Nacional da Verdade que busca desconstruir a pecha de “terroristas” para aqueles que resistiram à Ditadura e contribuíram, mal ou bem, para o que temos de democracia nos dias atuais. As memórias em torno da vida de de Mário Couto e Leonardo Candú merecem muito menos.

Notas

[1] Esta foi a primeira greve da história dos Correios no Brasil. Cf. “A greve dos funcionários postais e dos telégrafos”. In. A Plebe, Nova Fase, Ano III, n. 79. São Paulo, 05/01/1935, p. 1, Microfilme 0200, Coleção Jornais Brasileiros, Arquivo Edgar Leuenroth/UNICAMP.
[2]Ver: “Prossegue a greve do pessoal da Cantareira” e “A greve da Cantareira”. In. Diário de Notícias. Porto Alegre, 08 e 09/01/1935, p. 1 e 7, respectivamente, Museu de Comunicação Social José Hipólito da Costa (MCSJHC)/RS.
[3] Cf. “Prossegue a Greve da Cantareira”, “Continua o impasse criado com a greve da Cantareira” e “Terminou a greve da Cantareira”. In. Diário de Notícias. Porto Alegre, 13, 15 e 17/01/1935, todas publicadas na p. 1, MCSJHC/RS.
[4] Cf. “Boatos de greve geral”. In. Diário de Notícias. Porto Alegre, 11/01/1935, p. 7, MCSJHC/RS.
[5] Ver: “Terminou a greve dos marítimos”. In. Diário de Notícias. Porto Alegre, 12/01/1935, p. 3, MCSJHC/RS.
[6] Cf. “A greve parcial dos tecelões”. In. Diário de Notícias. Porto Alegre, 15/01/1935, p. 5, MCSJHC/RS.
[7] Mário Couto e Vaz Primo foram conduzidos para o necrotério da Santa Casa, próximo do local das mortes. Ver a matéria completa em “Um drama de morte à avenida João Pessoa”. In. Diário de Notícias. Porto Alegre, 18/01/1935, p. 5 e 12, respectivamente, MCSJHC/RS. Ainda no dia 17, o interventor interino João Carlos Machado enviou telegrama ao Rio de Janeiro, para Flores da Cunha, lhe avisando da morte de Mário Couto com a visão oficial da polícia sobre os fatos. No mesmo telegrama informou também que a greve dos tecelões e metalúrgicos estava estacionada. Cf. telegrama nº 130, Fundo Documentação dos Governantes, Série Correspondência Expedida, Distrito Federal, 1935, Maço 101, Arquivo Histórico do Rio Grande do Sul (AHRS).
[8] Cf. MARÇAL, João Batista. Comunistas gaúchos. A vida de 31 militantes da classe operária. Porto Alegre: Tchê, 1986, p. 41-42.
[9] Neste período, um guarda civil descobriu uma casa abandonada na avenida Teresópolis, nº 3214, onde se realizavam reuniões políticas clandestinas. Na ocasião, o guarda chamou outro colega para averiguar a situação. Ao aproximarem-se da casa, iniciou tiroteio, com um dos guardas saindo ferido. Reforços da polícia seguiram os que fugiram do local, detendo três deles na Feira Livre da Osvaldo Aranha. Os três eram Mário Couto, Hamilton Vieira e Salomão Shapiro, que conduzidos para a Chefatura de Polícia, confessaram-se integrantes do PCB. Logo depois, foram presos Miltom Krafelti e Alberto Fernandes, que estavam na reunião da casa descoberta pela polícia. Segundo a polícia, após o interrogatório das autoridades, e pelas suas “ideias terroristas”, Mário Couto foi conduzido preso à Casa de Correção, sendo dias mais tarde conduzido para fora do estado, por ser considerado “elemento perigoso à ordem social”. Destinado para a capital da República, onde também foi preso, Mário Couto voltou oculto a Porto Alegre. Investigações conduzidas por Dario Barbosa, delegado de Ordem Política e Social haviam descoberto as suas ligações para a criação de uma filial da IC (o PCB) na capital, cujo contato maior era Saldanha Lima. Documentos que comprovavam a sua ligação com o interior do estado e a distribuição de panfletos destinados aos operários fabris em greve e para novas paralisações, determinaram a expedição do pedido de prisão, onde quer que fosse encontrado. Mário Couto havia sido detido várias vezes em São Paulo, Rio e Porto Alegre, desde 1932, quando se formou na Faculdade de Medicina de Porto Alegre. Ver Diário de Notícias. Porto Alegre, idem, p. 5 e 6, MCSJHC/RS. Em 1933, Mário Couto teve três entradas na Casa de Correção: em 11 de maio (como nocivo à ordem pública), em 23 de agosto (como pernicioso à ordem pública) e em 1º de setembro (com a mesma acusação anterior). Cf. Fundo Polícia, Série Casa de Correção, Sub-série Entrada de Presos, livro de matrículas nº 7, p-308, AHRS.
[10] Cf. Diário de Notícias. Porto Alegre, idem, p. 6, MCSJHC/RS.
[11] Ver sobre a repressão da polícia de Flores da Cunha em relação às greves de Porto Alegre em “O terror branco no Rio Grande do Sul”. In. A Pátria, 24/01/1935, p. 3, Microfilme 0315, Coleção Jornais Brasileiros, AEL/UNICAMP. A matéria também aborda o assassinato do médico Mário Couto e a prisão de mais de duzentos trabalhadores manuais e intelectuais no dia da morte do médico comunista.
[12] As denúncias de violência ocorridas entre os próprios operários vieram da firma Só e Cia., onde grevistas teriam ameaçado espancar os que retornassem ao trabalho, enquanto que na firma Alcaraz e Cia., no estaleiro da Ilha do Chico Inglês, os operários Domingos Rymkiewicz e Alexandre Willycecky foram atacados por tencionar voltar ao trabalho. Ver “A greve parcial dos metalúrgicos e tecelões”. In. Diário de Notícias. Porto Alegre, 18/01/1935, p. 6, MCSJHC/RS.
[13] A greve dos operários de fábricas em mosaico atingiu as empresas E. T. O. Esgulira (situada na avenida José Alencar), Bergamaaschi (do bairro Floresta) e Herbert e Laeske (da rua Conceição). Ver “As greves em Porto Alegre”. In. Diário de Notícias. Porto Alegre, 22/01/1935, p. 14, MCSJHC/RS.
[14] Cf. “Cessou o movimento grevista na cidade”. In. Diário de Notícias. Porto Alegre, 23/01/1935, p. 3, MCSJHC/RS.
[15] Ver: “Declararam-se em greve os choferes de São Paulo” e “Continua a greve dos motoristas de São Paulo”. In. Diário de Notícias. Porto Alegre, 13 e 15/01/1935, p. 1, respectivamente, MCSJHC/RS.
[16] Cf. “Greve nos frigoríficos paulistas”, “São Paulo está ameaçado de ficar sem abastecimento de carne” e “A greve dos operários da Armour”. In. Diário de Notícias. Porto Alegre, 24, 25 e 26/01/1935, p. 1, p. 1 e p. 3, sequencialmente, MCSJHC/RS.
[17] Ver: “O combate ao extremismo”. In. Diário de Notícias. Porto Alegre, 17/01/1935, p. 1, MCSJHC/RS.
[18] Uma das primeiras notícias da fundação da ANL se deu em São Paulo, com a criação de um núcleo local, em 28 de janeiro. Ver “Fundada em São Paulo a Aliança Nacional Libertadora”. In. Diário de Notícias. Porto Alegre, 29/01/1935, p. 1, MCSJHC/RS. No dia 30, Filinto Müller, após consultar o ministro da Guerra, declarou que Prestes poderia regressar ao Brasil, assumindo a direção da Aliança. Ver “O senhor Luiz Carlos Prestes pode voltar ao Brasil”. Idem, 31/01/1935, p. 1, MCSJHC/RS. Três dias depois a ANL de São Paulo protestava, através de um comunicado assinado por Gerson e Mário Coutinho, contra as prisões que vinham acontecendo em todo o Brasil. Cf. idem, 03/02/1935, p. 1, MCSJHC/RS.
[19] Cf. “A LSN”. In. Diário de Notícias. Porto Alegre, 26/01/1935, p. 1, MCSJHC/RS.
[20] Ver: “Foi apresentada, ontem, a Câmara Federal, o projeto da LSN” e “Impedida uma manifestação comunista no Rio”. In. Diário de Notícias. Porto Alegre, 27/01/1935, p. 1, MCSJHC/RS. Cf. sobre o mesmo tema “Foi apresentado à Câmara o projeto de Segurança Nacional”. In. O Estado de São Paulo. São Paulo, 27/02/1935, p. 1, Microfilme 0513, Coleção Jornais Brasileiros, AEL/UNICAMP. Na redação inicial do projeto de LSN, auxiliaram o ministro da Justiça Vicente Ráo e o ministro da Guerra Góes Monteiro (que dizia que a Lei era oportuna).
[21] Cf. “São Paulo, ontem, sob a ameaça de greve geral” e “Como vem repercutindo o projeto de LSN”. In. Diário de Notícias. Porto Alegre, 30 e 31/01/1935, p. p. 14 e 1, respectivamente, MCSJHC/RS.
[22] Cf. “Um boletim do Sindicato Médico e Bancário de São Paulo”. In. Diário de Notícias. Porto Alegre, 31/01/1935, p. 1, MCSJHC/RS.
[23] A polícia paulista impediu também uma reunião do Sindicato Médico (que recorreu inutilmente até para a Corte de Apelação, via mandado de segurança) para organizar um protesto contra a morte de Mário Couto, e tomou todas as medidas para impedir uma possível greve anunciada pelos trabalhadores da Light. Cf. “Cessou inteiramente o movimento grevista em São Paulo”. In. Diário de Notícias. Porto Alegre, 01/02/1935, p. 1, MCSJHC/RS.
[24] Cf. este documento, em negativo de fotografia, no prontuário Propaganda Comunista, Fundo DESPS, Setor Dossiês, Notação 54, Arquivo Público do Estado do Rio de Janeiro (APERJ).
[25] Os gráficos presos e colocados em liberdade no mesmo dia foram Lourival Coutinho, Raimundo Santos, Benjamin Borges Fonseca, José Antunes de Almeida e José Vieira da Silva. Ver “Contra a LSN – Iniciou, anteontem, no Rio, um movimento grevista entre o operariado gráfico dos jornais”. In. Diário de Notícias. Porto Alegre, 02/02/1935, p. 1, MCSJHC/RS.
[26] Sobre a oposição do PCB contra a LSN, ver CARONE, Edgar. Brasil: anos de crise 1930-1944. São Paulo: Ática, 1991, p. 183-5.
[27] Desde o decreto nº 19.770 de 1931, reforçado pelo decreto nº 24.604 de 1934, se estabelecia a proibição para as manifestações políticas nos sindicatos, punindo-se os infratores e retirando-se os direitos dos sindicatos. O projeto da LSN tirava dos órgãos técnicos do Ministério do Trabalho, passando as atribuições para a competência da polícia. Sobre a repressão a tentativa de greve dos bancários, ver “Fracassou uma tentativa de greve dos bancários do Rio de Janeiro”. In. Diário de Notícias. Porto Alegre, 09/02/1935, p. 12, MCSJHC/RS.
[28] Cf. “Propaganda subversiva – Apreendidos nas ilhas da Guanabara, grande quantidade de boletins”. In. Diário de Notícias. Porto Alegre, 10/02/1934, p. 1, MCSJHC/RS.
[29] A edição do jornal carioca Correio da Manhã de 09/03/1934, na matéria “Contra a residência do Dr. Raul Fernandes”, relata que sua casa na avenida Eduardo Guinle foi atacada por militantes com piche, além de deixarem panfletos contra a LSN. Após o fato, a Segurança Social passou a vigiar a residência do deputado governista. Cf. o recorte no prontuário de Raul Fernandes, no Fundo DESPS, Setor Prontuários, Notação 293, APERJ.
[30] Cf. “Os trabalhos da Câmara dos Deputados”. In. Diário de Notícias. Porto Alegre, 16/02/1934, p. 1, MCSJHC/RS.
[31] Ver: “Descoberto um complô comunista em Bauru”. In. Diário de Notícias. Porto Alegre, 20/02/1935, p. 1, MCSJHC/RS.
[32] Cf. “Estava planejada a destruição das instalações da Light”. In. Diário de Notícias. Porto Alegre, 27/02/1935, p. 1, MCSJHC/RS.
[33] Cf. “Descoberta de planos de subversão da ordem pública”. In. O Estado de São Paulo. São Paulo, 27/02/1935, p. 1, Microfilme 0513, Coleção Jornais Brasileiros, AEL/UNICAMP.
[34] O discurso de Walter Pompeu aprofundou a vigilância da DESPS sobre o militar. Tido como contra-revolucionário desde 1930, por não aderir ao Movimento, além de ser nomeado chefe de polícia de São Paulo, Pompeu foi preso por ordem do ministro da Guerra de 25 de março, sendo depois transferido para o Forte de Copacabana e depois para a Fortaleza de Santa Cruz, pegando pena disciplinar de trintas dias, já como inimigo do governo Vargas, em função do discurso no Clube Militar em 3 de março de 1935. As reuniões do Clube Militar contra a LSN, organizadas por militares da ANL resultaram também na prisão por dez dias dos capitães Moésia Rolim e Antônio Rollemberg, autores de um manifesto contra a temida Lei, na prisão de André Trifino Corrêa (por oito dias, no quartel do 3º RI, no Rio de Janeiro) por tomar parte nas reuniões e na transferência para Bagé, Rio Grande do Sul, do major Carlos Costa Leite. Cf. o prontuário de Walter Pompeu no Fundo DESPS, Setor Prontuários, Notação 231, APERJ.
[35] Cf. “Contra a LSN”. In. Correio do Povo. Porto Alegre, 03/03/1935, p. 24, MCSJHC/RS. Para a ABI, a LSN se somaria com a Lei de Imprensa instituída com o decreto nº 24.776, de 14/07/1934, na qual se estabeleciam delitos de imprensa. Coincidentemente, o primeiro julgamento da nova Lei de Imprensa aconteceu quando iniciava a tramitação da LSN na Câmara dos Deputados. Nele, em 14 de fevereiro de 1935, foi julgado e absolvido por unanimidade o jornalista Hamilton Barata, processado pelo chefe de polícia Filinto Müller, pela publicação em seu jornal O Homem Livre de um artigo chamado “O sangue de Tobias Warchawsky clama vingança!”. Ver “O primeiro julgamento de acordo com a nova Lei de Imprensa”. In. Diário de Notícias. Porto Alegre, 15/02/1935, p. 1, MCSJHC/RS.
[36] Na reunião, onde foram aprovados os estatutos da ANL, estiveram Roberto Sisson, Marcelo Curvello de Mendonça, Antônio Rollemberg, Carlos de Schneler, Benjamim Soares Cabello, Carlos Lacerda, Francisco Mangabeira, Armando Laydner, Annyzio de Vianna, Abguar Bastos, José Augusto de Medeiros, Rubem Braga, Manuel Venâncio Campos da Paz, Febus Gikovate, Carlos Amorety Osório, Antônio Rodrigues Gouvêa, Euzmann Cavalcanti e André Trifino Corrêa. Cf. cópia da ata dessa reunião no Fundo DOPS, Setor Comunismo, Pasta 18 – ANL, Folhas 245-6, APERJ.
[37] A segunda discussão correspondia ao segundo turno atual. Cf. “Urgente. Acaba de ser aprovada. em segunda discussão, a Lei de Segurança”. In. Correio do Povo. Porto Alegre, 17/03/1935, p. 1, e “”Urgente. Acaba de ser aprovada em último turno a Lei de Segurança”. Idem. Porto Alegre, 28/03/1935, p. 1, MCSJHC/RS.
[38] Cf. “Contra a LSN – Um veemente protesto lançado por vários oficiais, em manifesto à Nação”. In. Correio do Povo. Porto Alegre, 26/03/1935, p. 1, MCSJHC/RS.
[39] Várias das passagens acima estão contidas de forma ampliada na tese de doutorado de minha autoria e orientada por Michael M. Hall. Ver: O fantasma do medo: o Rio Grande do Sul, a repressão policial e os movimentos sócio-políticos (1930-1937). Campinas: IFCH-Unicamp, 2004, p. 333-359.

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