Natal: é ilegal ou imoral a “engorda”?

A obra de engorda da Praia de Ponta Negra expõe erros graves, impactos ambientais e exclusão social.

Foto: Abraão Júnior/Tribuna do Norte

“Essa é uma terra de um deus mar; um deus mar que vive para o sol…” Trecho da canção “Linda Baby”, do cantor e compositor Pedrinho Mendes.

As cidades brasileiras de médio e grande porte, muitas das quais integrantes de regiões metropolitanas, vêm sofrendo nos últimos anos fortes pressões para a modificação de seus respectivos Planos Diretores de Desenvolvimento Urbano.

Tais pressões surgem, em geral, de setores vinculados ao capital – setor imobiliário, turístico, da construção civil e proprietários de terra urbana – e apontam no sentido de tornar a cidade mais aberta ao “desenvolvimento” e à “geração de empregos” a partir de sua completa desregulamentação, pois as normas protetoras de direitos na cidade atrapalhariam o progresso.

Associado a esse processo, surgem os projetos urbanísticos voltados para se colocar a cidade como um produto à venda, ainda que tal caminho venha significar a negação do DIREITO À CIDADE para as pessoas.

Os espaços públicos, indistintamente, passam a se incorporar ao uso limitado, decorrendo daí as restrições ao seu acesso. A sua segregação se dá pelo filtro econômico-financeiro: mesmo não tendo qualquer proibição formal, o preço pago para entrar nesses espaços acaba excluindo a população. É a cidade do turismo excludente.

Natal, a bela capital potiguar, vivencia hoje um episódio que ilustra bastante bem esse quadro: a obra de engorda da Praia de Ponta Negra, financiada com recursos da União. Diante dos estragos provocados pelas primeiras chuvas de janeiro de 2025, foram revelados erros e precariedades em relação à referida obra, na orla marítima da cidade.

A primeira chuva do ano foi o suficiente para expor um antigo problema de Natal: a falta de preparo para mitigar os impactos das chuvas. Pelo Boletim Meteorológico do Sistema de Monitoramento da Empresa de Pesquisa Agropecuária do RN (EMPARN), foram registrados 66 milímetros em 6 horas, entre a madrugada e o início da manhã da segunda-feira (13/01/25), causando alagamentos em diversos pontos da cidade, entre eles um trecho da obra de engorda da praia.

O grande volume de água causou o rompimento da rede de drenagem do calçadão de Ponta Negra, transformando o trecho alagado da praia em um verdadeiro esgoto a céu aberto, com poças de lama, muita sujeira e mau cheiro. Na praia, a obra de “alargamento”, se tornou “alagamento”. Mesmo diante de inúmeros alertas feitos acerca dos riscos ambientais em tocar uma obra sem o licenciamento adequado.

Em artigo publicado em 2024, a Professora Ruth Ataíde* da Universidade Federal do Rio Grande do Norte, juntamente com outros pesquisadores, apontaram:

“A revisão do Plano Diretor de Natal, finalizada em 2022, e a proposição de grandes projetos denominados de “requalificação urbana”, localizados em grande medida na orla marítima e estuarina, trazem como objetivo a reafirmação da cidade como um produto à venda, com o protagonismo do turismo de sol-e-mar. (…) Dessa forma, a atual gestão reabriu o balcão de negócios aos capitais nacional e estrangeiro e escancarou o estímulo à venda do cobiçado território da orla do município.”

Na pressa para inaugurar a obra antes da data da eleição municipal, o Prefeito Álvaro Dias e seu então candidato – hoje Prefeito Paulinho Freire – chegaram ao cúmulo de arrombar o portão de entrada e invadir o órgão ambiental estadual (IDEMA), acompanhados de assessores e apoiadores de campanha, com o objetivo de forçar o referido órgão a antecipar a emissão da licença ambiental para a obra, sem a conclusão dos devidos estudos.

Como resultado, a Praia de Ponta Negra, cartão postal da cidade, ao invés de atrair turistas, está expulsando as pessoas: turistas, pescadores, pequenos e médios comerciantes, moradores e eventuais visitantes. Lamentavelmente, uma obra tão importante e necessária tornou-se uma vergonha para a cidade.

Natal, a “Linda Baby” do poeta Pedrinho Mendes, hoje chora com tais notícias. Lembrando os versos de outro poeta, Erasmo Carlos, perguntamos: diante desse tipo de obra, É ILEGAL OU IMORAL A “ENGORDA”?

(*) ATAÍDE, Ruth Maria da Costa et all. A venda da cidade como política pública. In: Observatório das Metrópoles nas Eleições: um outro futuro é possível. Natal. Caderno de propostas. Organização: Alexsandro Ferreira Cardoso da Silva e Maria do Livramento Miranda Clementino. Rio de Janeiro: Letra Capital: Observatório das Metrópoles. 2024, p. 48 – 52.

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